Falta comida no mundo? Como assim?

Por Sônia T. Felipe 

Para facilitar a leitura, todos os números foram arredondados. Estatísticas da EMBRAPA e do SEBRAE 2008-2009 apontam um total de 754 bilhões de litros de leite extraídos de vacas ao redor do mundo. Por continente, essa estatística se distribui assim: África 29 bilhões de litros, América 340 bilhões de litros, Ásia 150 bilhões de litros, Europa 208 bilhões de litros e Oceania 25 bilhões de litros. (Os dois bilhões que não fecham na somatória são por conta do arredondamento que fiz, para menos.)

Esse número de 754 bilhões de litros de leite extraído de fêmeas bovinas não nos diz nada, quando apresentado sem qualquer associação. Por isso, vou puxar o véu que encobre a realidade desse líquido, consumido em sua forma natural, ou solidificada.

Não importa agora e para efeito desse texto a forma pela qual o leite de vaca é consumido por humanos. Quero mostrar o que ele custa e todos os produtores omitem em sua propaganda de laticínios, em termos de comida e de água e o que deixa como comprovante dessa água e comida toda dadas às vacas para disparar a secreção de suas glândulas mamárias: excrementos.

Para cada litro de leite tirado de uma vaca, consumido líquido ou em outros formatos mais pastosos, é preciso forçá-la a ingerir ½ kg de alimento sólido e 2 kg de forragens. Para isso é preciso cultivar os grãos e cereais e as gramíneas ou similares que compõem a ração delas.
Cada litro de leite tirado de uma vaca consome, para hidratar o corpo dela, 8,5 litros de água potável.

Um kg de leite tem um volume próximo, embora não exatamente igual ao de um litro de leite e a diferença também vai depender da porcentagem sólida do leite, que varia de vaca para vaca e de raça para raça, além de o volume alterar-se com as temperaturas mais altas ou mais baixas. Estou traduzindo as coisas em uma linguagem acessível para quem não estuda o assunto.

A África extraiu das vacas uns 29 bilhões de litros de leite, em 2008-2009. Se, para cada litro de leite extraído a vaca teve que ingerir 2,5 kg de comida, a comida que os africanos fizeram as vacas comer somou 72,5 bilhões de kg. Se dividirmos esses 72,5 bilhões de kg por 365 dias, temos uns 200 milhões de kg de alimentos devastados do planeta, por dia, somente na África, para que a extração do leite bovino alcance esse nível, aliás, o continente que menos devasta alimentos no planeta, quando se compara o número de habitantes e o volume da extração do leite bovino.
A África tem praticamente o mesmo número de habitantes da América e extrai apenas um duodécimo do que o faz a América, portanto, devasta muito menos alimentos do que essa.

Quando falo do alimento devastado não estou pensando que os humanos devessem receber a ração dada às vacas, obviamente. Estou pensando na área do planeta usada para plantar grãos, cereais e forragens para as vacas. Se não usássemos o leite das vacas em nossa dieta, só na África quase 200 milhões de kg de alimentos por dia poderiam ser cultivados naquelas áreas hoje destinadas ao cultivo de alimento para as vacas, para dar de comer aos africanos. Sobraria alimento para nutrir um quinto da população africana diariamente com 1 kg de comida para cada indivíduo.
A Ásia, que tem praticamente a mesma população da América, da Europa e da África, somadas, extraiu em 2008-2009 o total de 150 bilhões de litros de leite, que devastaram 375 bilhões de kg de alimentos dados às vacas. Dividido esse número por 365, temos arredondados 1 bilhão de kg de comida que desaparece todos os dias do planeta para o estômago das vacas usadas para extração de leite na Ásia. O total da população nesse continente é de mais ou menos 3 bilhões de humanos.

Se déssemos a comida dada às vacas para os humanos que vivem na Ásia, 1 bilhão de pessoas poderiam ter 1 kg de alimentos a mais todos os dias em sua mesa.

A Oceania (Nova Zelândia e Austrália) extrai das vacas 25 bilhões de kg de leite ao ano. Para extrair esse leite é preciso dar sumiço em 62 bilhões de kg de comida, o que representa 170 milhões de kg de comida cada dia, tiradas da mesa dos humanos para suprir as necessidades metabólicas e calóricas das vacas usadas para extração de leite. Se distribuíssemos essas toneladas todos os dias entre os humanos, 170 milhões poderiam ter 1 kg a mais de comida em seus pratos.

A Europa, com uma população humana beirando 1 bilhão, extrai de vacas 208 bilhões de kg de leite por ano, dando sumiço em 530 bilhões de kg de comida, o que representa 1,5 bilhão de kg de alimentos por dia.

Finalmente, a América, continente número um em extração de leite de vacas, apresenta a cifra de 340 bilhões de litros de leite extraídos por ano, devastando então pelo menos 850 bilhões de kg de alimentos dados às vacas, o que representa mais de 2 bilhões de kg de alimentos por dia. O Brasil extraiu 29 bilhões de litros de leite naquele ano, devastando 72,5 bilhões de kg de alimentos dados às vacas, o que representa 198 milhões de kg de alimentos por dia. Temos uma população que beira 200 milhões de humanos. Daria 1 kg a mais per capita, se alimentos que foram destinados às vacas, cujo cultivo ocupou áreas que poderiam ter sido cultivadas com alimentos para humanos, fossem destinados a humanos.
Por alto e arredondando, para facilitar a compreensão geral, temos então: 2 bilhões de kg de alimentos devastados pelo consumo de leite nas Américas, 1,5 bilhão de kg na Europa, 170 milhões de kg na Oceania, 1 bilhão de kg na Ásia e 200 milhões de kg na África, por dia! Total quase 5 bilhões de kg de alimentos devastados do planeta para o estômago das vacas por conta da extração e do consumo de leite no mundo, por dia.
Isso representa uns 700 g de comida diária que poderiam ser dados a cada indivíduo humano ao redor do mundo. Considerando-se que 5 bilhões de humanos não necessitam de mais calorias e sim de diminuir o excesso que ora ingerem, o total de comida consumido, só pelas vacas usadas para extração do leite no mundo, supera em muito o montante necessário para alimentar outro tanto de humanos, se sua dieta fosse vegana.
Como se pode ver, não existe falta de comida no mundo. Não existe necessidade de derrubar matas para plantar mais grãos e cereais para alimentar animais que convertem pessimamente a proteína recebida em proteína a ser extraída de suas carnes e leites. Só falei do leite. Não citei as carnes. Não contabilizei o montante de comida devastada do mundo por conta da produção de churrascos, bifes, assados, linguiças, presuntos, ovos, couros, lãs, peles etc…

E ainda temos que aguentar ouvir biólogos dizerem que se todos fôssemos veganos não haveria mais florestas no mundo, porque os humanos comeriam mais grãos e cereais e isso implicaria em ter que cultivar mais terras! Não, senhor biólogo desinformado. Hoje o planeta está sendo levado à exaustão por conta do cultivo de grãos e cereais que viram ração de vacas, que devolvem no leite apenas 22% de toda proteína que ingeriram, fazendo uma in(con)versão proteica da ordem de 1/5. Um autêntico desperdício de alimentos.

Se todas as áreas hoje detonadas com os cultivos destinados a alimentar animais fossem usadas para cultivar alimentos para os humanos poderíamos ter uma população de 12 bilhões de humanos veganos sem problema algum. Os problemas ocorrem por conta da dieta animalizada à qual os 3 bilhões de humanos vivendo na América, na Europa e em partes da Ásia, África e Oceania são forçados.

Se todos virassem veganos, o planeta respiraria aliviado, pois ele não aguenta mais tanta urina e excremento expelidos por essas mesmas vacas, para não falar do gás metano, da ordem de 100 a 300 litros diários emitidos por vaca para a atmosfera, repelindo o ozônio que nos protege dos raios letais do sol. O rebanho mundial de vacas ativas está em torno de 250 milhões de cabeças. Multipliquem o gás metano emitido por arrotos e pelo ânus dessas vacas para a atmosfera. O rebanho feminino bovino brasileiro, usado para extração do leite, representa uns 10% desse rebanho mundial, algo em torno de 23 milhões de cabeças, segundo os dados do IBGE de 2009.

Querem saber o montante de excremento diário expelido pelo leite tão puro e branquinho? Calcule o total das bilhões de toneladas diárias apresentadas nos parágrafos anteriores e some 8,5 litros de água para cada litro de leite extraído. Urina de vacas. Urina e excrementos não saem do nada. Resultam da imensidão de comida e água que as vacas são forçadas a ingerir para aguentarem a exploração e extração de dezenas de litros de leite de seus maltratados úberes. Se alguém aguentou ler até o final e quiser mais detalhes, leia Galactolatria: mau deleite. Para isso esse livro foi escrito. Está na hora de perdermos a inocência em relação ao que comemos.


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