Quem conhece Zygmunt Bauman?

Por Leonardo Maciel

Todos nós, abolicionistas, protetores e pessoas sensíveis à causa animal vemos todos os dias os crimes, as atrocidades, violência física, violência sexual e demais agressões aos outros seres do planeta, humanos e não humanos. Talvez os questionamentos do porquê acontecem nos ajudem a entender.

As explicações devem ter múltiplas causas e consequentemente múltiplas opções de ações de mitigação.

Zygmunt Bauman, sociólogo que já foi agraciado com o prêmio Amalfi, concedido às melhores publicações na área de sociologia e teoria social, nos fornece interessantes ideias à respeito do comportamento de nossa espécie.

Em seu livro “Holocausto e Modernidade”, este fantástico pensador nos fornece uma análise de nosso comportamento sob a luz da máquina burocrática e discursa sobre como criamos, institucionalizamos , justificamos e perpetuamos ações maléficas.

Para o autor, a maioria dos participantes de um holocausto, genocídio ou ato social danoso não participou diretamente da ação. A maioria dos burocratas compôs memorandos, redigiu planos, falou ao telefone e participou de conferências. Podiam destruir todo um povo sentados em suas escrivaninhas.

Bauman cita um especialista técnico, Willy Just, em seus escritos sobre as câmaras de gás da segunda guerra:

“Um caminhão menor, totalmente carregado, poderia operar mais rápido. Uma redução no compartimento traseiro não afetaria prejudicialmente o equilíbrio do peso sobrecarregando o eixo traseiro, pelo fato de que a carga, na tentativa de abrir a porta durante a operação, situa-se na parte traseira. Para facilitar a limpeza, deveria ser feito um orifício de oito a dez polegadas no chão, com uma tampa aberta para fora. O chão deveria ser ligeiramente inclinado e a tampa equipada com uma peneira fina. Assim, todos os fluidos finos sairiam ainda durante a operação e os mais espessos poderiam ser retirados depois com um mangueira”.

No texto acima, o caminhão era utilizado como câmara de gás, a carga eram as pessoas, os fluidos finos eram a urina e os espessos as fezes das pessoas no desespero da morte. O técnico e o funcionário, entrevistados muitos anos após, não apresentavam qualquer drama de consciência ou dilema moral, porque estavam apenas cumprindo deu dever, ordens superiores. O que os chateavam eram as críticas à respeito do produto do trabalho.

Quando uma pessoa retira uma caixa de leite da prateleira de um supermercado, não há drama de consciência, porque segundo Balman, com a produção social da distância, a moralidade parece conformar-se à lei da perspectiva ótica. A moralidade parece grande e espessa quando perto dos olhos. Com o aumento da distância, a responsabilidade sobre o outro encolhe e as dimensões do objeto se embaçam, até que ambas atinjam o ponto de desaparecimento e somem de vista. Entretanto, os efeitos da ação humana alcançam muito além do ponto de desaparecimento e da “visibilidade moral”.

O médico veterinário que projeta o curral de leite também não tem dramas de consciência. Planeja o escoamento dos fluidos finos, dos fluidos espessos e do sangue, calcula o espaço do corredor de abate para evitar fugas no desespero do cheiro da morte, o corredor deve ter a largura do corpo da produtora de leite para que ela não consiga virar o corpo e voltar… o caminho é sem volta e sem escolha. Apenas intermediários da ação burocratizada fazendo seu papel. Quem consome o leite não dá a martelada na cabeça da vaca e deve achar que o leite brota nas prateleiras e que as vacas o doam por altruísmo. A burocratização e a divisão das tarefas afetam a percepção da cadeia de produção.

Bauman ainda postula, em se tratando da “ciência”, que esta é uma alta autoridade, raramente contestada e moralmente respeitada… e que o que não é assinalado porém é que, mais do que qualquer outra autoridade, a ciência é autorizada pela opinião pública a praticar o princípio, de outra forma extremamente odioso, de que os fins justificam os meios. A ciência é o mais completo exemplo da dissociação entre meios e fins, que é o ideal da organização social humana: os fins é que são submetidos à avaliação moral e não os meios.

Ao que parece, nossa organização social é bem mais complexa e ampla de que podemos perceber em nossas ações autômatas do dia a dia. Filósofos e sociólogos nos mostram muitas vezes o que não temos tempo para parar e pensar. Na nossa divisão de tarefas, entretanto, é raro um veterinário ler um livro de filosofia, um arquiteto ler algo sobre medicina veterinária ou um candidato a presidente ler algo de um nutrólogo sobre a evolução dos hábitos alimentares na nossa espécie. Sabemos cada vez mais sobre cada vez menos, e perdemos, por exemplo, ao não ler os textos de Sônia T. Felipe que são um bom deleite. Por vezes, evoluímos como computadores. Os filósofos e sociólogos deveriam ser uma luz e não uma lamparina à óleo na tomada de decisões sobre nossos caminhos. Termino este texto longo que poucos vão ler propondo um brinde ao pensamento… com um bom copo gelado de leite de amêndoas. 


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