Reintroduzidos à natureza, quatro peixes-boi serão monitorados em ação inédita no Pará
Longe de tanques artificiais e do contato direto com humanos, quatro peixes-boi-amazônicos voltaram aos rios do Pará após oito anos vivendo em cativeiro. Os animais foram reintroduzidos na natureza durante uma ação na comunidade ribeirinha Igarapé do Costa, em Santarém, no oeste do estado, nesta quinta-feira (14) e a partir de agora serão monitorados por sistema de radiotelemetria.
Os quatro mamíferos estavam vivendo há cerca de quatro anos na base flutuante do Centro de Recuperação de Peixes-boi do Zoológico do Centro Universitário da Amazônia (Unama) na região ribeirinha. Nesse tempo eles estavam na segunda fase de readaptação no habitat natural depois de receberem tratamento na sede do zoológico.
A soltura contou com o apoio de diversos órgãos, entidades, alunos de séries iniciais e dos moradores que lidam dia a dia com os animais. O momento foi de alegria pela conquista, pois essa é a primeira soltura de quatro peixes-boi juntos, com monitoramento de radiofrequência no Pará.
Sistema de radiofrequência
Dois machos e duas fêmeas batizados como Bolinha, Guerreiro, Paluda-Açu e Chimanga, com tamanhos entre 1,70 m a 1,90 m, os peixes-boi foram reintroduzidos no Lago Pachiquim, afluente do rio Amazonas, na área conhecida como Baixa do Bom Jardim, onde há diversidade de alimentação e maior chances de reprodução com animais nativos.
A cada reintrodução, licenciada e acompanhada por órgãos ambientais, aplausos e gritos de “Viva o meio ambiente” foram proferidos pelas crianças que presentes a ação.
Os quatro peixes-boi ganharam uma espécie de cinto acima da nadadeira caudal. O equipamento emite sinais via satélite que são capturados por uma antena na frequência de 174 mHz mesmo que o animal esteja submerso em grandes profundidades.
Antes da soltura, os quatro passaram pelos processos de recuperação e adaptação, e dias antes da reintrodução foram submetidos à biometria (cada animal tem manchas únicas no peito como digitais), exames laboratoriais e pesagem.
A expectativa é que o animal consiga ficar sozinho na natureza sem a nossa ajuda. Então vamos acompanhar se eles vão ficar no lago ou vão embora
— Iane Posiadlo, médica veterinária
Afetividade e trabalhos educativos
Desde o momento em que saíram dos tanques artificiais no ZooUnama, os peixes-boi receberam cuidados de dois comunitários na base flutuante, principalmente com a alimentação. As estruturas funcionam como semi cativeiros.
O ex-pescador Reginaldo Rocha comemorou a primeira soltura, mas não escondeu a saudade que vai sentir com a partida daqueles que ele chama carinhosamente de amigos. “Tratamos muito bem deles, zelamos. Agora eles serão livres e independentes, mas vamos sentir falta porque estamos acostumados com eles no dia a dia”, contou.
Ainda quando pescador, Reginaldo resgatou um filhote e entregou aos cuidados do ZooUnama. Hoje em dia ele trabalha na preservação da espécie.
Por ser escolhida como comunidade polo para a readaptação dos mamíferos, as crianças de Igarapé do Costa também crescem sabendo que cuidar da natureza e, em especial, dos peixes-boi garante a perpetuação da vida.
“Muitas vezes eu já vim visitar, saber como eles estavam aqui no tanque. Não pode matar eles porque é crime, e se depender da gente esses serão bem cuidados”, contou a estudante Natália Rocha, de 10 anos.
Projeto Peixe-boi
Vítimas da predação humana, as mães de peixes-boi são mortas e os filhotes largados ao relento por não terem valor comercial ou cultural. Por serem totalmente dependentes das mães, sozinhos na natureza eles não sobreviveriam. Dessa forma, todos os resgates feitos são de filhotes em idade de amamentação.
Atualmente o ZooUnama contava com 24 animais no cativeiro em Santarém, mas um casal de 4 anos foi levado para o semi cativeiro na ação desta quinta-feira. A base na comunidade ribeirinha havia 10, foram tirados quatro para soltura e adicionados dois para fase de adaptação, somando oito.
A transferência até a base foi traçada para que os animais sofressem o menor estresse possível. Eles eram foram enrolados em toalhas, colocados em colchões molhados e eram hidratados de minuto a minuto.
Os peixes-boi chegam ao projeto ainda filhotes e vão direto para a 1° fase do processo de reabilitação nas piscinas do zoológico. Concluída esta etapa, que dura anos, eles são transferidos para a 2° fase, na base flutuante de 100m² no rio. Neste período, os animais se readaptam às águas naturais e correntes. Somente depois de adaptados ao habitat, eles são soltos, sem limitações de espaço.
“Nesta ocasião de hoje temos a oportunidade de ver a fase 2, que é a mudança da Tixa e do Araraú do zoológico para o rio, e a fase 3, que é a soltura dos quatro adultos com o sistema do monitoramento. Somos os primeiros no Pará a fazer essa ação”, ressaltou Jairo Moura, médico veterinário do ZooUnama.
Para saber se estão se adaptando à vida livre, os quatro serão acompanhados e monitorados durante meses.
A espécie
O peixe-boi-amazônico é a menor espécie existente. Mede entre 2,8 a 3,0 metros e pesa até 450 quilos. Mesmo assim o tamanho impressiona e, por causa disso, ele passa uma imagem de poucos amigos.
Apesar da aparência, ele é dócil e bastante lento em seus movimentos. Talvez seja em razão destas características que este mamífero seja uma espécie vulnerável. E a razão para o risco de extinção também se apoia em alguns fatores como a caça deliberada (apesar de o peixe-boi ser protegido por lei desde 1967), a morte acidental em redes de pesca, o encalhe de filhotes órfãos e, claro, a degradação ambiental.
Como característica física, tem o corpo escuro e uma grande mancha esbranquiçada ou rosada no peito. Esta diferenciação, mais a ausência de unhas nas nadadeiras peitorais, é o que o distingue do peixe-boi-marinho e do peixe-boi-africano. Ele é também o único a viver exclusivamente em água doce.
Herbívoro, o peixe-boi-da-amazônia se alimenta de capins flutuantes e tem papel fundamental na cadeia alimentar e no ecossistema aquático da região onde vive. Ele controla não só o crescimento dessas plantas, como também, com suas fezes e a própria urina, fertiliza o solo das águas, contribuindo para a manutenção do ambiente.
Por Geovane Brito
Fonte: G1