Consciência na neurociência

Por Dr. phil. Sônia T. Felipe 

Desde a Grécia Antiga, com Pitágoras e Aristóteles, a filosofia sabia da existência da consciência em animais não-humanos. Aristóteles chega a declarar que encontra em não-humanos um tipo de racionalidade que muitas vezes não encontra em humanos.

Nos quatro primeiros séculos da nossa era, Sêneca, Ovídio, Porfírio e Plutarco voltam a afirmar a existência da consciência, da racionalidade e da sensibilidade em animais não-humanos. Durante a Idade Média, os animais eram processados e julgados pelos tribunais da igreja como coautores nos delitos e crimes dos quais os humanos eram acusados, entre eles o bestialismo. Havia pena de morte para os animais que se submetiam ao sexo humano, e o homem era enforcado ao lado do animal com o qual praticara atos libidinosos. Em um dos autos a justificativa para o enforcamento de uma porca em uma área pública foi de que assim ela servia de exemplo a outras porcas, para que essas não se deixassem levar pela concupiscência. A igreja admitia que as porcas sabiam o que estavam fazendo, um reconhecimento da consciência e autoconsciência nelas.

Passada a Idade Média, com a renovação da racionalidade (que caracterizara a filosofia grega), a Europa desiste de investigar a consciência animal e contenta-se com afirmar que animais são destituídos de racionalidade, escondendo que o domínio da razão não tem dependência alguma da sensibilidade ou senciência. Em outras palavras, podemos sentir dores atrozes muito antes de termos a capacidade para usar o raciocínio em nosso proveito ou em proveito alheio, função da razão. Prova disso são as dores sofridas por recém-nascidos, que, digamos, de racionais não têm nada, ainda.

Descartes busca indícios da consciência em animais usando o parâmetro da consciência humana: a capacidade de linguagem, confundida por ele com capacidade de usar palavras. Sem a linguagem, conclui o filósofo, não há racionalidade, nem consciência de si. Se os animais gritam ao serem machucados, seus gritos são como o som emitido pelas cordas de um violino ao serem atritadas pelos pelos do arco. Os gritos não seriam de dor, pois gritar expressando dor é um ato que prova a existência da consciência. Se o dogma era o de que animais não são conscientes, então seus gritos não podem ser de dor. Belíssima lógica, que afirma algo no início para colher a conclusão sem esforços, uma petição de princípio.

Na sucessão a Descartes (que morreu em 1650, aos 54 anos de vida), os cientistas prosseguiram cortando e despedaçando animais vivos sem anestesia, pois seus gritos e contorções seriam apenas reações mecânicas, jamais expressão consciente da dor dilacerante. No século XX, para não atormentar os algozes com esses gritos, os animais tinham suas pregas vocais ou cordas vocais cortadas. Assim os vivisseccionistas podiam trabalhar em paz dilacerando os corpos deles sem anestesia.

Chegamos ao século XXI com essa moralidade indiferente à dor e ao sofrimento de todos os animais que não nascem na configuração humana. Em julho de 2012, reunidos em Cambridge, cientistas das mais diferentes áreas – neurofisiologia, neuropsicologia, neuroanatomia, neurocomputação e neurocognição -, finalmente, tomaram coragem para debater o estatuto da existência da consciência em todos os animais, dos mamíferos aos vertebrados, das aves aos répteis, incluindo outras espécies, até chegar ao polvo e sem deixar os humanos de fora.

O resultado daquele debate sobre a consciência animal, sem especismo elitista ou eletivo, acabou por ser sintetizado na Declaração de Cambridge sobre a Consciência: a área do cérebro humano que não está presente na evolução dos demais animais, não é a área que responde pela consciência. Todos os animais são conscientes do que ocorre ao seu organismo e em seu ambiente.

Portanto, desde julho deste ano, não há mais inocência científica, teológica nem filosófica, quando se trata de considerar, com o mesmo princípio do respeito, a dor sofrida por um animal não-humano e a sofrida por um humano. Se a consciência é o parâmetro para o reconhecimento do direito humano de não sofrer dor, causada por outros para se autobeneficiarem, então essa mesma consciência do estímulo doloroso, presente nos outros animais, deverá nortear qualquer ação nossa que os possa afetar.

A filosofia, desde a obra de Humphrey Primatt (1776), defendia o princípio da igual consideração de interesses semelhantes, apropriado por Peter Singer para defender o estatuto moral de todos os seres sencientes. Com a Declaração de Cambridge sobre a Consciência animal, também a ciência passa a ter de rever seus pressupostos e sua liberdade infinita de tratar os animais como se fossem objetos, vivos-vazios, algo que seu cérebro e sua mente não lhes concedem ser.

Fonte: ANDA 


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