Ética e radicalidade

Quando dizemos que uma pessoa é ética, via de regra, pensamos que ela tem firmeza em seu caráter e, sobretudo, que procura avaliar cada uma de suas ações antes de as praticar, com vistas a evitar que possam prejudicar, causar dor ou destruir a vida alheia. Se essa firmeza de caráter for genuína, a pessoa evitará fazer mal a outros em todas as suas ações. Isso requer uma vontade bem esclarecida e domínio dos impulsos e desejos imediatos, em nome da realização de fins e propósitos duradouros e de valor moral.

Dizer ou pensar que alguém é ético é um elogio moral imenso. Raramente temos a oportunidade de o fazer. Mas, ainda assim, em cada um dos veganos há um desejo sincero de conduzir sua existência de forma ética. Para tal propósito, é preciso primeiro identificar o princípio moral mais abrangente possível, visto que as ações a serem regidas por ele não estão confinadas a apenas um dos aspectos de sua vida cotidiana, mas a todos eles: do comer ao vestir-se, do consumir ao divertir-se.

Veganos decidem colocar seus impulsos comedores, consumidores e divertidores sob domínio de um princípio ético, quer dizer, de um princípio abrangente e preservador de um valor moral universal, o princípio da não violência contra quaisquer formas de vida senciente. Veganos têm uma tarefa árdua à sua espera, não apenas na hora do almoço ou do lanche, quando se veem obrigados a escolher a comida a partir dos ingredientes com os quais foi preparada, eliminando a hipótese de consumo do que tem origem em animais, vivos ou mortos. Para além de se tornarem outra vez “caçadores” de sua comida na selva urbana dos restaurantes self service, os que decidem nutrir-se sem qualquer componente de origem animal enfrentam outra batalha: descaso, ironia, sarcasmo e hostilidade de quem se alimenta seguindo religiosamente os padrões da cozinha ditados pelos interesses do agronegócio. Quem “desassina” o contrato que interessa apenas ao agronegócio passa alguma fome em meio à orgia alimentar construída pelo padrão “calorético” disseminado pelos defensores da “proteína animal” e também por emoções fortes, ao ser tachado de “radical”.

Mal o sabem, os que acusam os veganos de “radicalismo”, que na maior parte dos casos, quando se trata de viver de acordo com a ética, não há como fazê-lo a não ser de modo radical, quer dizer, indo à raiz das ações maléficas e malévolas e erradicando-as de sua existência. Nesse sentido, para orientar toda e qualquer decisão que envolve o risco de causar dano a qualquer ser senciente, evitando que tal dano, dor ou morte aconteçam, é preciso ter radicalidade, tanto na percepção do alcance da postura ética, quanto na vontade de guiar as ações no sentido de jamais ferir o princípio da não violência. Viver já é “muito perigoso” (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas). A existência de um ser humano jamais deveria representar mais perigo ainda para outras vidas do que os inerentes à condição de quem nasce. Por isso, quando onívoros (os que comem de tudo sem qualquer preocupação com a ética em sua dieta) acusam os veganos de radicais, estão apenas cutucando-os para provocar neles reações emocionais desagradáveis, pois, em nosso país, ser radical passou a ser um defeito moral, desde os tempos da ditadura.

Precisamos recuperar a radicalidade moral. Precisamos orientar nossa vontade por um princípio que não deixe dúvidas sobre seu valor abrangente e imperecível. O princípio da não violência (ahimsa para os hindus e tibetanos) nos dá a chance de traçarmos nossa biografia de modo radical, justamente para evitar que ao final dela sejamos queimados na pira dos cadáveres que nossa dieta impensada produz, ao consumirmos produtos que resultam do sofrimento e morte dos animais. Não há como ser ético sem seguir radicalmente um princípio moral.

Fonte: ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais


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