Abolicionistas, bem-estaristas, socorristas

Por Dr. phil. Sônia T. Felipe

Sempre estranho as acusações de Francione contra Singer. Francione faz um trabalho inestimável, pois vindo do direito, acaba por dar um braço jurídico à defesa dos direitos dos animais, algo que a argumentação ética de Singer não pretende fazer.

Singer é abolicionista, embora não tenha usado tal expressão, que, se minha memória não me trai agora, foi usada apenas uma vez por Tom Regan. Essa vez eu a apanhei e passei a usar no Brasil, antes de qualquer outra pessoa.

Bem, estranho em Francione uma argumentação que não se sustenta, a não ser sobre os pilares da argumentação do Singer. Lá do alto, sentado sobre os ombros do gigante, obviamente o Francione vislumbra algo que Singer não chegou a elaborar com todas as letras, mas formatou numa matriz que Francione agora pode aplicar para fazer seus escritos.

Nunca vi Singer defendendo o onívorismo consciente. Mas, em seu livro, Ética na Alimentação, ele faz comparações entre quatro tipos diferentes de dietas. Nessas comparações, há passagens nas quais ele admite que é menos pior uma delas, do que as outras. Daí muita gente usar essas passagens para desqualificar Singer. Inclusive Francione. Lamentável.

Dizer que é menos pior passar pomada contra sarna no cão, do que deixar que ele fique sofrendo com as sarnas, não é abolicionista, obviamente, porque, o ato de passar a pomada no cão não o liberta do sistema de detenção ao qual está condenado, porque humanos gostam de eleger a espécie canina como objeto de estimação.

Mas, embora a posição abolicionista defenda a libertação total de todos os animais, e, veja, isso devemos historicamente, primeiro a Singer, e não a Francione, que só veio vinte anos depois de Singer, nenhum abolicionista genuíno condenaria qualquer pessoa que oferecesse água e comida a um cão sedento e esfomeado! Isso, é o que Singer admite, e o que fazem as protetoras de cães e gatos. Mas, isso, não é bem-estarismo, é um ato de compaixão, é “socorrismo”. Claro, se essas pessoas ficam apenas passando pomada nas áreas tomadas pela sarna, no cão, e não vão além disso, então elas não podem esperar dos abolicionistas nenhuma palmadinha de consolo no ombro.

Portanto, quando usamos o termo bem-estarismo, precisamos deixar claro que ele se destina a nomear o sistema de exploração e morte dos animais para beneficiar humanos, um sistema que aumenta as gaiolas e as correntes, fingindo que se preocupa com o bem próprio dos animais, e confundindo o bem que é específico e particular a cada indivíduo, com dar algum suprimento para que a “qualidade” do produto final não seja prejudicada.

Bem-estarismo não visa o bem dos animais, visa o lucro dos produtores e a segurança dos consumidores, por isso desperta tanta indignação nos abolicionistas. De fato, está errado usar esse termo para designar gente que não se importa com o bem próprio dos animais, gente que apenas diminui, quando o faz, o mal-estar deles.

Então, para não magoar tanto as pessoas que cuidam dos animais estragados pelas outras, poderíamos ter uma terceira categoria, que não seria referida com o termo bem-estarista, nem abolicionista, até prova em contrário, por exemplo, na falta de inspiração momentânea, “socorrista” animalista. Acho ótimo!

Temos, então, os bem-estaristas, esses que o Leon Denis, em sua Coluna Educação Vegana, [Contraponto – Parte III – A origem do mal] rudemente chamou com palavras duras, quero dizer, os que defendem o sistemão como ele está aí posto, apenas ampliando o espaço ou implementando algum alívio para os animais que seguem na fila da morte; os abolicionistas, que claramente se opõem à toda e qualquer forma de confinamento dos animais para exploração que beneficie humanos; e, finalmente, os socorristas, que cuidam dos animais estragados pelos primeiros, sem com isso dizer que são favoráveis ao confinamento e exploração dos animais. Esse último grupo não é bem-estarista, no sentido mais usado do termo, é “socorrista”. Ninguém, em sã consciência, pode criticar qualquer ser humano que venha em socorro de um animal, humano ou não-humano, ferido e em necessidade. Mas, também em sã consciência, ninguém pode parabenizar aqueles que se põem na posição bem-estarista, pois são eles quem sustentam o sistema.

Mas, que isso fique claro, nem todas as socorristas são abolicionistas. Nem todas as socorristas são bem-estaristas. Por haver uma enorme diferença na posição de umas, em relação a das outras, é que temos embates feios no movimento de defesa dos animais. Mas, esses embates, no que posso acompanhar, têm sido muito ricos, e sou uma filósofa feliz, porque introduzi esse debate teórico no Brasil e agora disponho dessa comunidade maravilhosa, da qual Gianna, Andresa, Sarah R., Vitor, Pedro, Luciano, Leon fazem parte, entre dezenas de outras pessoas, para poder aprofundar os conceitos. Devo a vocês, hoje, ter a faísca para entender que precisamos urgentemente de uma terceira categoria conceitual e ética, a de socorristas animalistas, designando as pessoas, que são milhares pelo Brasil afora, que vivem socorrendo animais feridos e abandonados pelo descaso dos demais.

Tenho muito respeito pelas socorristas. Tenho abjeção por bem-estaristas. Empenho-me pela abolição de todas as formas de exploração animal, sem especismos eletivos ou elitistas.

Resumindo:

Bem-estaristas= apoiam o sistema de exploração animal.
Abolicionistas= defendem a abolição desse sistema.
Socorristas= prestam serviço aos animais feridos ou abandonados pelo resto da sociedade, visivelmente bem-estarista, no sentido acima.

Fonte: ANDA


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