O poder galactífero ao redor do mundo

Curso de Extensão

Implicações éticas, ambientais e nutricionais do consumo de leite bovino – uma abordagem crítica

Sinopse da Sexta Sessão – Malefícios do leite bovino para a saúde humana – Parte 2

Na sessão passada completamos a abordagem dos malefícios do leite bovino para a saúde humana, tanto pelo excesso de cálcio, quanto pelo de proteínas, gorduras e açúcar. Também foi tratada a questão dos riscos para a saúde humana, de leite e laticínios carregados de patógenos que não são eliminados por qualquer processo de pasteurização, esterilização ou homogeneização do leite. Na sessão de hoje trataremos do poder econômico e da devastação ambiental e alimentar produzida pela extração do leite bovino ao redor do mundo.

O poder galactífero ao redor do mundo

Sétima Sessão – 21/06/13 – Auditório do Centro de Ciências da Educação- UFSC

Dr. phil. Sônia T. Felipe

Propaganda e enfrentamento: a máscara do leite

De onde vem o dinheiro investido em propaganda para induzir os comedores ao consumo de leite e laticínios? Nos Estados Unidos, para cada 50 kg de leite vendidos, o produtor tem que pagar 15 centavos ao Dairy Marketing Board [Conselho de Propaganda de Laticínios][Cf. Felipe, Galactolatria, p.193]. Mais uma vez, voltemos ao cálculo usando os dados publicados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, relativos ao ano de 2008. Nos Estados Unidos, foram produzidos 86.178.896.000 kg de leite.

Segundo Guilherme Nunes, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, o “leite é medido em quilogramas, não em litros, para que haja maior precisão na hora de o produtor receber pela produção do seu rebanho. Em condições normais de temperatura e pressão, um litro de água destilada equivale a um quilograma. De acordo com Nunes, a parte do leite composta por sólidos influencia seu peso, tornando-o mais pesado que a água. A Instrução Normativa 51 estabelece que um mililitro de leite à temperatura de 15 ºC pode variar de 1,028 a 1,034 gramas. Dessa forma, um litro de leite possui entre 1,028 a 1,034 quilos. Assim, se considerarmos o valor de densidade mínimo (1,028) para 40 kg de leite teremos 38,91 litros. Considerando o valor máximo (1,034) para os mesmos 40 kg teremos 38,68 litros de leite. Nunes lembra ainda que o teor de sólidos varia de acordo com a raça, o manejo nutricional e o período da lactação. Vacas da raça Jersey, por exemplo, secretam maior teor de sólidos no leite, comparadas às vacas da raça holandesa.” [<http://www.intermaq.com.br/voce_sabia_ver.php?id=2>, publicado em 15/11/10, acessado pela autora em 25/12/12. Grata a Rodrigo Machado, leitor de Galactolatria: mau deleite, pelo envio desse link].

Voltemos então à questão do poder da propaganda medicinal do leite. Para cada 50 kg de leite extraído e vendido nos Estados Unidos o produtor desembolsa 15 centavos para financiar campanhas induzindo a população a consumir mais e mais leite. Isso soma anualmente US$ 258 milhões de taxas coletadas, só para fazer propaganda do leite. Dá para convencer bastante gente de que consumir leite e derivados faz bem para a saúde, não? E dá para manter toda essa gente a olhar apenas para os médicos, nutricionistas e artistas famosos pagos com essa grana toda para fazer a propaganda laticínica, não? Assim se forma o ponto moral cego do galactômano. Não é de se esperar que ele tenha forças para enfrentar sozinho o poder do leite, a galactocracia, ou para desconfiar que o estão apenas fazendo tornar-se um galactômano, escondendo dele o que escorre no leite.

Por outro lado, quando vemos os dados relativos ao gasto do governo norte-americano para subsidiar a indústria de laticínios, entendemos por que se investe tanto em propaganda para levar os cidadãos a consumirem um produto que causa tantos males crônicos e agudos, a eles, às vacas e ao planeta.

Nos Estados Unidos, caso o leite produzido não seja consumido pelos cidadãos, o governo compra o excedente. Em 1991, de acordo com o Consumers Reports [Relatórios do Consumidor], “o governo norte-americano gastou 757 milhões de dólares comprando o excedente de leite”. Dez anos depois, um projeto de lei do senado daquele país “instituiu um bônus no valor de 2 bilhões de dólares para subsidiar a produção do leite. Em 2009, o Congresso adicionou mais 350 milhões de dólares sobre 1 bilhão de dólares pagos naquele ano” aos produtores, para apoiar o sistema leiteiro [Cf. Felipe, Galactolatria, p.194].

O Brasil, que produz mais de 28 milhões de toneladas de leite por ano, movimenta na área veterinária valores também anuais da ordem de mais de R$ 20 bilhões. Se forem mantidos os valores dos cálculos em reais, os Estados Unidos, com sua produção de 86 milhões de toneladas de leite, movimentam o que equivaleria a mais de R$ 60 bilhões, ou mais de 30 bilhões de dólares por ano. Os impostos que o governo norte-americano coleta com tal movimentação financeira repõem os gastos com os subsídios aos laticínios. Por isso, o próprio governo acaba por ser o maior garoto-propaganda do consumo de leite e laticínios, pois tem nessa produção uma poderosa fonte de coleta de impostos.

Mas cigarros e bebidas alcoólicas também rendem aos governos uma gorda coleta de impostos. Não esperemos, portanto, que sejam os governos a nos proteger de bebidas e alimentos cancerígenos, causadores de doenças cardíacas, diabetes, artrite etc., quando a arrecadação com a produção, comercialização e aquisição desses alimentos e bebidas, incluindo o leite, garante a eles os cofres cheios. Isso vale para todos os governos ao redor do planeta, não apenas para o nosso, ou o estadunidense.

Artistas famosos de Hollywood, entre eles, Spike Lee, posam com bigode de espuma de leite, estimulando seus concidadãos a tomarem mais de dois litros de leite por dia [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 194], mesmo que descendam de africanos, asiáticos, indígenas, tailandeses, chineses ou de árabes e não produzam mais a enzima lactase que permite quebrar as duas moléculas de açúcar da lactose (glicose e galactose) para que seja digerida e transformada em energia no interior das células.

Conforme visto nas sessões anteriores, de cada 100 afrodescendentes, pelo menos 70 são intolerantes ao leite. Somente nos Estados Unidos a estimativa aponta para 50 milhões de pessoas sem lactase, enzima sem a qual a digestão do leite e laticínios não pode ser levada a efeito de modo apropriado pelo organismo humano, resultando em doenças crônicas e agudas que podem ser curadas com a abstenção definitiva de leite e laticínios [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 194], conforme vimos nas sessões cinco e seis.

Os mais de US$ 700 milhões diários, arrecadados dos produtores de leite para sustentar a galactolatria através da propaganda que estimula o consumo de produtos lácteos, obviamente, não são destinados a esclarecer à população que a maior parte dos humanos com ascendência indígena, africana, asiática, árabe, judaica, e boa parte dos descendentes de italianos, portugueses e espanhóis, para citar apenas as origens mais comuns da população norte-americana e também da brasileira, deixa de produzir a lactase por volta dos quatro anos de idade e a partir daí começa a sofrer tudo que é tipo de doença, das inflamações de ouvido a sinusites, cistites, asma, até o diabetes Tipo 1, e a formar placas no interior das artérias, em consequência da má digestão ou da indigestão do açúcar, da gordura e das proteínas do leite.

As conclusões não deixam dúvida quanto ao malefício do leite bovino para a saúde da maioria dos humanos, considerando-se todas as populações ao redor do planeta, não apenas as que descendem dos poucos grupos genéticos com resistência para digerir o leite. Mas a força do dinheiro que cobre o marketing de laticínios não permite que o cidadão tome ciência do quanto restringe sua saúde e longevidade ao sentar-se à mesa servida com alimentos derivados do leite bovino. Obviamente, o dinheiro coletado para disseminar a propaganda do leite também não é usado para conscientizar a população sobre o sofrimento animal embutido no leite e derivados, menos ainda sobre a devastação ambiental que a produção de leite e laticínios acarreta.

Quem já brincou de esconde-esconde pode imaginar-se de olhos bem vendados na condição de galactômano, manipulado pela galactocracia que domina o mercado alimentar. Usando a metáfora de O Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, podemos imaginar o consumo de laticínios como um costume seguido por todos, numa espécie de cegueira que nos atinge e contagia, levando-nos a passar por experiências dolorosas, até que sejam restabelecidas nossa autonomia mental e moral na questão da dieta.

Propaganda enganosa sobre os benefícios e omissão sobre os malefícios do leite para a saúde humana cerceiam a mente dos consumidores. Praticamente, todas as pessoas professam a crença de que uma alimentação sem ingredientes laticínicos não consegue prover o organismo humano de todos os nutrientes necessários. Uma falsa crença. De onde ela veio? Da Propaganda medicinal feita do leite nos últimos quarenta a cinquenta anos. O cálcio, entre outros ingredientes do leite, é o mineral usado para justificar o bombeamento do leite e de produtos derivados dele para dentro do corpo humano.

Mas quantas pessoas sabem que apenas 25% do cálcio do leite pode ser absorvido convenientemente pelo organismo humano, enquanto o cálcio do suco de maçã tem 42% de absorção? [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 196].

Quando a população levada a consumir leite ascende de etnias africanas, não importa se nascem aqui ou lá, até 85% pode apresentar distúrbios digestórios (inchaço abdominal, cólicas intestinais, diarreias por intolerância à lactose), segundo estudos citados pelo pediatra Frank Oski. E, para não deixar margens a interpretações limitadas, os problemas gerados pela ingestão humana do leite bovino não se restringem aos causados pela lactose, conforme vimos nas sessões anteriores.

Nos distúrbios neurocomportamentais, a caseína exerce papel protagonista, enquanto a lactose fica no de coadjuvante. O leite produz reações diversas no organismo humano. Essas podem ir da intolerância à lactose, à alergia às proteínas, especialmente à caseína. O preço torna-se muito alto para justificar seu consumo apenas com o argumento de que ele contém bastante cálcio. É fato que ele contém bastante cálcio. É fato também que esse tanto de cálcio que ele contém não pode ser aproveitado pelo organismo humano de modo saudável, conforme visto nas sessões cinco e seis.

Também é fato que a carência de cálcio na infância pode ser causa de anomalias na formação óssea. Mas as populações da Ásia, África e América do Sul, não induzidas por milhares de anos pela propaganda norte-americana, à ingestão do leite, apresentam boa formação óssea. Então, a conclusão que deveria ser tirada é a de que, embora o cálcio seja necessário, seu suprimento pode ser feito perfeitamente com alimentos de origem vegetal: cereais integrais, leguminosas, sementes e folhas verdes, para citar algumas fontes dele, conhecidas de todos. Nos países africanos e nos grupos afroamericanos que não consomem ou consomem pouquíssimo leite bovino, o amolecimento dos ossos ou osteoporose é menor do que nos caucasianos nórdicos, consumidores de grande quantidade de leite e derivados.

O médico Alexander Walker, do Instituto de Pesquisas Médicas da África do Sul, levando em conta os resultados dos estudos sobre a densidade óssea nas populações da África e da América do Norte, conclui: “Não há evidência firme de que exista deficiência de cálcio em humanos”.[Apud Felipe, Galactolatria, p. 196]. Uma conclusão dessas libera, então, outra: não há necessidade alguma de ingestão de leite bovino ou de laticínios para prevenir a osteoporose em humanos, embora os bezerros precisem consumir o leite de sua espécie para prevenir a má formação óssea. Em relação aos humanos, as pesquisas apontam para o fato de que, quanto mais leite uma pessoa toma, mais risco ela corre de vir a sofrer de osteoporose e fraturas decorrentes dela.

Vimos, nas sessões anteriores, que, para ser bem absorvido, o cálcio precisa de magnésio. Por isso, quanto mais cálcio sem magnésio associado, esse é o caso do leite de vaca, maior o dano à saúde humana. Menos cálcio, mas combinado com a quantidade adequada de magnésio e fósforo, tende a resultar em melhor absorção, ou o que se conhece por biodisponibilidade. A conclusão de Oski não deixa dúvida: “Quando o cálcio é ingerido numa quantidade reduzida, aparentemente uma quantidade maior é absorvida, numa tentativa de suprir as necessidades.” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 197].

Enfrentando a propaganda galactólatra em seu país, Oski alimenta a esperança de que através do esclarecimento da população uma mudança nos padrões doentios da dieta possa ser realizada. Quando isso acontecer, escreve o autor, “somente os bezerros continuarão a tomar leite de vaca”, pois, na verdade, apenas eles “devem beber essa coisa”. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 197].

A propaganda ostensiva do leite bovino no território estadunidense leva os consumidores a manterem a crença de seus avós, de que o leite das vacas produzido hoje é o mesmo leite que as vacas produziam meio século atrás. As vacas tratadas com o hormônio do crescimento recombinante bovino apresentam um alto índice do IGF-I, o fator de crescimento insulínico, “o mais poderoso hormônio de crescimento natural”, excepcionalmente, um hormônio presente em ambos os grupos, bovino e humano, com a mesma função e estrutura idêntica: 70 aminoácidos na mesma sequência genética, em ambas as espécies [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 196]. O hormônio de crescimento é essencial para o crescimento dos bebês. Mas, passada a fase de crescimento inicial do organismo, nenhuma espécie mamífera continua a receber esse hormônio, pois todas cessam o fornecimento de leite a seus filhotes.

Cessado o período de lactação, o corpo do bebê começa a produzir seus próprios hormônios, dispensando a secreção hormonal fornecida pela mãe. Receber qualquer hormônio de crescimento extra, quando o corpo já é capaz de produzir hormônios para atender de forma particular sua própria demanda, é acionar o gatilho que gera males, entre eles, o câncer de mama, conforme alerta Jane Heimlich [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 197].

Os cientistas contratados pela indústria de fármacos, responsável pela invenção do hormônio de crescimento recombinante bovino, segundo Cohen, recusam-se a trabalhar com o fato de que, embora o hormônio de crescimento esteja presente no leite materno de modo salutar para o bebê, seja lá de qual espécie ele for, nenhuma espécie mamífera continua a fornecer hormônios de crescimento exógenos, através do leite, após determinado período, variável de espécie para espécie [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 198]. Em resumo, adultos mamíferos não recebem hormônios maternos depois de crescerem e renovarem os tecidos de seu corpo com os próprios hormônios, muito menos deveriam receber hormônios de fêmeas de outras espécies.

O hormônio do crescimento de tecidos, no organismo das fêmeas em lactação, atua no sentido de fazer com que aumentem os tecidos nos quais o leite é secretado pela glândula mamária. Esse aumento resulta do estímulo maior daquelas células para absorverem os nutrientes que formam a matéria primária da secreção mamária, o leite. Além disso, o fator de crescimento insulínico exerce papel fundamental no metabolismo celular e hormonal, com efeitos que não se restringem apenas à formação de uma quantidade maior de secreção hormonal. Outros tecidos do corpo também passam a reagir ao hormônio de crescimento e à voracidade nutricional celular que ele desencadeia.

Se essa é a lógica metabólica do crescimento, pode-se entender que um crescimento que foge ao ciclo temporal, no qual as células estimuladas costumam reproduzir-se, leve igualmente à formação anômala das células, pois elas recebem mais estimulante do crescimento do que são capazes de assimilar no tempo usual e passam a se reproduzir de qualquer jeito, violando os padrões do seu próprio design original. Não é a isso que chamamos de câncer? “Hormônios de crescimento”, escreve Cohen, “causam o crescimento das células. Eles iniciam ou aumentam a incidência do processo chamado celularização. Na presença de hormônios de crescimento, as células exibem aumento de atividade que pode incluir o movimento dos cromossomas para iniciar a mitose, conforme se aprende nas aulas de biologia do secundário.” [Apud, Felipe, Galactolatria, p. 199].

Pesquisas fraudulentas

Fraudes na pesquisa que envolve grandes interesses comerciais não são novidade. Quando questionados sobre o efeito maléfico dos hormônios de crescimento presentes no leite de vaca, ingerido por humanos, os cientistas fizeram testes para provar que esses hormônios eram destruídos com a pasteurização. Para que esses testes não dessem o resultado oposto ao cobrado pelos produtores de leite, os cientistas adicionaram os hormônios ao leite e então o pasteurizaram. Os hormônios aditivados ao leite foram destruídos pelo aquecimento. Mas os hormônios originais do leite não o são [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 198].

Outra fraude científica foi realizada para provar que os hormônios do leite ingerido não têm influência alguma no organismo humano: os cientistas injetaram leite em ratos. Os resultados foram negativos. Hormônios de crescimento presentes no leite bovino injetado não produzem mudanças no organismo de ratos. Teriam esses cientistas faltado à aula no dia em que a professora ensinou a diferença entre injeção e ingestão?

Quantos leitores já injetaram leite em seus músculos, debaixo de sua pele, ou mesmo na veia? Qual o valor científico e moral de uma pesquisa dessas? Se o leite é bebido, e se ele tampona o pH gástrico, relembra Cohen, os hormônios do leite resistem à digestão, pois “as moléculas de gordura do leite homogeneizado protegem os hormônios da quebra digestiva”. [Apud, Felipe, Galactolatria, p. 199]. A realidade das práticas alimentares humanas não pode ser escamoteada pela ciência, quando se pesquisa o metabolismo de digestão e absorção, assimilação e fixação de quaisquer elementos, benéficos ou maléficos, à saúde humana.

As fraudes nas pesquisas confirmam denúncias feitas por Cohen, Campbell, Keon e Robbins: não há neutralidade científica quando os negócios que envolvem os interesses das grandes firmas e marcas de alimentos estão em jogo. O mesmo ocorreu com as pesquisas para confirmar que o cigarro não causa câncer. Por mais de 70 anos, cientistas contrários ao fumo fizeram pesquisas provando que o cigarro causava câncer. Enquanto isso, nos laboratórios financiados pela indústria do tabaco, projetos de pesquisa eram levados a efeito para provar que o cigarro não causava câncer.

Para aprofundar a questão das fraudes científicas nos negócios do tabaco, sugiro a obra de Allan M. Brandt, professor de História da Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard e professor de História da Ciência, também em Harvard: The Cigarette Century: the Rise, Fall and Deadly Persistence of the Product that Defined America. New York: Basic Books, 2007, 600 p. Nessa obra, o autor revela o poder exercido pela indústria do tabaco sobre as escolhas pessoais e o papel dos médicos, usados como garotos-propaganda, com estetoscópios pendurados ao pescoço, que prescreviam o cigarro como remédio. Talvez a vítima mais famosa da medicina tobacofílica seja o rei George VI, pai da rainha Elizabeth II, da Inglaterra, que passou a fumar, por recomendação médica, para tratar-se da gagueira. Ele morreu de câncer no pulmão. Espero que o historiador Allan M. Brandt escreva obra similar sobre o leite, as fraudes nas pesquisas médicas, a compra de cientistas pelas indústrias pesadas de laticínios, a influência nefasta desse poder laticínico nos governos e a devastação ambiental, animal e da saúde humana, que a ingestão desse produto causa.

Se em nome do cigarro, que não é um alimento, os médicos e cientistas perderam a cabeça e a ética, por que não estariam agora cometendo o mesmo erro em relação aos laticínios? O poder dos cientistas enlaçados nos negócios do leite é tão grande que levou o FDA a publicar um artigo, escrito por Juskevich & Guyer, no qual apresenta oito afirmações descartando riscos do consumo humano de leite de vacas tratadas com o hormônio recombinante bovino. Cohen contesta cada uma das declarações daquele artigo. O emprego do hormônio de crescimento recombinante bovino, produzido pelo grupo formado pela Monsanto, foi autorizado pelo FDA para as vacas usadas na extração de leite. Após o haver autorizado, o FDA publicou uma advertência aos consumidores de leite, na qual foram listados os efeitos maléficos do hormônio, tanto sobre a saúde dessas vacas, quanto de humanos consumidores desse leite, conforme se pode ver na citação abaixo:

O uso do produto [refere-se ao rBST] também tem sido associado ao aumento de cistos no ovário e desordens uterinas (nas vacas) durante o período de tratamento. Vacas tratadas têm um risco maior de mastite clínica e subclínica. Em certos rebanhos, o uso foi associado ao aumento de células somáticas contadas no leite… O uso pode resultar no aumento de desordens digestórias tais quais indigestão, inchaço e diarreia. Vacas tratadas com esse produto podem ter um número mais elevado de dilatação dos jarretes e lesões nos joelhos… e, na segunda lactação, ou em vacas mais velhas, podem ter mais anomalias na região dos pés. O uso tem sido associado à redução de hemoglobina e dos níveis hematócritos durante o tratamento. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 200].

Se o hormônio for ingerido puro, ele não resiste ao processo digestório. Mas, contido no leite, devido ao efeito de tamponagem que a gordura homogeneizada do leite produz, ele passa incólume pelo sistema digestório humano e segue para a corrente sanguínea. Para escamotear a verdade, cientistas contratados pela Monsanto levaram ratos a ingerirem o rBGH puro. Sem a tamponagem que as moléculas de gordura fazem aos elementos que nelas se agrupam, o hormônio não resiste à digestão. Em sua dieta, nenhum humano ingere o hormônio de crescimento recombinante bovino rBST puro, ele é ingerido como componente do leite. A segurança alimentar dos consumidores de leite está nas mãos das empresas que pagam para que cientistas realizem esse tipo de experimentos em animais não-humanos, desenhados para que o resultado da pesquisa seja favorável aos interesses econômicos de quem os financia[Apud Felipe, Galactolatria, p. 200].

Os membros do Comitê dos Médicos por uma Medicina Responsável, presidido pelo Dr. Neal Barnard, enfrentam o poder da propaganda laticínica, ao escreverem em seu Boletim:

Em resumo, não há qualquer necessidade nutricional a ser atendida por laticínios, e há problemas graves que podem resultar da proteína, açúcar, gordura e toxinas do leite. Portanto, as seguintes recomendações são oferecidas:

1. A amamentação é o método preferencial para nutrir bebês.

2. Os pais devem ser alertados para o risco potencial do consumo de leite de vaca por seus filhos.

3. O leite de vaca não deve ser requerido nem recomendado nas diretrizes governamentais.

4. Programas de governo, tais quais os da merenda escolar, devem ser coerentes com as recomendações acima. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 201].

Por muitos anos, desde a década de 80 do século passado, fomos convencidos de que nossa dieta só estaria de acordo com os requisitos saudáveis se seguisse o padrão determinado pelo Departamento de Agricultura [USDA], a FAO e o Departamento de Serviços de Saúde Humanos [HHS] estadunidenses. A propaganda dessas instituições nos levou a crer que seu trabalho é idôneo e imparcial e que seu objetivo, de fato, é ajudar as pessoas a se alimentarem corretamente. Engano.

O Guia Nutricional para Americanos é revisto a cada cinco anos. Para essa revisão, presume-se que os cientistas mais renomados e neutros em suas pesquisas sejam convidados a participar da comissão. Somos, mais uma vez, enganados. Segundo Keon, dos onze consultores que constituíram o comitê, selecionados pelo USDA e pelo HHS, seis eram vinculados diretamente a “instituições industriais de laticínios, incluindo o Conselho do Leite, a Comissão Nacional de Promoção e Pesquisa de Laticínios e a Administração e Incorporação de Laticínios, conforme relata o Wall Street Journal, e pelo menos três deles receberam dinheiro do Conselho Nacional de Laticínios.” [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 201].

Se levamos em conta a advertência de Keon, temos uma segunda razão para olhar com suspeita as recomendações dietéticas feitas por esses conselhos: “o trabalho fundamental do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) não é encorajar o comer saudável […] mas promover os produtos agrícolas norte-americanos.” [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 201]. Em nenhum outro livro encontramos uma afirmação tão reveladora da política dietética à qual fomos submetidos nos últimos 30 anos, também no Brasil, sob influência da propaganda oficial estadunidense e dos interesses empresariais da galactocracia, também instalada no Brasil.

Vimos, ao longo deste curso, nas diversas passagens citadas e referidas, que o pediatra Frank Oski iniciou, na metade da década de 70 do século XX, a primeira campanha para que as mães não dessem leite de vaca para seus bebês nem para as crianças em qualquer idade. A atitude desse médico pode ser melhor admirada, se o colocarmos a defender sua tese perante a opinião pública daquela época, induzida por seu colega, o Dr. Benjamin Spock (sacerdote arauto da galactocracia), a crer que o leite bovino era o substituto ideal para o leite das mulheres. Seu livro, Baby and Child Care (O cuidado de bebês e crianças) foi, por décadas, o best seller da criação de bebês. Era a palavra de um pediatra, que escreveu um livro pequeno, de menos de 100 páginas, contra o leite bovino, enfrentando a do papa da nutrição de bebês e sua bíblia. Davi contra Golias. Golias venceu. Sua vitória, porém, carreava os males que hoje afligem bebês, crianças e adultos consumidores de leite bovino e os filhos daquela geração, hoje com seus 50 ou 60 anos de idade, sofrendo de aterosclerose, diabetes, hipercolesterolemia, câncer, males associados à ingestão do leite por quem não digere a lactose e a caseína com eficiência. Mas Davi continua de pé e, cada vez mais, firmemente sustentado pelas evidências epidemiológicas que os médicos e cientistas já não conseguem esconder dos consumidores.

A batalha entre as duas versões pediátricas sobre os efeitos do leite bovino na saúde humana arrastou-se por mais de três décadas, com a vitória da tese do gigante Spock e o descaso pela tese de Oski. Mas, em 1998, na última revisão que fez de seu livro, antes de morrer, Spock jogou a toalha: o leite de vaca “causa perda de sangue no intestino, alergias, indigestão e contribui para certos tipos de diabetes infantil”. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 202].

No passado, conclui Spock, o leite de vaca “sempre foi vendido muito bem como um alimento perfeito, mas agora estamos vendo que ele absolutamente, de modo algum, é um alimento perfeito, e, na verdade, o governo não deveria estar por trás de qualquer esforço para promovê-lo nesse sentido.” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 202]. O venerado pediatra retratou-se antes de sair de cena, mas seu lastro continua a exercer influência na formação de novas gerações de galactólatras ao redor do mundo. Poucos são os que se interessam pela literatura atualizada, contrária ao uso do leite de vaca como alimento de humanos.

A propaganda em favor do consumo de leite tem o seu cerne na necessidade de ingestão de cálcio, seu grande aliado. Quando pesquisas foram realizadas para confirmar a hipótese de que a ingestão de leite e suplementos de cálcio são imprescindíveis para garantir que não ocorra osteoporose, os resultados foram surpreendentes: 70% deram negativo. Para ter ossos saudáveis não é preciso consumir leite de vaca nem suplementos de cálcio. Essa é a resposta que mais de dois terços das pesquisas realizadas nos últimos anos encontrou [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 202].

Uma pesquisa com homens e mulheres idosos foi conduzida na Austrália para averiguar se o consumo maior de leite e derivados contribuía para assegurar que não ocorresse a osteoporose. Surpreendentemente, aqueles que mais consumiam esses alimentos apresentaram quase duas vezes mais risco de fraturas ósseas [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 203]. Na comunidade científica internacional, já se sabe que os países com os mais altos índices de galactomania são exatamente os que apresentam índices mais elevados de osteoporose e maior número de fraturas ósseas.

Certamente, o cálcio é um mineral fundamental para a manutenção da estrutura óssea saudável. Sua carência resulta em osteoporose. Ela responde pelo maior número de quedas e fraturas, especialmente entre as mulheres com níveis reduzidos de estrogênio. Mas, ao contrário do que a maioria das pessoas foi induzida a pensar, o aumento da ingestão do cálcio não contribui para assegurar a saúde óssea. As norte-americanas são aconselhadas a ingerir de 800 a 1.200 mg de cálcio por dia. Não é nada consolador saber que justamente aquelas que seguem à risca a prescrição oficial estão na categoria de “alto risco para fraturas ósseas”, afirma Keon [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 203], confirmando a hipótese de que “inundar” o organismo com cálcio livre acaba sendo tão ameaçador para a saúde, quanto deixá-lo à míngua.

Não é novidade ouvir de médicos, quando questionados sobre as evidências acima, responderem que o maior número de fraturas ósseas naqueles países pode dever-se ao fato de que também são países com muito gelo, onde ocorrem muitas quedas. Mas como explicar, então, que as pessoas que tomam mais leite caem mais, na neve, do que as que não tomam leite algum, ou o tomam em menor quantidade? É preciso então pesquisar se o leite também influencia o sistema de equilíbrio humano nas caminhadas sobre superfícies geladas e nevadas.

Obviamente, tal argumento não se sustenta, porque a estatística aponta que a maior parte das quedas, entre idosos, não ocorre em vias públicas, mas dentro de casa, onde, convenhamos, não há gelo ou neve para escorregar. Em segundo lugar, se o gelo e a neve são os fatores que elevam o número de quedas entre idosos, como explicar o fato de que, em países orientais, onde também neva e, principalmente, onde a ingestão de leite é baixíssima, os índices de fraturas ósseas na terceira idade sejam inferiores aos dos países onde se consome bastante leite e derivados?

A demora em fazer chegar às pessoas informações atualizadas com base nas pesquisas mais recentes sobre determinados alimentos, ícones da nutrição humana saudável, precisa ter uma explicação. Woodford, usando uma declaração de Warren Larsen, não tem dúvida em apontar a causa dessa embromação: “Há uma coisa na propaganda que você precisa entender de uma vez por todas. Você jamais faz qualquer coisa que derrube a categoria. Nada.” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 204].

O excesso de cálcio inundando o organismo humano, devido ao alto consumo de leite, não é o único problema de saúde pública decorrente do hábito de ingerir leite. Do ponto de vista nutricional, o leite pasteurizado é um produto destituído de enzimas. Segundo Edward Howell, esse tipo de alimento em nada ajuda na preservação da saúde. Ele a destrói, uma vez que a pasteurização destrói todas as enzimas do leite [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 204].

Sem a lipase, por exemplo, as moléculas de gordura não podem ser corretamente digeridas, nem assimiladas. Assim, pasteurizar e homogeneizar são duas ações que resultam na mumificação do leite. Leite pasteurizado é leite múmia. O que você bebe ou come tem aspecto de leite, assim como as múmias egípcias mantêm seu aspecto de gente, mas nem por isso são vivas. Leite pasteurizado também. Isso vale para qualquer alimento processado. Ao seu próprio modo, Schmid resume a questão nos seguintes termos: “leite […] manteiga, queijos e iogurtes […] podem parecer o mesmo e levar o mesmo nome, mas presumir que eles são os mesmos produtos do Vale de Loetschental constitui uma fraude insidiosa perpetrada contra os consumidores de alimentos industrializados.” [Schmid, Apud Felipe, Galactolatria, p. 204].

A estratégia de aliciamento de cientistas de ponta para realizarem projetos de pesquisa direcionados a resultados que consolidem os lucrativos negócios das empresas da área de alimentação foi claramente resumida em The Regulation Game: Strategic use of the Administrative Process, citado por Marion Nestle, em seu livro Food Politics [Política Alimentar]:

Essa atividade requer alguma sutileza; ela não deve ser muito ostensiva, pois os especialistas não devem perceber que perderam sua objetividade e liberdade de ação. No mínimo, uma proposta como essa reduz a ameaça de que os especialistas de ponta estejam disponíveis para testemunhar ou escrever contra os interesses das empresas reguladoras. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 204].

Quando pagos para desenvolverem projetos de pesquisa para qualquer empresa de laticínios, os melhores cientistas dessa área tornam-se, ética e juridicamente, impedidos de fazer qualquer declaração científica que viole os interesses políticos das empresas para as quais trabalham ou já trabalharam. A propaganda maciça sobre nutrientes e benefícios dos alimentos vendidos por essas empresas está, desse modo, livre para ser disseminada. Os únicos que poderiam enfrentar a propaganda e apresentar dados desmentindo os benefícios de determinado alimento para a saúde humana são exatamente os mesmos cientistas financiados pelas empresas que produzem e comercializam esses alimentos.

A quem mais o consumidor pode recorrer? Aos deputados e senadores? Mas do mesmo modo como a galactocracia alicia os cientistas de ponta, ela também financia a campanha de políticos. Restaria, por fim, o consultório médico, lugar onde julgamos encontrar orientação sensata sobre o melhor modo de prevenir doenças crônicas e curar as agudas. Mas, mesmo nesse meio, Schmid não nos dá chance de fomentar ilusões: “médicos que aceitam presentes e apoio para viagens e participação em conferências são mais propensos a prescrever as drogas daquelas companhias” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 205] que os financiam.

A indústria farmacêutica alopática é gêmea siamesa da indústria alimentar. A maior parte dos remédios vendidos, especialmente os de uso contínuo, tem usuários justamente por conta da dieta que gera os males tratados com eles. Se, conforme visto nos capítulos anteriores, as pesquisas médicas responsáveis apontam o leite como um dos alimentos mais frequentemente associados às doenças que afetam a maioria da população, aqui, na Europa e nos Estados Unidos, não é possível separar os interesses das indústrias de alimentos laticínios, dos interesses das indústrias farmacêuticas.

Direta ou indiretamente, os médicos que recebem passagens aéreas pagas para si, ou para suas esposas, para participarem de congressos no país e no exterior, acabam por perder a liberdade de se manifestar contra os interesses de seus financiadores. Desamparado, ao consumidor só resta mesmo buscar informações vitais sobre os malefícios do leite e de outros alimentos em livros publicados ao redor do mundo. Livros que não são lidos pela maioria dos médicos procurados quando se está doente, porque sua formação é para prescrever medicamentos e realizar cirurgias, não para fomentar uma virada nos hábitos culinários.

Do que foi exposto acima, Schmid conclui que não é a ciência nutricional e, sim, a política das grandes marcas alimentícias que acaba por estabelecer padrões dietéticos seguidos por toda a população. As companhias de alimentos e drogas estão em permanente campanha junto aos políticos e, por vezes, esses assumem diretamente o trabalho para que determinado alimento seja consumido por todos. Por fim, os governos passam a ditar normas dietéticas sem que os responsáveis por essas regulamentações sejam isentos de quaisquer interesses pessoais ou políticos no exercício dessa função.

Mesmo nas maiores democracias, escreve Schmid, não se debate sobre “quem deve decidir sobre quais são os melhores alimentos para a saúde humana”, ou, “quem é responsável por advertir a população sobre os riscos de consumir” certos alimentos, por exemplo, “açúcar, aditivos, óleos vegetais e leite cru?” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 206]. Se questões desse teor não são discutidas democraticamente, de onde vem a crença de que, ao comermos, exercemos, de fato, nossa “liberdade de escolha” e “autonomia prática”?

Aqui, no Brasil, pelo menos no meio acadêmico, tendemos a aceitar qualquer coisa como saudável, a partir do momento em que sua ingestão foi aprovada pela Food and Drug Administration – FDA, a equivalente, nos Estados Unidos, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, brasileira. Mas o que não se divulga por aqui é que consultores do FDA transitam dos cargos políticos do governo para os escritórios das maiores produtoras de laticínios, sem o menor constrangimento legal ou moral.

Um exemplo dessa “liberdade de ir e vir”, é o caso do Procurador Michael Taylor, que, segundo o relato de Schmid, servira como advogado do FDA e passou para uma das firmas que representa a Monsanto, “companhia gigantesca de biotecnologia e agricultura”. Quando estava em debate a aprovação do uso do hormônio de crescimento recombinante bovino rBST, inventado pela Monsanto, esse mesmo senhor, então deputado, retornou para os quadros do FDA, em 1991, como delegado para as questões políticas, justamente na comissão que aprovou o emprego do hormônio nas vacas usadas para extração de leite. No FDA, ele sofreu um processo investigativo para dirimir as questões éticas de sua atuação ambígua nas duas instituições, mas foi inocentado de qualquer acusação. Sete anos mais tarde, voltou para a Monsanto, ocupando, então, o cargo de Vice-presidente de Políticas Públicas, no qual permaneceu até 1999 [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 206].

Os produtores de certos alimentos, suínos, cereais, leite e laticínios, por exemplo, são obrigados a pagar um imposto relativo ao montante de suas vendas, para cobrir campanhas públicas destinadas a aumentar o consumo desses produtos. Esse montante, no caso do leite e derivados, supera o de todos os demais produtos, inclusive o de suínos e o de cereais [Felipe, Galactolatria, p. 202].

Não é de agora que a propaganda disseminada pela indústria de leite alcança o âmbito político-ideológico nos Estados Unidos. Os que se levantaram contra a propaganda maciça da Nestlé na promoção de fórmulas instantâneas para bebês como alimentos melhores do que o leite das mulheres foram acusados de “comunistas”. [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 207]. Nessa perspectiva, podemos enquadrar o confronto dos dois médicos pediatras, Oski e Spock, como um confronto entre comunismo e capitalismo, respectivamente. Curioso, então, é constatar que o comunismo foi reconhecido como fonte da verdade, quando Spock voltou atrás, quase na virada do milênio, para anunciar que o leite de vaca (capitalismo) não era nada favorável à saúde humana, melhor atendida com o leite da mulher (comunismo).

Esse é o quadro atual da nutrição humana. Em vez de os cientistas da nutrição nos mostrarem dados de suas investigações, sem esconder os resultados que contradizem dogmas sustentados há mais de três décadas, o que temos, particularmente no Brasil, são políticos tendenciosos, via de regra sem formação alguma, tomando decisões sobre políticas públicas nutricionais, por exemplo, as que afetam diretamente a merenda escolar. O agronegócio e o de laticínios em especial são “parceiros” de governo no fornecimento de merenda escolar. A isso Schmid chama de politicalização da nutrição. Não menos desoladora tem sido a atuação dos profissionais da saúde. Esses, escreve Schmid, via de regra,

[…] ignoram o número crescente de evidências acusando os ingredientes dos alimentos processados – óleos vegetais líquidos e hidrogenados, adoçantes refinados, farinhas refinadas, laticínios processados, conservantes e aromatizantes artificiais – os maiores contribuidores para as doenças modernas, especialmente as do coração. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 207].

Os especialistas em nutrição e saúde, os chamados experts, que dão sustentação à “eficiência” agroindustrial, “parecem não ter interesse genuíno, seja na saúde dos animais, seja na segurança e qualidade de seu leite.” [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 208]. Tendo, ou não, consciência do seu papel e do lugar que escolhem ocupar no campo da dieta humana, os especialistas tornam-se porta-vozes dos interesses das empresas produtoras e comercializadoras de alimentos, sem questionarem se os alimentos que acabam por propagandear como necessários e saudáveis contêm, de fato, a vitalidade e substâncias anunciadas.

O que escorre do leite ao redor do planeta

Segundo Uriel Antonio Superti Rotta, um levantamento feito em 2007 no setor brasileiro de laticínios indica a movimentação de 20 bilhões de reais, correspondendo a 8% do movimento do setor de alimentos no país [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 208]. A indústria de laticínios é a segunda maior indústria de alimentos do Brasil. Em 2004, as cifras alcançavam R$ 14,47 bilhões, com o processamento de 14 milhões e meio de litros de leite.

São comercializadas 4,4 bilhões de caixinhas e 1,5 bilhão de saquinhos de leite pasteurizado e homogeneizado, por ano, no Brasil, número equivalente aos litros de leite comprados no varejo pelos consumidores. Somente o faturamento com as embalagens é de R$ 1,4 bilhão na comercialização de caixinhas e R$ 30 milhões na de saquinhos [Felipe, Galactolatria, p. 208].

Ainda segundo Rotta, o faturamento do setor supera o do automobilístico, o da construção civil, o siderúrgico e o têxtil. Com a venda de animais, a movimentação foi de R$ 4,1 bilhões. Com equipamentos, R$ 4,2 bilhões. Os insumos industriais foram da ordem de R$ 143,5 milhões. Os produtos veterinários responderam pela movimentação de R$ 249,9 milhões, enquanto o material genético chegou à cifra de R$ 43,9 milhões. O setor de sementes e adubos destinados à produção de silagem e de grãos faturou no mesmo ano, R$ 80 milhões. As 1.100.000 propriedades leiteiras oferecem 3,6 milhões de empregos [Felipe, Galactolatria, p. 208].

Em termos mundiais a extração e comercialização do leite bovino alcançou o registro de 754.209.471 toneladas em 2009. Os 20 maiores extratores de leite do mundo comercializaram um total de 425.355.721 toneladas, assim distribuídas:

  • Estados Unidos 85.859.400 t
  • Índia 45.140.000 t
  • China 35.509.831t
  • Rússia 32.325.800 t
  • Brasil 29.112.000 t
  • Alemanha 27.938.000 t
  • França 23.341.000 t
  • Nova Zelândia 15.400.000 t
  • Reino Unido 13.236.500 t
  • Polônia 12.447.200 t
  • Itália 12.219.500 t
  • Paquistão 11.985.000 t
  • Turquia 11.583.300 t
  • Holanda 11.468.600 t
  • Ucrânia 11.363.500 t
  • México 10.549.000 t
  • Argentina 10.366.300 t
  • Austrália 9.388.000 t
  • Canadá 8.213.300 t
  • Japão 7.909.490 t

Do total mundial, a Europa extraiu e comercializou 208.141.579 t, o equivalente a 36,67% da extração mundial 2009. Do total de países europeus, cinco grandes extratores concentram 52,5%, a saber: Rússia, Alemanha, França, Inglaterra e Polônia produziram 109.288.500 t de leite.

A África extrai 4,96% do total de leite bovino produzido no mundo, equivalendo a 28.964.304 t. Seis países respondem por 74,2% da extração do leite bovino na África: Sudão 5.328.000 t, Quênia 4.070.000 t, Egito 3.200.000 t, África do Sul 3.091.000 t, Argélia 1.750.000 t, Marrocos 1.750.000 t. O restante dessa extração, totalizando 4.861.155 t ou 16,7%, fica a cargo de outros quatro países: Tanzânia, Etiópia, Tunísia e Uganda.

A Ásia produziu em 2009 um total de 150.632.183 t, 25,81% da produção mundial. Seis países respondem por 79% da extração do leite bovino nesse continente: Índia 45.140.000 t (30,0%), China 35.509.831 t (23,6%), Paquistão 11.985.000 t (8,0%), Turquia 11.583.300 t (7,7%), Japão 7.909.490 t (5,3%), Irã 6.620.240 t (4,4%). Onze outros países asiáticos respondem pela extração e comercialização de 16,4% do leite bovino: Uzbequistão 5.732.400 t, Cazaquistão 5.267.000 t, Coréia 2.222.000 t, Turcomenistão 2.145.900 t, Síria 1.600.270 t, Azerbaijão 1.460.090 t, Afeganistão 1.413.000 t, Arábia Saudita 1.292.000 t, Israel 1.276.720 t, Quirguistão 1.273.540 t, Mianmar 1.100.000 t.

Na Oceania, no ano de 2009, foram extraídas 24.855.939 t, correspondendo a 4,26% do total mundial. Os dois países que respondem por essa produção são a Nova Zelândia 15.400.000 t (62,0%) e a Austrália 9.388.000 t, (37,8%) [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 209].

As Américas do Norte, Central e do Sul e o Caribe extraíram juntos, em 2009, 341.615.466 t, equivalendo a (27,67%) da extração mundial. Os maiores extratores de leite bovino do mundo e das Américas são os Estados Unidos, com 85.859.400 t. Nas Américas, o Brasil ocupou o segundo lugar, com 29.112.000 t extraídas. Esses dois países respondem juntos por 67,3% da extração de leite de vaca no continente. Na sequência vêm o México com 10.549.000 t, a Argentina com 10.366.300 t, o Canadá com 8.213.300 t, a Colômbia com 7.545.140 t, o Equador com 5.228.730 t. Esses cinco países extraem 24,6% do leite bovino nas Américas, ficando os 8% restantes a cargo dos demais países: Chile, Venezuela, Uruguai, Peru, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, República Dominicana, Cuba, El Salvador, Paraguai, Porto Rico e Guatemala.

Somadas as toneladas de leite extraído das vacas, por continente, temos: África com 28.964.304 t, (4,96%), Américas e Caribe com 341.615.466 t, (27,67%), Ásia com 150.632.183 t, (25,81%), Europa com 208.141.579 t, (36,67%), Oceania com 24.855.939 t, (4,26%).

Extração de leite por continente e densidade populacional

Com base nos dados populacionais referentes ao ano de 2008, a Ásia e a Oceania respondem por 60,0% da população mundial num total de 4.004.787.589 de habitantes humanos. Esses dois continentes, juntos, extraíram 30,7% do total de leite bovino no mundo, em 2009.

A África, com uma população de 935.812.583 milhões de pessoas, correspondendo a 14,2% do total da população humana do mundo, responde pela extração de apenas 4,96% do leite bovino mundial.

Em contrapartida, a Europa extrai 35,67% do leite de vaca do mundo, mas tem uma população de apenas 11,04% mundial, num total de 727.228.445 milhões de habitantes.

As Américas, com uma população total de 903.703.394 milhões de habitantes, correspondendo a 13,7% da mundial, extraem algo da ordem de 27,67% do leite bovino mundial.

Basta passar os olhos por tais números, ainda que eles não sejam tão precisos quanto desejaríamos que o fossem, para ver que um dos continentes menos populosos do mundo, o europeu, é habitado por galactômanos. América e Europa, juntas, têm apenas 25,1% da população mundial, mas extraem, processam e consomem 63,4% do leite de vaca do mundo. Não surpreende que também sejam esses os continentes com maior incidência de doenças crônicas e agudas associadas à ingestão do leite, conforme vimos nas duas sessões anteriores.

Por outro lado, caso o cálcio do leite de vaca fosse mesmo imprescindível para a saúde óssea humana, teríamos boa parte das populações da Ásia e da África, que totalizam 5 bilhões de humanos ou 74,2% da população mundial, sofrendo dos males e acidentes causados pela osteoporose, ou por fraturas ósseas, algo que nenhum artigo científico até hoje divulgou.

Com uma quantidade insignificante de leite de vaca na dieta, não se pode dizer que a saúde dos africanos e dos asiáticos esteja ameaçada pela falta de cálcio ou de qualquer outro nutriente fornecido por ele, um leite que eles não costumam consumir nos padrões apregoados pela FAO e pelo USDA. Sofreriam esses povos dos males que assolam a maior parte da população euro-americana, estadunidense e brasileira, tais quais o diabetes, a hipertensão, as alergias, a hipercolesterolemia, a aterosclerose, o câncer, a asma, os distúrbios digestivos e o mal-estar que acompanha a maioria das pessoas que ingere laticínios, após uma farta refeição regada a leite e queijos, e seguida de sorvetes e tortas como sobremesa? O fato é que 75% da população humana deixa de produzir a enzima lactase, ou a produz em quantidade mínima, após desmamar, correspondendo a nada menos do que a 5 bilhões e 250 milhões de pessoas.

Para assegurar a produção de leite bovino, na ordem dos bilhões de litros anuais, os países expoentes também precisam alimentar rebanhos igualmente imensos. Na lista dos países que mais sustentam vacas para extração de leite, a Índia e a França quase empatavam, em 2008, no topo, com rebanhos de 38.800.000 e 38.500.000 vacas, respectivamente.

O terceiro maior rebanho mundial de vacas em uso na extração de leite é o brasileiro, com 21.198.000 cabeças. Em quarto e quinto lugares estão a China, com 12.652.601, e os Estados Unidos com 9.224.000 cabeças, respectivamente. O sexto lugar cabe à Rússia, com 9.221.000 vacas. Com praticamente a metade dos rebanhos leiteiros russos e estadunidenses somados, a Nova Zelândia e a Alemanha ocupam o sétimo e o oitavo lugares, com rebanhos de 4.347.657 e 4.217.711 cabeças, respectivamente. No ranking dos dez maiores rebanhos bovinos femininos do mundo, a Polônia ocupa o nono lugar, com 2.733.130 vacas, e o Reino Unido, o décimo, com 1.909.000 vacas. Esses dez países alimentam diariamente um rebanho de 107.883.099, de um total de 246.861.764 vacas em uso para extração de leite, ao redor do mundo, segundo o que se encontra registrado [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 212]. Nesses números não estão incluídas as vacas do plantel leiteiro ainda não ativas.

Consideremos o montante de excrementos e demais dejetos deixados sobre o planeta pela indústria de extração e consumo do leite bovino, podendo alcançar 60 a 100 kg diários por animal. Multiplicando-se 60 por 246.861.764, a montanha de excremento bovino, somente do gado explorado pela indústria do leite e laticínios, sobe para 14.811.705.840 kg diários, quase quinze milhões de toneladas ao dia. Ao final de cada ano, o leite consumido por humanos ao redor do planeta, responde por 5.406.272.631.600 kg de excremento de vaca, algo em torno de 5 bilhões de toneladas ao ano, deixadas como legado sobre um planeta suficientemente indefeso e fragilizado, frente ao montante de gases, especialmente o metano, que esses dejetos produzem.

Olhando-se no sentido inverso, da saída para a entrada, podemos estimar o montante correspondente de alimentos ingeridos ricos em proteínas, e de água potável que acompanhou essa ingesta. Se não existisse a galactomania, aquelas proteínas vegetais poderiam ter seguido diretamente para o estômago dos humanos, carentes desses mesmos grãos e cereais desviados para compor a dieta das vacas. No final da década de setenta, do século XX, William Shurtleff e Akiko Aoyagi escreveram:

Ao fluir através de uma cadeia alimentar, cerca de 80 a 90 por cento da energia se perde na produção de calor em cada uma das etapas, conforme o explica a segunda lei da termodinâmica. […] Quanto mais curta a cadeia alimentar entre plantas e humanos, menor será a perda de energia calórica e maior a disponibilidade das calorias. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 212].

Pode-se ter uma ideia do grau de interferência no metabolismo dessas vacas usadas para extração de leite, conferindo sua “produtividade anual”. Quanto mais manejada for a alimentação das vacas, maior a quantidade de leite. Nesse sentido, rebanhos maiores, como os da Índia e do Brasil, por exemplo, não necessariamente significam maior extração de leite por cabeça, pois o manejo do gado bovino é diferente, na Índia e no Brasil. De qualquer modo, no topo do ranking produtivo encontra-se o rebanho estadunidense, absolutamente manejado.

De cada vaca norte-americana foram extraídas, em média, 9,34 toneladas de leite em 2008, algo em torno de 26 litros diários. Esse número pode chegar a 60 litros diários, considerando-se as “vacas premiadas”, e descontando-se os meses de “seca”, nos quais não há extração de leite, por conta do preparo para uma nova inseminação, ou do final de gestação. Seguindo os Estados Unidos, o Reino Unido extraiu uma média de 7,19 toneladas de leite por vaca, a Alemanha, 6,79 toneladas, e a França 6,32 toneladas. Reino Unido, França e Alemanha extraem maior quantidade de leite de cada vaca, manejando-as de tal modo que as forçam a produzir 19,7 litros, 18,6 litros e 17,3 litros respectivamente, por dia. Mais uma vez, se calculamos a água “investida” diretamente nas vacas que dão o leite, equivalendo a 8,5 litros, em média, por litro de leite extraído, em 2008, cada vaca norte-americana consumiu 80 mil litros de água. O total das mais de nove milhões de vacas, naquele país, pode ter consumido, então, mais de 700 bilhões de litros de água potável naquele ano.

Das vacas dos demais rebanhos gigantescos praticamente não manejados, como os da Índia, são extraídos, em média, 3,15 litros de leite por dia. As brasileiras ficam em torno de 3,58 litros por dia. As da China atingem 7,75 litros diários, enquanto as da Rússia e da Nova Zelândia emparelham, com uma extração de 9,53 e 9,58 litros diários, respectivamente, e as da Polônia sobem no ranking, com uma média diária de 12,46 litros [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 213].

Toda média esconde a realidade dos dados. Se, entre os rebanhos mais numerosos, encontramos uma média menor de extração do leite, e, entre rebanhos menores, as médias mais elevadas, então podemos imaginar que, entre as vacas que formam os rebanhos mais rentáveis, há as que batem os recordes produtivos e outras que, provavelmente, ficam mais próximas da realidade de rebanhos considerados menos rentáveis.

Para todos esses números, no entanto, é preciso também imaginar a quantidade do sofrimento imposto a essas fêmeas, tanto pelo fato de serem escravizadas ininterruptamente nesse sistema que só se interessa por suas vidas na proporção da secreção de suas glândulas mamárias, quanto pelo alimento forçadas a ingerir. Tais imposições atendem apenas ao interesse do produtor em aumentar as toneladas de leite extraído delas ao longo dos anos. Esses dados não aparecem nas tabelas nacionais e internacionais. Mas eles escorrem junto com o leite, tornando a galactolatria um mau deleite e a galactocracia moralmente injustificável, da perspectiva ética.

Essas alterações no metabolismo e na fisiologia bovina feminina podem ser confirmadas na tabela comparativa da “produtividade” das vacas usadas para extração do leite no Brasil, entre 1980 e 2010. Em 1980, num rebanho de 16,5 milhões de vacas, cada uma respondia pela média de 676 litros de leite por ano, o que não passava de 1,85 litros/dia. Em 1985, num rebanho de 17 milhões de vacas, a média per capita subira para 710 litros por ano, ficando a produtividade diária em 1,94 litros por vaca. Em 1990, no rebanho de 19 milhões de vacas, a média diária já subira para 2,08 litros/dia. Em 1995, do rebanho de 20 milhões de vacas foram extraídos em média 2,2 litros ao dia per capita. Em 2000, num rebanho de quase 18 milhões de vacas, a média subira para 3,02 litros diários por vaca. Em 2005, do rebanho de mais de 20 milhões de vacas, extraiu-se, em média, 3,24 litros/dia por animal. Em 2010, com quase 23 milhões de vacas, a média estimada até a publicação da tabela, em 2010, estava em 3,63 litros/dia por animal [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 213]. Conforme dito acima, as médias sempre escondem dados reais específicos da extração individual, tanto para mais, quanto para menos.

Se levarmos em conta o número de vacas em atividade de lactação ao redor do mundo, o rebanho chega a 246.861.764 de indivíduos. No ano de 2008, o total de leite produzido por esse rebanho foi de 578.450.488 toneladas. Com esses números totalizados, a extração fica em torno de 6,34 litros de leite por dia por vaca [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 214]. Considerando-se que desse total de vacas, uma porcentagem é de não lactantes, pelo menos por alguns meses do ano, e outra é de novilhas, a média de 6,34 na verdade esconde a real quantidade de leite extraído delas individualmente.

Quando empresários e zootécnicos concluem que a produtividade está baixa, seu próximo passo é inventar novas formas de alimentar os animais para que suas glândulas mamárias sejam estimuladas ao máximo. O aumento da “produtividade” da vaca não é prazeroso para ela, apenas para quem a explora direta (galactocratas) e indiretamente (galactólatras e galactômanos).

Considerando-se a totalidade do consumo de água e de cereais e grãos ricos em proteínas e a totalidade dos dejetos que deixa atrás de si no processo de extração e produção, o leite e os laticínios consumidos pelos humanos acabam por representar um mau deleite. As cifras movimentadas pelo negócio laticínio são um poder suficiente para embotar a capacidade de ação de governantes e políticos de modo geral. Não se pode esperar deles qualquer iniciativa para abolir a prática de lucrar através da extração dessa secreção que o organismo das vacas só produz para garantir a continuidade da espécie de vida bovina.

Resta ao consumidor individual uma alternativa: abolir de sua dieta, além da carne, o leite e seus derivados. Caso contrário, mantendo a galactolatria, cada indivíduo acaba por assinar sua coautoria na devastação ambiental que a produção desse alimento implica, na dor e no sofrimento que representam para as vacas mantidas em sistema de confinamento ou nas pastagens, escravizadas sexualmente para levar a termo de duas a quatro gestações, sem que sua atividade lactante possa nutrir os bezerros que trazem ao mundo, e nos males que seu próprio organismo acaba por sofrer em decorrência do consumo de alimentos não desenhados pela natureza para serem digeridos e bem aproveitados, a não ser pelo organismo de bezerros. A única saída ética para desassinar tais contratos é a dieta abolicionista.

Para citar:

FELIPE, Sônia T. O poder galactífero ao redor do mundo. Palestra apresentada no Curso de Extensão Implicações éticas, ambientais e nutricionais do consumo de leite bovino – uma abordagem crítica. Florianópolis: UFSC, Auditório do Centro de Ciências da Educação, 21 junho 2013, das 18:45 às 21:30.

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