A morte em uma câmara de gás

Inventada em 1921 por juristas americanos horrorizados com a cena de uma execução por cadeira elétrica no Estado Norte Americano de Nevada, ativada pela primeira vez em 08 de fevereiro de 1924 para a execução de um membro da máfia chinesa; utilizada pelos nazistas para o extermínio em massa de judeus e outros grupos considerados indesejáveis durante a II Guerra Mundial; possivelmente utilizada ainda em Campos de Concentração, em Haengyong, na Coréia do Norte, para extermínio maciço de homens, mulheres e crianças acusadas de crimes políticos.([1]). Algumas pessoas podem considerar a indução da morte em uma câmara de gás uma medida  “humanitária”, visto que pelo ponto de vista de um espectador externo, a morte parece instantânea e indolor.

Mas será que um ser humano ou um cão sendo mortos em uma câmara de gás realmente tem uma morte rápida e indolor? Para responder a essa pergunta, entendamos primeiramente o que é uma câmara de gás: A câmara de gás é um compartimento selado onde a vítima ou as vitimas são colocadas para serem expostas a gases tóxicos ou asfixiantes. Geralmente os gases utilizados, para o caso de seres humanos, são os cianetos. Para animais utiliza-se o monóxido de carbono.

Cianureto

A opção pelos cianetos para execução de seres humanos se dá devido ao seu mecanismo de ação, que bloqueia a cadeia respiratória. O cianeto inibe a enzima citocromixidase nas mitocôndrias, impedindo a transferência de elétrons para o oxigênio molecular. Com a enzima bloqueada, a célula se vê incapaz de utilizar o oxigênio em seu metabolismo. O organismo morre por asfixia, mesmo tendo abundância de oxigênio em sua corrente sanguínea. ([2])

Devido á sua eficiência, o cianeto, na forma de Zyklon B, foi adotado pelos nazistas com a finalidade de exterminar o máximo de pessoas no menor tempo possível, episódio este que ficou conhecido como “A Solução Final da Questão Judaica” (Endlösung der Judenfrage). (posteriormente, o cianeto foi utilizado na forma de cápsulas para suicídio do próprio alto escalão nazista – Rommel, Goebbels, Göring, Himmler e, supostamente, Hitler). Espiões, durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, também andavam com cápsulas de cianeto para pôr fim à própria vida no caso de serem capturados. ([3])

Monóxido de carbono

O monóxido de carbono age no organismo se combinando com a hemoglobina em uma ligação mais estável do que a ligação da hemoglobina ao oxigênio. A hemoglobina, dessa forma, deixa de transportar o oxigênio para os tecidos, sua principal função. O organismo morre asfixiado, apesar da presença de oxigênio no ar ([4]).

O monóxido de carbono, mais fácil de se obter do que os cianetos, foi também utilizado pelos nazistas para extermínio de populações indesejáveis ou em suas palavras, pessoas indignas de viver, tais como deficientes físicos, deficientes mentais, etc. Foi também utilizado para matar pequenas populações indesejáveis, através dos Gaswagens na Alemanha e dos Dushegupkas soviéticos, veículos cujos escapamentos eram voltados para o interior do baú onde as pessoas eram transportadas, matando-as no caminho. Registra-se que nessas situações as vitimas podiam levar mais de 20 minutos para morrerem, o que o tornava um método pouco eficiente para extermínio em massa. ([5]; [6])

A exposição subletal ao gás produz sintomas tais como dores de cabeça, náusea, vômito, visão turva, fadiga, sensação de cansaço e sinais neurológicos como confusão mental, desorientação, irritação, desmaios e apoplexia.  Doses relativamente elevadas em pessoas saudáveis pode provocar problemas de visão, redução da capacidade de trabalho, redução da destreza manual, diminuição da capacidade de aprendizagem, dificuldade na resolução de tarefas complexas e produzir a morte. (4)

Devido à sua maior facilidade de obtenção, é o gás utilizado para o extermínio de animais nos centros de controle de zoonoses que utilizam câmaras de gás.

Um método humanitário?

Câmaras de gás são uma forma eficiente de exterminar populações humanas ou animais em grande escala. Mas há um grande engano em considerar que essas mortes acontecem de uma maneira indolor e rápida. Mais enganoso ainda é empregar a palavra “humanitária” para se referir a qualquer forma de abate de seres sencientes por qualquer razão que não seja abreviar uma existência miserável, cuja própria continuidade represente o sofrimento.

Dependemos da respiração celular para sobreviver, mas há um tempo entre o momento que nossas células deixam de utilizar o oxigênio e o tempo que a consciência deixa de atuar no organismo. Um ser humano ou um cão podem levar vários minutos agonizando antes que a morte chegue em uma câmara de gás. Com efeito, esta pode ser uma morte bastante lenta e dolorosa, conforme ficou demonstrado em uma série de execuções realizadas nos Estados Unidos ao longo das décadas de 1980 e 1990. (1)

Um dos casos mais bem documentados foi o da execução de Jimmy Lee Gray no Mississipi, que em 02 de setembro de 1983, ficou arfando, gemendo, e se debatendo por 11 minutos até que o cianeto fizesse efeito. Foi preciso que os oficiais esvaziassem a sala 8 minutos após o inicio da execução, porque a agonia do executado estava causando repulsa às testemunhas ([7]; [8]).

Donald Harding, executado em 6 de abril de 1992 no Arizona, levou 11 minutos para morrer na câmara de gás. Durante a execução ele bateu e investiu violentamente contra a correia de restrição. De acordo com o jornalista Cameron Harper, que testemunhou a execução, os espasmos e reflexos continuaram por 6 minutos e 37 segundos após a execução. Em suas palavras “Obviamente, este homem sofreu. Foi uma morte violenta . . . um evento horrível. Levamos animais à morte mais humanamente”. Outra jornalista que testemunhou a execução, Carla McClain disse “A morte de Harding foi extremamente violenta. Ele estava sentindo muita dor. Eu o escutei arfar e gemer. Vi seu corpo mudar do vermelho para o roxo”. Outros repórteres que testemunharam a execução também ficaram bastante impressionados com o evento.ou a execução. Após sua morte, o oficial da prisão declarou que pediria demissão se tivesse que executar mais alguém em uma câmara de gás. Após sua morte, o Estado do Arizona decidiu não mais aplicar a pena de morte por câmara de gás e passou a utilizar injeções letais. ([9];  [10]; [11])

Em 1996, após a execução de Robert Alton Harris, uma corte federal (a Corte de Apelações para o Nono Circuito) dos EUA declarou que a execução por gás venenoso se constitui em uma forma de punição cruel e não usual (“unusual and cruel punishment”, o que contraria a oitava emenda da Constituição dos EUA). ([12])

A câmara de gás foi, no passado, utilizada como forma de execução de condenados nos estados do Colorado, Nevada, Arizona, California, Maryland, Mississipi, Missouri, Novo México, Carolina do Norte, Oregon e Wyoming. Atualmente apenas 4 estados norte-americanos ainda utilizam a execução de seres humanos por câmara de gás, sendo que os demais onde existe pena de morte prefere a injeção letal. ([13])

A câmara de gás pode ser utilizada para a execução de indivíduos, como no caso de condenados à morte ou para o extermínio em massa de populações, como no caso das ações promovidas pelos nazistas ou pelos Centros de Controle de Zoonoses. Em todos os casos, porém, esteja claro que não se trata de um método indolor e não cruel de pôr fim a uma vida.

A alegação de que se trata de um método humanitário de promover a eutanásia, portanto, não tem cabimento. Em primeiro lugar porque não é humanitário ([14]), em segundo lugar porque não se trata, realmente, de eutanásia. A palavra eutanásia é enganosamente empregada em situações como o controle de cães e gatos errantes ou para matar animais utilizados em experimentos laboratoriais.

A palavra eutanásia (do grego ευθανασία – ευ “bom”, θάνατος – “morte”) não pode ser empregada nesses contexto, porque o animal morto por qualquer método que seja não está recebendo uma “morte boa”, ele está sendo morto para satisfazer a um propósito humano. A morte, por qualquer método que seja, que visa o controle populacional, que visa a eliminação de animais utilizados em experimentos, que visa a produção de alimentos de origem animal não pode ser chamada de eutanásia, da mesma forma que a morte de pessoas saudáveis não o pode. ([15]).

No contexto humano, a palavra eutanásia apenas é utilizada nas situações em que um paciente padecendo de uma situação incurável e irreversível, não causada propositalmente, é induzido à morte por um método controlado e reconhecidamente humanitário, com o objetivo de poupar-lhe o sofrimento que de outra forma ele não teria como ser liberto. A execução de prisioneiros não é, de forma alguma, eutanásia. Da mesma forma não o é a execução de animais, exceto nos casos em que se trate de animais padecendo de doenças e cuja existência signifique sofrimento maior do que a abreviação da própria vida. (15).

Se é que existe uma forma humanitária de abater animais (e contexto veementemente essa posição, exceto nos casos em que se trate realmente de eutanásia), esta não é pela câmara de gás, mas sim a injeção letal. (14)

A experiências dos CCZs

Cães e gatos errantes não reclamados ou animais que são abandonados por seus donos e não são adotados após determinado tempo com frequência encontram seu fim nos Centros de Controle de Zoonoses. Os métodos de extermínio desses animais podem variar de CCZ para CCZ, mas asfixia e injeção letal são os métodos de “eutanásia” considerados mais “humanitários” pelas associações veterinárias e órgãos de saúde. ([16]; [17]).

Conforme escreveu Randy Grim, autor do livro Miracle Dog: How Quentin Survived the Gas Chamber to Speak for Animals on Death Row (“Cão Milagroso: Como Quentin sobreviveu à câmara de gás para falar pelos animais no corredor da morte” em tradução livre). “Este é o pequeno segredo da América . . . Se as pessoas na verdade vissem a câmara de gás funcionando, assinariam uma petição amanhã para bani-la”. ([18])

Quentin, o cão referido no título do livro, é um mestiço de basenji marrom avermelhado que realmente sobreviveu à execução na câmara de gás do CCZ de St. Louis, no Missouri, em agosto de 2003, embora outros 6 cães que estavam com ele na câmara houvessem perecido.  O cão foi adotado por Grim e recebeu o nome em homenagem à Prisão Estadual de San Quentin, na Califórnia, onde se localiza o maior corredor da morte dos EUA.

Houve outro caso registrado de um filhote que havia sido enviado para a câmara de gás de Davie County, Carolina do Norte, em abril de 2005 e foi resgatado do saco de lixo onde havia sido embalado juntamente com outros animais mortos na mesma ocasião. O filhote foi dado como morto e colocado no saco, embora apenas estivesse desmaiado. Após seu resgate, constatou-se que apesar de sujo e fedendo, o filhote gozava de plena saúde ([19])

Embora os registros de seres humanos e animais que sobreviveram às câmaras de gás sejam escassos, podemos acreditar que possa existir um número bem maior de casos. O procedimento ao se abrir uma câmara de gás e se constatar a existência de algum sobrevivente pode ser simplesmente fechar a câmara de gás por mais alguns minutos. Ou pode-se proceder o processamento de sobreviventes juntamente com a carcaça dos mortos. Sabe-se lá quantos judeus não foram incinerados vivos em fornos nazistas; sabe-se lá quantos filhotes não foram colocados em sacos e enterrados ou incinerados sem que seus finais de vida fossem notados. .

A morte de cães e gatos em câmaras de gás é um processo que, do começo ao fim, leva entre 25 e 30 minutos. Os animais são colocados na câmara, selados e o monóxido de carbono é então liberado. Os animais desfalecem em poucos minutos, com estados variados de consciência. Alguns podem vir a morrer rápido, por asfixia, mas muitos continuam vivos pelos minutos seguintes.

Portanto, a visão de que os animais entram na câmara e morrem de forma tão rápida que nem chegam a perceber é falsa. Eles entram na câmara e percebem que se trata de um recipiente hermético, cujos latidos ecoam e se amplificam; outros animais que eles nunca viram antes são colocados no mesmo local, possivelmente cães e gatos sejam colocados juntos, e brigas podem irromper antes que o gás seja liberado. Se isso por si só não for suficiente para gerar o pânico, o pânico se instala quando o gás começa a invadir o compartimento.

O monóxido de carbono é um gás inodoro para o ser humano. Possivelmente os cães também não podem sentir seu odor, mas eles podem escutar o silvo do gás entrando na câmara, e perceber a crescente dificuldade de continuar respirando. À semelhança do que acontece com seres humanos, cães e gatos na câmara de gás se debatem em busca de ar, esperneiam, latem assustadoramente, sentem vertigem, náuseas e vomitam muito antes de morrer.

A injeção letal

Muitos Centros de Controle de Zoonoses que ainda promovem a matança de animais substituíram as câmaras de gás por injeções letais. A injeção de pentobarbital, utilizada para eutanasiar (no sentido verdadeiro da palavra, ou seja, trazer uma morte rápida a animais moribundos e sem esperança de recuperação) animais de estimação em clínicas particulares é hoje utilizada em muitos desses centros para matar animais saudáveis abandonados. (17; [20]; [21])

No caso das injeções letais os animais realmente morrem em poucos segundos, o que a torna uma forma mais rápida e supostamente bem menos dolorosa do que a câmara de gás. Por esse motivo, entidades bem-estaristas defendem a utilização da injeção letal como método humanitário de se proceder a eutanásia. (2021; [22])

A American Veterinary Medical Associations, em seu AVMA Guidelines on Euthanasia (2007)  [23] declara: “O uso de agentes de eutanásia injetáveis é o método mais rápido e confiável de realizar a eutanásia” no entanto, considera a injeção letal de pentobarbital em combinação com agentes bloqueadores neuromusculares como um método de eutanásia inaceitável.

Novamente, ainda que se utilizando de um método mais rápido e supostamente menos doloroso de se levar um animal à morte para o controle de suas populações, os termos  “eutanásia” e “humanitário” não se aplicam, visto que essa morte não ocorre pelo interesse do próprio indivíduo, como nos casos em que o animal padece de doença grave incurável e sofrível. Matar um animal como medida de controle populacional é inerentemente cruel, seja qual for o método empregado.

Para compreendermos o contrassenso desse conceito, podemos aplicar a mesma situação ao caso humano. Teríamos aceitado o extermínio promovido pelos nazistas se ao invés de câmaras de gás fossem empregadas injeções letais? Poderíamos chegar ao ponto de considerar algo como uma “limpeza étnica humanitária” se a técnica de extermínio pudesse ser considerada menos dolorosa e mais rápida?

O controle correto de populações animais

Condenar animais à morte pelo simples fato de estes encontrarem-se desamparados e em populações excedentes não é uma atitude correta. A população de seres humanos é excessivamente grande em muitos locais e muitos seres humanos levam vidas miseráveis sem ninguém que os ampare e nem por isso os condenamos à câmara de gás.

Matar animais em Centros de Controle de Zoonoses é uma forma inefetiva de controle populacional, porque essa atuação não incide sobre a população reprodutiva. Animais de rua dificilmente se reproduzem. Os animais que se encontram nas ruas nasceram domiciliados e foram posteriormente descartados.

A forma mais efetiva de se controlar as populações de animais domésticos é através da castração compulsória de animais domiciliados e a extinção do comércio de animais. Quando menos animais nascem, os que nascem são mais valorizados. Não havendo comércio diminui-se os abusos. As pessoas que realmente querem animais em suas famílias adotarão ao invés de comprá-los.

Notas

[1] http://en.wikipedia.org/wiki/Gas_chamber

[2] http://www.virtual.epm.br/material/tis/curr-bio/trab99/envenena/inibit.htm

[3] http://pt.wikipedia.org/wiki/Cianeto

[4] Blumenthal, Ivan. “Carbon monoxide poisoning”. J R Soc Med (The Royal Society of Medicine) 94 (6): 270-272, 2001.

[5] Kitchen, Martin “A history of modern Germany 1800-2000 Wiley-Blackwell. p.323., 2006.

[6] http://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10005220

[7] Bruck, David “Decisions of Death”, The New Republic, Dec. 12, 1984, at 24-25.

[8] Solotaroff, Ivan The Last Face You’ll Ever See, 124 Esquire 90, 95 (Aug. 1995).

[9] N.Y.Times “Gruesome Death in Gas Chamber Pushes Arizona Toward Injections”, N.Y. Times, Apr. 25, 1992, at 9.

[10] Howe, Charles L. “Arizona Killer Dies in Gas Chamber”, S.F. Chron., Apr. 7, 1992.

[11] Kwok, Abraham “Injection: The No-Fuss Executioner”, Arizona Republic, Feb. 28, 1993.

[12] http://www.lectlaw.com/files/cas73.htm

[13] http://www.deathpenaltyinfo.org/methods-execution

[14] http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=340:abate-humanitario&catid=43:sergiogreif&Itemid=1

[15] Caserin, Selma Aparecida. Breves Considerações sobre Eutanásia e Ortotanásia e o respeito ao Princípio da Dignidae no Momento da Morte. In: Anuário da Produção Acadêmica Docente. Vol. XII, nº 2, ano 2008.

[16] Reichmann, Maria de Lourdes Aguiar et alii “Controle de populações de animais de estimação”. São paulo: Instituto Pasteur, 2000.

[17] National Animal Control Policy Statement: Disposition of Animals-Euthanasia em http://www.nacanet.org/poleuth.html

[18] Grim, Randy “Miracle Dog: How Quentin Survived the Gas Chamber to Speak for Animals on Death Row” Alpine Books, 2005.

[19] Gunning, Mike “Puppy Survives Euthanasia Attempt, Trip to Dump,” Davie County Enterprise Record, April 2005.

[20] “Operational Guide for Animal Care and Control Agencies: Euthanasia by Injection”American Humane Association p. 19, 2005.

[21] “Euthanasia by Injection-Training Guide”American Humane Association, p. 8, 2008.

[22] http://www.sheltervet.org/documents/Position%20Statements/Euthanasia%20of%20Shelter%20Animals.pdf.

[23] “AVMA 2007 Guidelines on Euthanasia state: -The use of injectable euthanasia agents is the most rapid and reliable method of performing euthanasia. Em http://www.avma.org/issues/animal_welfare/euthanasia.pdf.

Por Sérgio Greif

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