Diferença ou singularidade?

A ética tradicional nega a possibilidade de pensarmos que seres de outra natureza que não a humana possam fazer parte da comunidade moral. Quem faz parte dessa comunidade está automaticamente contemplado com o direito moral de ser respeitado, uma espécie de direito negativo, o que quer dizer um direito de um que implica necessariamente no dever de outro abster-se de certas ações, em consideração àquele. Direitos positivos, por outro lado, implicam no dever de um agir em benefício de outro.

Na condição de sujeitos de  direitos morais temos os dois direitos: o de sermos beneficiados pela ação alheia e o de não sermos prejudicados por ela. A comunidade moral é formada justamente por aqueles que são capazes de fruir e de sofrer ações alheias. Na moral tradicional, no entanto, considera-se que apenas os seres humanos são membros da comunidade moral, pois somente eles podem entender o que significa ter deveres morais positivos e  negativos em relação a outros.

O problema é que nessa perspectiva tradicional temos de excluir da agência moral os próprios seres humanos. Todos, ao nascerem, são absolutamente inaptos para compreenderem qualquer conceito de dever positivo e negativo, o que já lhes faculta o estatuto de não-agente moral. Com o desenvolvimento da capacidade de raciocinar a partir de princípios éticos, o ser humano passa então a poder compreender que suas ações podem ser benéficas e maléficas aos interesses alheios. Quando essa capacidade sofre alguma atrofia ou embota, voltamos a não ser capazes de distinguir se o que fazemos é benéfico ou maléfico para quem nos rodeia. A agência moral, capacidade que indica consciência do bem e do mal e disposição de agir com vistas a buscar o bem daqueles que podem ser afetados pela ação, é uma condição do ser humano adulto capaz de raciocínio ético.

Por outro lado, a paciência moral é a condição na qual se encontra todo e qualquer ser capaz de sofrer o dano, o mal e a morte pela ação de um agente moral. Nessa condição encontram-se todos os humanos submetidos ao mando, às decisões e ações de qualquer agente moral. Para além dos humanos, outros seres capazes de sofrer dano em decorrência das ações dos agentes morais encontram-se na condição de pacientes morais: animais, plantas, ecossistemas naturais e comunidades bióticas. Segundo a moral tradicional, animais, plantas, ecossistemas naturais e objetos naturais não-vivos são diferentes dos agentes morais, e essa é a razão pela qual esses não têm deveres morais diretos, nem  positivos nem negativos, de respeito àqueles.

O conceito da  diferença estabelece uma ruptura entre os seres dignos e os indignos de consideração e apreço morais. O erro da moral tradicional pode ser  corrigido se, em vez de operarmos com o conceito de diferença, que  já nos levou a equívocos na luta contra o racismo, o machismo e a homofobia, para citar apenas algumas formas de preconceito cultivadas por nossa moralidade, operarmos com o conceito de singularidade.

Nessa perspectiva, cada ser vivo passa a ser considerado digno de respeito moral, não por ser igual, semelhante, ou por tolerarmos sua diferença, mas por ser um recorte único, por existir numa condição que não se repetirá jamais, portanto, singular. A destruição da vida implica, então, a morte dessa expressão singular de uma forma de existir que não pode ser compensada nem substituída por outra. Se é difícil raciocinar pensando, por exemplo, que os animais são iguais aos humanos, ou, ainda, que, as plantas são iguais aos animais, quando o que percebemos é sua diferença, não o é pensarmos que, apesar de sua diferença, cada espécie de vida possui uma singularidade por meio da qual se pode reconhecer que viver, para aquele que possui o conatus, isto é, empenha-se em manter-se vivo, quer tenha consciência de si, ou não, é valioso.

Preservar a vida dos outros, ao mesmo tempo em que concluímos pelo imenso valor que tem, para nós, a nossa própria vida, é dever positivo direto que todo  agente moral deve assumir, para não perder sua coerência ética.

Fonte: ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais


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