Leis da física vs. princípios éticos

Sem lei alguma, o reino é do caos [do grego cháos]. Caos não significa simplesmente desordem, embora seja comum usar o termo para dizer isso, pois este conceito, o de desordem, pressupõe uma ordem qualquer, ora alterada ou mesmo destruída. Caos, simplesmente, significa aquilo no qual a lei entra para dar um configuração ainda não existente.

A ciência da física dedica-se ao estudo das leis que, ao entrarem na matéria original não delineada, permitem que essa matéria forme espaços, dando mais tempo aqui, menos tempo ali, átimos de tempo acolá. Esse é o mundo físico que nos rodeia. O mundo da matéria da qual nosso organismo é constituído. Sem o compasso do tempo, essa matéria seria apenas um amontoado orgânico, sem funções próprias, servindo apenas de pasto para a fermentação bacteriana e a reprodução de suas colônias.

Na vida diária obedecemos às leis da física antes mesmo de termos ouvido as palavras “física” e “leis”, de termos compreendido o que significam, ou de termos ido à escola.

Obedecemos às leis da física desde o dia do nascimento, quando nos põem na posição correta para mamar. Se errarem a posição, nos afogamos no leite materno. Depois, quando o início da digestão desse leite exige que o ar parado no estômago saia para que o leite possa aí repousar, nos põem outra vez na posição vertical, porque o ar, sendo mais leve do que a matéria orgânica do leite, e em menor quantidade do que ela, tende a subir, saindo de volta pelo orifício superior do nosso sistema digestório. Assim a vida se garante: obedecendo as leis mais simples da física, as mais básicas.

Acontece que, se não as obedecermos, sofremos danos. Se, em vez de apoiar bem a planta dos pés no solo, o bebê inventa de atirar-se para a frente, ele cai e machuca o rosto, quebra um braço, o nariz. O mesmo sucederá para o resto da vida: cada vez que desobedecer a uma lei da física, o animal, humano ou de outra espécie, sofrerá um dano.

A vida não tem prosseguimento na desobediência às leis que mudaram a matéria caótica e a tornaram cósmica ou orgânica, dando a ela um destino, uma função, uma tarefa. Uma vez assim ordenada, para continuar a existir, aquelas leis que a forjaram precisam ser respeitadas. Se não o forem, quem as desobedece sofre um dano.

Analogamente ao que ocorre na física, o mundo dos valores éticos, daquilo que é sagrado e não deve ser destruído, também tem suas leis. Elas põem ordem no caos dos desejos, dos impulsos, das fantasias, da imaginação, tornando-o um espaço sagrado, o espaço do simbólico no qual podemos projetar o desenho daquilo que gostaríamos que representasse para nós mesmos e para o outro a essência do nosso ser.

Para que a natureza sagrada do ser humano não se perca no ritmo dos impulsos iniciados pelo movimento da matéria orgânica, é preciso que o sujeito ordene suas ações de acordo com princípios éticos. Eles não podem inverter a posição dos valores, colocando o que é fundamental no lugar do que é instrumental.

Viver a vida seguindo o modo próprio da espécie na qual nascemos, sem trairmos essa espécie e sem a atrofiar, esse é um valor sagrado, em todas as espécies de vida. Se isso for sacrificado em nome de outro valor qualquer, por exemplo, o acúmulo de bens, o ritmo frenético de consumo, a busca incessante por prazeres fugazes, aquele valor sagrado da vida se dilui e se confunde com o que é meramente instrumental.

Precisamos de leis para traçar o desenho do nosso caráter, tanto quanto precisamos de leis para forjar o desenho do nosso corpo e o configurar plenamente, com todos os tecidos, órgãos, sistemas e células. Sem ética nos perdemos nesse emaranhado da fisiologia e anatomia animais.

Bem, se precisamos igualmente, tanto das leis da física orgânica e inorgânica, quanto de princípios éticos, por que obedecemos as leis da física mas pisamos na ética?

Conforme escrito acima, se desobedecemos as leis que regem a plasticidade da matéria que forma nosso corpo, nos machucamos, destruímos nossos tecidos e membros. Sair da casa pela janela do quarto, caminhando, a partir do segundo andar, é um bom exemplo de desobediência às leis da física. Desse modo, tendemos a obedecer a tudo o que nos traz alguma vantagem imediata, tudo o que nos propicia prazer imediato. Nossa natureza hedonista nos leva a isso, sem que tenhamos tomado qualquer decisão. Também fomos treinados, desde bebês, para aprender a obedecer as leis fundamentais que regem a posição de um corpo em movimento no espaço.

Entretanto, quando falo de ética, tenho que escrever tratados para que as pessoas possam entender que também devem obedecer seus princípios. Por quê? Porque não fomos treinados para seguir leis, normas ou princípios éticos. Geralmente os pais pensam em proteger o bebê, a criança, o adolescente, das dores que ele possa provocar em si mesmo desobedecendo as leis da física, da química. Pensam que assim ele aprenderá também que não deve desrespeitar os princípios éticos. Mas, entre um aprendizado e o outro há um precipício, não apenas prático, mas também neuro-neural.

A área do nosso cérebro responsável pelo aprendizado das lições do movimento no espaço não é a mesma responsável pelo aprendizado da moralidade, isto é, do movimento em meio a valores sagrados que não podem ser pisados, sob pena de a espécie humana perder sua essência e tornar-se mais uma espécie animal, sem qualquer design moral.

Quando desrespeitamos as leis da física nos machucamos. Quando não respeitamos limites ao agir, e agimos como se nosso corpo, nossos impulsos, nossos desejos fossem indomáveis e estivessem acima do valor do corpo dos outros, dos desejos dos outros, das necessidades dos outros, não sentimos nada errado, nenhuma dor, nenhuma fratura, nenhuma lesão.

Por isso, continuamos a fazer mal a eles, porque quem sente o dano não somos nós. Esta é a razão pela qual parece tão natural obedecer as leis da física, e tão difícil agir com ética: porque o resultado da desobediência às leis naturais se volta imediatamente contra nossos interesses. Ao contrário, pelo menos a curto ou médio prazo, quando desobedecemos aos princípios da ética, o mal não se volta imediatamente contra nós, porque nós o projetamos sobre aqueles que sofrem os desdobramentos de nossas ações.

Quem sente o mal da desobediência das leis físicas somos nós. Quem sofre o mal da nossa desobediência das leis éticas são os outros. Aqui está a diferença entre violar as leis da natureza e violar a ética.

Quando agimos de modo ético, o bem que fazemos afeta os outros. Quando agimos de modo não ético, o mal que fazemos afeta os outros. No primeiro caso, nosso interesse pessoal não está em pauta. No segundo, nós o protegemos acima de tudo. Por isso tem sido tão fácil para toda gente, ser anti-ético em relação aos demais animais.

O mal que fazemos aos animais e a outros humanos não se volta, pelo menos não imediatamente, contra nós. São eles quem sofrem os danos, a tortura, a crueldade do aprisionamento, dos ferimentos, do empilhamento, da falta de ar puro, da comida processada e cheia de fungos, da privação do alimento que seria próprio de sua natureza. A dor que causamos a eles não é sentida por nós. Desobedecemos a todas as leis da física que regem seus organismos, ao privá-los do movimento, do sol, do ar puro, da terra, da grama e das interações sociais e amorosas que teriam feito sua vida ser plena, caso não houvessem sido forçados a nascer confinados.

Ao fazermos tudo isso, desobedecemos a todos os princípios da ética. Mas, o mal que a desobediência a esses princípios causa, não é sentido por nós, e sim por eles. Por isso, seguimos em frente, cuidando, é claro, em cada esquina que cruza uma preferencial, para não enfiar nosso carro debaixo de outro que a estiver usando. Não atentar para isso feriria uma lei básica da física: se dois corpos forem jogados no mesmo espaço ao mesmo tempo, dependendo da massa de um e do outro e da velocidade do deslocamento, pode ocorrer que as massas orgânicas e inorgânicas envolvidas sejam comprimidas num amontoado onde nada mais fará qualquer sentido ou terá qualquer valor. Danos totais.

Não percebemos ainda que fazer o mesmo contra os outros causa danos morais totais. Damos a preferencial, obedecendo sem hesitar as leis da física. Entretanto, pisoteamos os princípios éticos, pois desse massacre resulta prejuízos imediatos e diretos apenas para os outros. Assim pensamos. Perdemos, no entanto, nossa essência sagrada. Mas nem toda gente já desenvolveu a sensibilidade para a sacralidade da própria essência.

Fonte: ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais


{article 105}{text}{/article}

Olhar Animal – www.olharanimal.org


Os comentários abaixo não expressam a opinião da ONG Olhar Animal e são de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *