Sacrifício de animais em cultos religiosos é constitucional, diz STF

Sacrifício de animais em cultos religiosos é constitucional, diz STF
Foto ilustrativa

Na data de ontem, 28 de março de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade que o sacrifício de animais em cultos religiosos é constitucional.

Com efeito, o Artigo 5º Inciso VI da Constituição Federal, de fato, assegura o livre exercício dos cultos religiosos.

Muitos argumentam que, embora a liberdade religiosa e de culto, a prática de sacrifício de animais fere outro dispositivo constitucional, o Artigo 225, que veda práticas que submetam os animais à crueldade.

Não há a menor dúvida de que o sacrifício de animais envolve sim crueldade e maus-tratos aos animais envolvidos, ao contrário do que os Ministros do Supremo tentaram argumentar quando de seus votos, mas também é certo que nem a Constituição nem a legislação infraconstitucional estipulam uma hierarquia em relação a qual artigo deve prevalecer quando um ou mais artigos constitucionais conflitam, de modo que a menos que se proponham emendas constitucionais que estabeleçam tais hierarquias, prevalecem a jurisprudência e os costumes.

Analisemos, pois, de que forma o artigo 225 se comporta em relação aos demais artigos da Constituição, assim como em relação aos usos e costumes do povo brasileiro:

O Art. 225 determina que é vedado submeter os animais à crueldade, MAS . .

– É fato que a criação de animais para consumo e seu abate envolvem crueldade intrínseca. Ainda não se considera o consumo de carne inconstitucional, nem se está discutindo isso;

– É fato que a pecuária de leite, com seu ciclo constante de submissão forçada de fêmeas à gravidez, parto e lactação, descarte de animais cuja produtividade tenha caído, além do descarte de bezerros, envolve crueldade intrínseca, porém não se discute se o consumo de leite e derivados é ou não constitucional;

– Em 06 de junho de 2017 o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 96/2017 alterando o significado da palavra crueldade, para que não comporte práticas desportivas e manifestações de natureza imaterial integrantes do patrimônio cultural brasileiro (ou seja, rodeio, farra do boi, vaquejada, nada disso pode ser considerado crueldade);

– Ninguém até este momento questionou a constitucionalidade do uso do couro, o consumo de ovos, do mel, a reprodução de filhotinhos de cães e gatos para abastecer lojas de animais, o comércio de animais e possivelmente estes produtos são consumidos por muitos dos que consideram aqueles que sacrificam animais gente atrasada e primitiva.

Conforme afirmado acima, não há a menor duvida de que o sacrifício de animais envolve crueldade, e que em uma sociedade civilizada e evoluída isto jamais seria tolerado, mas tampouco esta mesma sociedade deveria tolerar estas outras manifestações corriqueiras de crueldade que consideramos normais ou aceitáveis.

De toda forma, o Supremo Tribunal Federal é órgão pertencente ao poder judiciário e a ele cabe, ou deveria caber, apenas as competências estipuladas pelo artigo 102 da Constituição. Não poderia derivar daquela corte, em meu modesto entendimento, parecer distinto.

Para que o STF pudesse considerar o sacrifício de animais inconstitucional seria necessária Emenda Constitucional determinando a prevalência do artigo 225 sobre os demais que pudessem conflitar com este, o que certamente necessitaria revogar também os efeitos da Emenda Constitucional nº 96/2017.

Seria necessária Lei Complementar que tipificasse a crueldade mencionada, de modo a tornar mais explicita a vontade original do legislador constituinte ao escrever o artigo 225, dirimindo a vagueza e a possibilidade de deturpação da ideia original.

Ainda, embora bem intencionados, as iniciativas e os atos legislativos infraconstitucionais, tais como o Projeto de Lei nº 308 de 2013, apresentado à Câmara de Vereadores de Salvador (BA) ou a Lei Municipal de Cotia (SP) nº 1.960, de 21 de setembro de 2016, que pretendiam proibir o sacrifício de animais, foram julgados inconstitucionais, justamente por ferirem uma liberdade de culto.

A discussão necessita se dar em esferas mais elevadas de poder e, de uma maneira mais ampla, de forma a não configurar perseguição a grupos étnicos ou religiosos específicos, mas sim uma real preocupação com os direitos animais.

Para que tal preocupação soe autentica, porém, há que se considerar que a crueldade contra os animais não ocorre apenas no âmbito do sacrifício religioso, mas em todas essas outras modalidades citadas acima

É suspeito que tantas pessoas que participam de tantas outras formas de exploração animal, alegando muitas vezes estar seguindo uma tradição cultural, oponham-se apenas às formas de exploração e crueldade contra animais praticada por grupos distintos daquele ao qual pertencem.

O chamado à coerência não é um chamado pela inatividade daqueles que ainda participam ativamente da exploração animal, não se trata de uma questão de “tudo ou nada”.

Mas antes, um chamado pela reflexão e análise da própria consciência. “Será que é justo combater apenas as formas de exploração animal que pertencem a outras culturas, enquanto justifico as formas de exploração que me são familiares alegando “razões culturais”?

Revisemos, pois, as formas de exploração animal das quais nós mesmos fazemos parte. E que nossa própria cultura e estilo de vida não sirvam para justificar tais ações.

Por Sérgio Greif

Fonte: Olhar Animal

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