Um dia o mundo vai se tornar vegano, ou tudo corre para um colapso?

Por Sônia T. Felipe 

Os dados da produção de cereais e grãos ao redor do mundo indicam que 70% de tudo o que é plantado e colhido, em certos casos chegando a 90%, destina-se a alimentar animais que são usados para extração de leite, coleta de ovos e para todos os que são abatidos para atender à demanda por carnes.

É preciso considerar a extensão do planeta, roubada aos humanos com esse cultivo. Também é preciso considerar a quantidade de biocidas inventados nas últimas décadas para forçar as sementes e grãos a se transformarem rapidamente em plantas e a produzirem o que se deseja colher.

Por fim, é preciso considerar que essa quantidade imensa de comida, uma vez ingerida, precisa ser expelida pelos animais. Também é preciso considerar que para poder digerir alimentos que a evolução do seu organismo não previu jamais ter que digerir e assimilar, os animais precisam receber muita água. O mesmo acontece conosco quando comemos indevidamente e precisamos oferecer ao nosso sistema digestório um meio para que ele se limpe dos detritos e resíduos imundos que vão ficando pelo trajeto.

Consideremos a montanha de excrementos e urina produzida ao redor do mundo pelos animais mantidos confinados na indústria das carnes, laticínios e ovos. O fato é que o planeta não evoluiu para digerir nem assimilar tanto lixo orgânico. Consideremos ainda que a maior parte desses animais possui um sistema de fermentação entérica que produz muitos gases responsáveis por repelir o ozônio que nos protege dos raios letais do sol. Não há como concluir que estamos indo muito bem, obrigada. Não há razão para pensar que nada do que comemos hoje tem influência alguma sobre os desdobramentos climáticos e a devastação ambiental.

Se estamos comendo a morte, estamos plantando a morte para o planeta colher. Isso afeta todos os seres vivos.

Para completar o quadro, a dieta animalizada implica em tormento e dores, sofrimento e morte para os animais. Para isso não temos perdão. Todos os aminoácidos necessários para formar a famosa cadeia proteica, o mito sobre o qual foi construído o poder do agronegócio, podem ser obtidos perfeitamente a partir dos alimentos vegetais.

Caiu por terra o velho mito de que só temos proteínas se ingerirmos carnes, leite de animais, ovos ou seus derivados. Então, o sistema de produção de alimentos baseado na exploração e morte de animais, de fato, não tem mais qualquer sustentação moral.

Entretanto, todos que foram submetidos cultural e mentalmente à dieta animalizada estão programados em seus neurônios para responder com apetite ao apelo dos alimentos animalizados. Não por maldade, obviamente. Por vício mesmo. As carnes e os laticínios estão carregados de opióides que se ligam aos receptores dos opióides naturais produzidos por nosso cérebro.

A pergunta é: as pessoas vão tornar-se veganas por reconhecerem a obsolescência moral de sua dieta onívora galacto-carnista, ou vamos ter o colapso planetário por conta dessa dieta que aí está e elas terão que se tornar veganas na marra?

Pessoalmente, não creio que todos os seres humanos se tornem veganos num passe de mágica. Estou mais propensa a pensar que não vai dar tempo para frear a desabalada corrida, imposta ao planeta (à atmosfera, ao solo e às águas) pelo sistema belicista de produção de grãos e cereais ao redor do mundo, e pela montanha de urina e excrementos animais liberados diariamente, ininterruptamente, levando-o à exaustão.

Se continuarmos mais 20 ou 30 anos a ingerir alimentos animalizados, o planeta vai ter que sustentar o cultivo e a colheita de alimentos para os animais usados em nossa dieta por mais 20 anos. Esses animais excretarão nas próximas décadas a montanha que ora excretam. Quando o colapso se apresentar em muitas regiões do planeta ao mesmo tempo, já não haverá mais tempo para corrigir espontaneamente a dieta animalizada e adotar a dieta abolicionista vegana. Essa será a única dieta viável.

Caso o colapso ambiental se dê em diferentes regiões do planeta ao mesmo tempo, mas permita ainda que a vida humana seja possível de ser preservada com a dieta vegana, os humanos que não tiverem feito agora a transição mental, cultural e moral, da dieta onívora ovo-galacto-carnista para a dieta vegana, serão forçados pelas circunstâncias a se alimentarem de vegetais, frutos e sementes. Mas seus cérebros estarão ainda fissurados pela dieta animalizada.

Portanto, a mudança que será forçada de fora para dentro não terá força, a menos que a submissão à nova dieta seja prolongada. Assim que esses humanos se recompuserem, a primeira ideia que terão é de matar o primeiro animal para se locupletar outra vez com o churrasco, a carne desse animal morto, assada.

Acredito nas ações cujo propósito resulte de uma decisão existencial do sujeito. Não acredito em mudança alguma imposta de fora para dentro. Creio, no caso de haver mesmo o colapso, na força de todos os que hoje desassinam o contrato galacto-carnista ao qual essa dieta animalizada nos submeteu.

Quem já for vegano quando o sistema de produção animal colapsar estará firme e sereno em sua jornada dietética. Quem ainda depender de sabores e de fontes proteicas animalizados, sofrerá muito e a única coisa que desejará é poder voltar a comer um pedaço de cadáver.

A mudança, em qualquer âmbito que seja, é sempre de foro íntimo, quer dizer, ou ocorre no centro da mente, afetando todos os neurônios à volta, ou, sendo externa ou imposta, não tem efeito algum sobre a vontade moral do sujeito. É preciso ter boa vontade consigo mesmo, com os animais e com o planeta, para fazer a passagem de uma dieta totalmente baseada em alimentos animalizados, para a dieta abolicionista vegana, baseada exclusivamente em alimentos de origem vegetal integral e não processada.

De qualquer modo, a própria Organização Mundial de Saúde e a Associação Médica Americana já reconhecem que a dieta vegana é uma escolha mais saudável. Enquanto isso, o World Watch Institute reconhece que a dieta vegana é a única salvação para o planeta, e a produção e abate de animais, sua derrocada.

Cada indivíduo carrega em sua consciência a responsabilidade por tomar uma decisão dessa natureza. E, uma vez tomada essa decisão, há que assumir a responsabilidade por adequar seu ritmo e seus costumes dietéticos ao novo padrão. A luta é individual.
Não esperemos que se torne uma imposição coletiva.

É mais doloroso fazer mudanças na marra do que de boa vontade.


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Olhar Animal – www.olharanimal.org


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