Deveres instituem direitos?

Da perspectiva ética, reconhecer um dever quer dizer compreender que há limites negativos (não fazer mal) e positivos (fazer o bem) que precisam ser colocados à própria liberdade de ação. Nesse reconhecimento não há necessariamente qualquer força coercitiva influenciando o raciocínio do agente moral. Quando esse agente reconhece um dever somente depois de saber que sofrerá algum tipo de represália caso não se componha dentro dos limites negativos e positivos ao agir, então o que ele reconhece não é propriamente seu dever, mas uma obrigação.

No senso comum, usamos esses dois termos de qualquer jeito. Mas, no sentido ético propagado sob a influência de Kant, o dever é um reconhecimento subjetivo das razões que nos impõe a razão para que não pensemos em agir de qualquer modo, quando nossa ação tem uma natureza moral.

Quando tratamos do dever de cuidar, proteger e defender os animais, lidamos com o conceito ético de dever. O mesmo se dá quando tratamos do dever de cuidar de humanos em condições vulneráveis. Animais, ecossistemas naturais e humanos fragilizados pela idade, doenças ou quaisquer outras circunstâncias estão em condições vulneráveis diante do poder dos humanos dotados de racionalidade instrumental, aquela que tudo usa em favor dos próprios interesses, sem medir as consequências para quem sofre os desdobramentos desses empreendimentos.

A questão que se põe, do ponto de vista ético, é a seguinte: quando reconhecemos que temos o dever de não causar dano, dor, sofrimento e morte a outros seres vivos, isso quer dizer que eles têm direito à integridade, ao prazer e à vida? Parece que a resposta deveria ser sim. Mas, se falamos de direitos implicamos outros conceitos, além do de dever. Quando reconhecemos a alguém um direito, já não exigimos que os agentes morais que o cercam reconheçam seus deveres em relação a ela(e). Se alguém tem direitos, então o máximo que precisamos reconhecer é nossa obrigação de não violar tal direito. Ao reconhecermos uma obrigação, no entanto, aceitamos que há uma força qualquer acima de nossa própria racionalidade que nos obriga a cumprir um dever. Por isso, quando cumprimos uma lei já não podemos dizer que o fazemos por uma questão de ética. Cumprimos as leis quando fica evidente que seu descumprimento nos trará algum prejuízo. Por isso, tal comportamento não é ético, ainda que não seja antiético.

Agir de forma ética em relação aos animais e ecossistemas exige senso de justiça moral. Ele nos leva a admitir que devemos impor limites aos nossos propósitos quando ameaçam avançar sobre o corpo e os propósitos de outros seres vivos, ainda que o não respeito a tal limite nos traga alguma forma de aborrecimento. O respeito pelos seres vivos vulneráveis está nessa categoria. Se os respeitamos, nem sempre obtemos disso algum benefício pessoal imediato. Pelo contrário, dado que nossa moral tradicional está ordenada por um princípio que concede aos humanos o direito de usar e explorar a vida de outras espécies (animais e vegetais), quando seguimos o princípio ético de respeito pelos animais geralmente temos algum incômodo em nossas ações, pois somos privados das facilidades de atender nossas necessidades sem fazer uso de animais: comer, vestir, higienizar, divertir-se, viajar etc.

A ética nos dá um limite para obtenção do prazer na realização de nosso projeto de vida. A liberdade que temos por sermos dotados de imaginação e de forte vontade egocêntrica só pode ser controlada por um limite moral. O reconhecimento de que devemos impor a nós mesmos tal limite é de ordem ética. Os contornos desse limite devem ser desenhados com base na coerência, justiça e reciprocidade. Se tivemos que criar direitos humanos para obrigar humanos a limitarem sua ânsia de domínio e escravização de humanos, temos hoje que criar direitos para os animais, para abolir a convicção humana de que essas vidas existem para servir aos propósitos humanos. Se nada nos obrigar a abolir a exploração dos animais, seguiremos adiante convictos de que tudo podemos em relação a eles. Mas, animais não são nossos objetos de propriedade (Gary Francione). São seres vivos que existem para viver suas vidas a seu próprio modo e buscarem o bem que é próprio delas (Tom Regan, Paul Taylor), nos limites e alcance que suas espécies possibilitam.

Fonte: ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais


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