Briga de camelos, a cruel tradição centenária na Turquia
O festival é um dos mais importantes de Selçuk, onde 124 camelos participam das brigas.
Dois camelos esperam cara a cara para se lançarem um contra o outro, no oeste da Turquia, onde alguns turcos tentam preservar uma tradição que remonta aos anos 1830.
Os camelos mordem as patas de seu oponente para desequilibrá-lo. As batalhas, de entrada livre, duram alguns minutos, até que um deles derrube o outro ou fuja.
Muitos dos duelos terminam em empate. Os tutores se irritam e pressionam os camelos para que briguem, mas o animal às vezes parece não estar interessado.
No primeiro dia, os cameleiros desfilam com seus campeões pela cidade. Os camelos são decorados com telas coloridas e bordadas, guirlandas de sinos e bandeiras turcas. Um jurado logo escolhe o animal mais belo como campeão.
“Obviamente, todos acham que seu camelo é o mais lindo”, admite um dos cameleiros, Erol Bilgin, enquanto acaricia com ternura seu camelo chamado Kara Elmas (diamante negro) e retira um pedaço de palha da pelagem grossa do animal, “tranquilo, respeitoso e sensível”.
As associações de defesa dos direitos dos animais pedem regularmente que parem com os combates porque os consideram cruéis.
Os organizadores defendem dizendo que fazem todo o possível para proteger os camelos e que amarram uma corda ao redor de seus focinhos para limitar as mordidas.“A cultura dos camelos se desvanece, mas nós desejamos que perdure”, explica o prefeito Dahi Zeynel Bakici.
A tradição turca remonta à época de Yörük, um povo nómade herdeiro dos antigos guerreiros seljuks, que chegaram à Anatólia no século XI. Mas a primeira briga organizada formalmente na região ocorreu nos anos 1830, de acordo com Devrim Ertük, sociólogo da Universidade Dokuz Eylül de Selçuk.
No começo, os camelos carregavam mercadoria até os portos do oeste da Turquia. “E os cameleiros começaram a organizar as brigas de camelos” ali onde se instalavam, detalha Ertük, que é dono de dois camelos, um dos quais é um macho de dois anos que ele planeja colocar para briga.
Há 90 combates programados desde dezembro de 2018 até março de 2019 na região que vai de Canakkale a Antalya (581 quilômetros), uma temporada com pouca atividade no setor agrícola por ser inverno.
“Para um cameleiro, seu camelo tem um grande valor, os proprietários fazem o que podem para que não sofram”, insiste Ertük. “Muitos deles levam os nomes dos filhos do cameleiro. Meu pai colocou meu nome em um, Devrim”.
Além dos combates, é organizado há três anos um simpósio internacional sobre camelos em Selçuk, com aproximadamente 100 participantes na última edição.
De acordo com Bakici, o objetivo é conservar as tradições relacionadas com os camelos, como as brigas, e fazer com que a UNESCO as inclua na Lista de Patrimônio Mundial.
“Viemos de muito longe, por isso que ontem o camelo estava um pouco agitado, mas aqui pôde relaxar antes da briga. Ele sabe o que vai acontecer daqui para frente”, comenta Bilgin.
Ao redor da arena, a poucos minutos da costa, mais de 2.000 pessoas se instalam em mesas para fazer piqueniques e apoiar seus camelos favoritos. Compram churrasco, sanduíches e salsichas em postos certificados como “100% carne de camelo”, enquanto esperam o início do espetáculo.
Os espectadores, que em sua maioria são homens, desfrutam com um copo de raki (bebida alcóolica de anis) enquanto recitam uns versos do Corão e esperam o início das festividades.
Bilgin leva seu camelo para a arena e o coloca de frente para seu rival. Os dois animais batalham, se ajoelham várias vezes, mas nenhum cai.
“Estou tão emocionado, lutou muito bem, além das minhas expectativas, estou realmente orgulhoso”, exclama enquanto acaricia a seu camelo.
Por Laura María Sánchez Pico / Tradução de Alice Wehrle Gomide
Fonte: RCN Radio