Uma posição abolicionista implica, logicamente, numa extinção por esterilização dos animais domesticados?

O objetivo desse artigo é contribuir com o debate sobre “o que aconteceria com os animais domesticados num mundo onde a exploração animal tivesse sido abolida?”1. Minha meta é apresentar, de uma forma resumida, uma análise crítica dos argumentos mais comumente oferecidos para sustentar que, uma vez abolida a exploração dos animais, deveríamos também extinguir, por esterilização dos membros existentes (não, obviamente, por assassinato), as espécies animais domesticadas.

Minha posição é a de que, embora os defensores da extinção por esterilização apontem para importantes considerações que devemos levar em conta ao deliberarmos sobre a eticidade de se permitir o nascimento de um ser senciente, os argumentos mais comumente oferecidos não são fortes o bastante para sustentar um princípio absoluto quanto a não permitir nascimentos de animais domesticados. Falo de um princípio absoluto porque se o que se pretende é a extinção (terminar com todos os casos), então não há exceção à regra. Defenderei que, levando-se em conta alguns critérios éticos, não é um erro moral permitir (sendo que, em alguns casos, é até mesmo um dever permitir) em determinados casos, o nascimento de tais seres. Em adição a isso, defendo que temos o dever fomentar condições para que esses casos existam. Por outro lado, defendo que é possível haverem casos onde extinções por esterilização se justificam (tais situações serão abordadas no final do artigo), mas que não existem argumentos fortes o bastante para dizer que todos os casos de animais domesticados se enquadram nesse tipo de situação.

Para evitarmos confusões desde o início, gostaria de deixar claro que não defendo uma posição bem-estarista. Minha posição é abolicionista, no sentido em que toda e qualquer exploração sobre os animais é eticamente injustificável, dentre elas, o comércio e posse de animais domesticados, seja lá para quais fins forem, incluindo companhia. O que pretendo mostrar aqui é que uma posição abolicionista não necessariamente leva à conclusão de que devemos extinguir os animais que pertençam a espécies domesticadas2. Para esclarecermos minha posição, é muito importante entender desde já onde não estão baseados os meus argumentos: (1) No benefício que animais domesticados poderiam dar a seres humanos e na falta que eles fariam a seres humanos caso fossem extintos; (2) Num possível “direito” de indivíduos de gerações futuras de nascerem; (3) Num possível valor inerente das espécies (no sentido delas serem dignas de preservação por elas mesmas por serem, por exemplo, formas singulares de expressão da vida). Penso que todas essas questões são também importantes para o debate, mas minha meta aqui é mostrar que é possível manter que o abolicionismo não conduz à extinção sem recorrer a nenhum desses argumentos. Centrarei o argumento aqui simplesmente na hipótese de que, cumpridas determinadas exigências, em determinadas situações é um erro não permitir o casal não-humano se reproduzir caso tenham interesse em fazê-lo e caso seja do interesse deles, fazê-lo3. Uma análise dos argumentos que não foram abordados, bem como uma análise mais detalhada dos argumentos abordados estarão possivelmente num futuro estudo sobre a questão, já que presente artigo visa mais um resumo sobre quais considerações são importantes nesse debate, e não uma análise minuciosa de todos os seus aspectos possíveis.

Podemos iniciar por analisar as razões mais comumente alegadas para se sustentar que uma posição abolicionista conduz automaticamente ao dever de reivindicar a extinção por esterilização dos animais domesticados. É importante lembrar que os defensores da extinção geralmente (com algumas exceções) estão defendendo-a apenas para animais não-humanos domesticados, e não para animais não-humanos silvestres ou animais humanos (silvestres ou urbanos)4. Portanto, um argumento (ou, argumentos) que porventura justifique a extinção deve se aplicar somente ao caso dos animais não-humanos domesticados. Caso não hajam argumentos pró-extinção que se apliquem apenas aos animais não-humanos domesticados, a posição pró-extinção, para manter-se coerente, precisa, (1) ou reivindicar a extinção de quaisquer casos que se encontrem no escopo do argumento oferecido (sejam humanos, não-humanos, silvestres ou urbanos) ou (2) Deixar de reivindicar a extinção em todos os casos semelhantes. Sendo modificada a posição para que seja coerente (seja lá qual opção que se escolha, 1 ou 2) não significa ainda que o argumento que lhe sustenta seja forte, de um ponto de vista ético ou lógico. Pode ser que, apesar de coerente, tal posição esteja errando em todos os casos onde é aplicada. Vamos então a uma análise dos argumentos mais usados para se defender a extinção por esterilização das espécies domesticadas:

(1) O Argumento da violabilidade dos direitos dos pais: é comumente apontado que geralmente os animais domesticados são forçados a se reproduzir. Isso constitui uma violação da integridade física dos animais em questão, bem como um usá-los se fossem meros meios para nossos fins — em suma, um tipo de exploração. Contudo, para se defender a extinção dos animais domesticados, mesmo num mundo onde sua exploração tivesse sido abolida legalmente ou socialmente, teria-se de sustentar o seguinte: (1) É errado forçar um casal a se reproduzir; (2) Todo nascimento de animais não-humanos domesticados ocorre por forçar um casal a se reproduzir; (3) Logo, é sempre errado permitir o nascimento de animais domesticados. Como parece estar claro, a premissa número 2 não é verdadeira, dado que existem casos onde os animais em questão querem se reproduzir por vontade própria. Pode-se alegar, nesse ponto, que a fêmea da espécie pode estar sendo forçada a manter relações sexuais pelo próprio macho da espécie contra a sua vontade. Quando este for o caso, faz sentido afirmar que ela está sendo forçada (não pelos humanos, mas pelo macho da espécie), e que haveria um dever de intervir. Contudo, não é verdade que todos os casos possíveis e reais se enquadram na definição de “forçar o outro a copular” (independentemente de quem esteja forçando). Embora os defensores da extinção apontem para uma importante consideração a levarmos em conta (ou seja, se o ato foi forçado — ou, se permitimos um ato forçado, mesmo que não tenha partido de nós — já começamos errando, e melhor seria não permitir), não é verdade que esse argumento, por si só, é um argumento decisivo pró-extinção, já que ele não se aplica a todos os casos. Vale lembrar que no mundo de animais não-humanos silvestres, as fêmeas podem ser também forçadas a terem relações sexuais. Como os defensores da extinção não estão reivindicando a extinção dos silvestres, o argumento deve ser então, outro.

(2) Argumento da intenção exploratória: Esse argumento afirma que, embora possam haver casos onde os animais não sejam forçados a se reproduzir, geralmente a intenção por trás da permissão desse nascimento é explorar o animal. O argumento diz que: (1) É errado permitir o nascimento de um indivíduo com a intenção é explorá-lo; (2) A intenção por trás dos humanos que permitem o nascimento de animais domesticados sempre é, e só pode ser, a intenção de explorá-los; (3) Logo, é sempre errado permitir o nascimento de animais domesticados. Problemas novamente surgem com a premissa número 2, já que, mesmo hoje quando a vasta maioria dos casos envolvendo animais domesticados se resume a pura e simples exploração, existem já (e sempre existiram) exceções a esse tipo de motivação. A verdade é que existem seres humanos (mesmo que sejam muito poucos) que permitem o nascimento de animais domesticados não com a intenção de explorá-los. Ao invés, visam o bem que o futuro ser desfrutará (tentam garantir-lhe, por exemplo, suprimento de suas necessidades biológicas, psicológicas e sociais). Num mundo abolicionista, é provável que a quantidade de pessoas assim aumentasse, pelo menos um pouco. Independentemente dessa probabilidade se concretizar ou não num futuro abolicionista, é possível uma intenção não exploratória por trás das ações humanas, o que torna a premissa 2 falsa. Onde houver uma intenção moral por trás da permissão, o argumento precisa conceder que não é um erro permitir. Portanto, esse argumento, similarmente ao anterior, traz outra importante consideração sobre a eticidade de se permitir um nascimento (se a intenção é explorar o futuro ser, já podemos considerar esse ato injustificável), mas não se sustenta para defender a extinção por esterilização, já que não se aplica a todos os casos possíveis ou reais.

(3) O argumento da relação inerentemente exploratória: Os defensores da extinção alegam que a questão não é somente a motivação. Alguém pode não ter a intenção de explorar o animal quando permite o seu nascimento, mas, pelo fato do animal ter contato com este ou outros seres humanos, vai, de fato, ser explorado. O argumento é o de que: (1) É errado permitir o nascimento de alguém quando a vida futura estará envolta numa relação exploratória (mesmo que a motivação não seja exploratória); (2) Toda relação humano/não-humano domesticado ée só pode ser, exploratória; (3) Logo, é sempre errado permitir o nascimento de animais domesticados. Novamente, temos um problema com a premissa número 2. Mesmo que toda relação atualmente fosse assim (e, já vimos, isso não é verdade, mesmo que sejam exceções à prática comum), não significa que ela só pode ser assim, e que todo caso será, de fato, assim. Suponhamos, por exemplo, cavalos vivendo em grupo num vasto campo, onde os humanos só aparecem para zelar pela sua saúde e suprimento de necessidades biológicas, psicológicas ou sociais (os cavalos não estão vivendo ali porque isso traz algum benefício a humanos; pelo contrário, a intenção no exemplo é garantir uma vida boa do ponto de vista dos cavalos apenas). Classificar essa relação como exploratória é distorcer a idéia de exploração, que se caracteriza pelo fato do explorador retirar um benefício às custas de danos (por inflição ou privação) no explorado. Alguém pode ainda perguntar: “e como vamos garantir que eles não serão explorados?”. Vale lembrar que o que estamos discutindo, num primeiro momento, não é a questão política, mas ética. Ou seja, em primeiro lugar, o que precisa ficar decidido não é “como vamos impedir aqueles que querem explorar os animais?”, mas sim, se “seria errado, mesmo para pessoas que não vão explorar os animais, permiti-los nascer?”. Caso for, deve ser por outro motivo que não o alegado pelo argumento número 3.

(4) O argumento da relação inerentemente danosa: com minha análise dos argumentos anteriores, os defensores da extinção podem apontar que eu não entendi, de fato, o que eles querem dizer. Na verdade, não estão afirmando que toda relação humano/não-humano é, por si, exploratória, mas sim que, mesmo não explorando, sempre é causado um dano ao animal não-humano. O argumento é o de que (1) É errado permitir o nascimento de alguém quando a vida futura estará envolta numa relação que causa dano (mesmo que nem a motivação nem a relação sejam exploratórias); (2) Na vida de todos os animais domesticados existem relações que causam dano; (3) Logo, é sempre errado permitir o nascimento de animais domesticados. À primeira vista, a premissa número 1 parece estar correta. Contudo, não temos mais tanta certeza assim quando fazemos uma analogia da segunda premissa com o caso de seres humanos ou animais silvestres. A verdade é que todas as vidas, sem exceção (humanas, não-humanas, urbanas, rurais ou silvestres), estão envoltas em relações que causam algum dano. A questão, então, não é saber se a vida futura encontrará pela frente relações que causem algum dano, mas se o dano será tão grande que supera, de longe, todos os possíveis benefícios. Enfim, é necessária uma análise da qualidade de vida, que é exatamente o que não é contemplado pelo presente argumento. Isso nos leva ao argumento seguinte:

(5) Argumento sobre a qualidade de vida. O argumento pode ser resumido assim: (1) É errado permitir o nascimento de alguém quando a qualidade da vida futura será provavelmente muito baixa (independentemente da motivação ser boa, de não ter havido exploração sobre os pais e da relação futura não ser exploratória); (2) A qualidade de vida dos animais domesticados sempre ée só pode ser, muito baixa; (3) Logo, é sempre errado permitir o nascimento de animais domesticados.

Novamente, a premissa número 2 é falsa. É verdade que quase a totalidade dos animais domesticados vivos hoje ou que já viveram (incluindo aqueles que são considerados membros da família) não têm (ou não tiveram) uma vida que se possa classificar como boa, nem minimamente boa, do ponto de vista deles próprios. É claro, uma análise do que constitui uma vida minimamente boa é sempre um ponto de intensa discussão. Mas, não é porque não podemos dar uma resposta precisa, que não conseguimos enxergar onde estão os dois extremos (de uma vida muito ruim a uma muito boa). O ponto mais importante que esse argumento tem a nos lembrar, é que os animais (mesmo quando são tratados como membros da família — sem contar o tormento dos que vivem em granjas industriais) não levam vidas com uma qualidade minimamente boa se, por exemplo, são mantidos em apartamentos e não possuem contato com outros membros de sua espécie, não possuem um amplo espaço para suprirem suas necessidades (tanto biológicas quanto psicológicas e sociais), nem para circularem livremente. Esse argumento possui a virtude de nos lembrar que, se existirem motivos para continuarmos tendo contato com animais domesticados, nossa relação com eles deveria mudar radicalmente, a fim de não tornar a vida deles um inferno para eles e um deleite para nós.

Contudo, dizer que a imensa maioria dos casos é assim é bem diferente de dizer que todos os casos são assim e que só poderia ser assim. Lembrar que algo deveria ser mudado radicalmente não é o mesmo que dar um argumento para que ele seja extinto. Mesmo hoje existem exceções onde animais domesticados vivem uma vida minimamente ou razoavelmente boa de seu próprio ponto de vista. É provável que, num mundo abolicionista, existissem mais casos desse tipo. Pegando como exemplo essas relações que proporcionam uma qualidade de vida razoável ao animal, o que haveria de errado com elas? Se houver algo de errado, não pode ser a quantidade de dano, já que a vida em questão possui uma qualidade razoável. Portanto, embora traga um aviso dos mais importantes, o argumento da qualidade de vida não serve para justificar a extinção. Podemos concluir outra coisa importante da análise do presente argumento: uma posição abolicionista não requer que sejam extintas toda e qualquer relação humano/não-humano, já que há a possibilidade de algumas delas serem muito mais benéficas do que danosas para todos os envolvidos. Interações humanos/não-humanos não são inerentemente ruins nem boas. Elas dependem de como escolhemos construí-las.

O comentário seguinte visa mostrar que a proposta de extinguir, se mantida como está (sendo proposta apenas para domesticados e não para silvestres), não pode se apoiar num argumento baseado na preocupação com o dano. As relações existentes no mundo silvestre não são inerentemente boas, do ponto de vista dos indivíduos que nelas estão inseridos, ao contrário do que gostamos de imaginar do ponto de vista de quem olha de fora (e possui o interesse em ver o mundo natural se perpetuar exatamente como é). Os animais no mundo silvestre frequentemente vivem vidas com qualidades muito baixas e muito curtas. O filósofo Mark Sagoff relembra que, “desde Darwin, somos conscientes de que poucos organismos sobrevivem até chegarem à maturidade sexual [sendo que] as maneiras nas quais as criaturas na natureza morrem são tipicamente violentas: predação, inanição, doenças, parasitismo, frio5” (SAGOFF, 1993, p. 89). Podemos lembrar ainda que, na natureza, muitos animais também nascem com graves defeitos físicos, o que lhes proporciona uma vida curta (quando têm sorte) e com intenso sofrimento. Na natureza, também muitas vezes as fêmeas são forçadas a terem relações sexuais. O autor defende que “se o animal silvestre pudesse entender as condições nas quais nasce (…) poderia razoavelmente preferir nascer numa fazenda, (…) a miséria dos animais na natureza — que os humanos podem fazer muito para aliviar — torna toda outra forma de sofrimento pequena em comparação” (SAGOFF, 1993, p. 89)6. A vida na natureza não é esse paraíso que os humanos que vivem em grandes centros urbanos gostam de montar em seu imaginário. Não é exagero dizer que um animal domesticado tem mais possibilidades de viver uma vida boa (de seu próprio ponto de vista) e morrer de velhice caso sejam tomadas algumas precauções do que um animal silvestre. Apesar disso, os defensores da extinção mantêm que ela deve se aplicar somente a animais domesticados. Note que não estou defendendo que animais silvestres também deveriam ser extintos por esterilização. Talvez devêssemos é fazer o contrário: se estamos seriamente preocupados com o dano que os animais podem sofrer (e, penso que deveríamos estar, se pretendemos que nossa posição seja ética), deveríamos começar a nos preocupar com a qualidade de vida e sofrimento de animais silvestres também. Vale lembrar que animais possuem outros interesses (como o de desfrutarem do prazer e evitar sofrimento) para além de terem liberdade corporal7.

Nesse ponto, alguns apontariam para o fato de que, no caso dos domesticados, o mal que é feito a eles é feito por nós, e o mal que é feito aos silvestres é feito por forças naturais ou pela ação de outros animais, das quais não temos culpa. O problema com esse raciocínio é que não significa que só porque um dano não teve origem em nós, não temos dever de evitá-lo. Se temos condições de evitá-lo ou, se podemos pensar em maneiras de evitá-lo, pode-se dizer igualmente que tal dano é causado também por nós (porque não o evitamos nem buscamos maneiras de evitá-lo), ainda que não tenha origem em nós. Afirmar que só somos responsáveis pelo dano que parte de nossas ações mas não de nossas omissões é uma tentativa de fingir a si próprio uma “pureza”, mas não uma tentativa de realmente se preocupar com o bem do outro (que é de onde deveria partir a preocupação ética)8. Trago a comparação, por enquanto, apenas para lembrar que se não é a preocupação com a qualidade de vida que os defensores da extinção têm em mente, que preocupação é essa, que, além de dar uma justificativa para a extinção, distingue animais domesticados de silvestres? O próximo argumento é uma tentativa nesse sentido:

(6) Argumento sobre dependência. Um dos argumentos mais usados para se defender a extinção dos animais domesticados é apontar que, estes, diferentemente de animais silvestres e similarmente a seres humanos com graves doenças degenerativas, são totalmente dependentes de seres humanos, e durante suas vidas inteiras. Essa posição mantém que indivíduos assim, mesmo que haja alguém disposto a cuidar de suas necessidades, nunca levarão uma vida minimamente boa, já que um certo grau de autonomia é um fator muito importante na qualidade de vida de um animal, seja humano, seja não-humano. Para uma análise desse argumento, é preciso inserir a noção semelhante, mas não exatamente igual à de autonomia prática. Tal como cunhado pelo jurista e defensor dos direitos animais Steven M. Wise9, o conceito de autonomia prática envolve pelo menos duas habilidades: (a) suprir suas necessidades a partir de suas próprias forças e, (b) fazer isso sem colocar em risco a integridade física sua e dos outros. No que interessa nossa análise, por enquanto, podemos descartar o “sem colocar em risco a integridade física dos outros”, já que a discussão gira em torno de se alguém possuirá algum grau de conhecimento para “se virar sozinho” ou não. A outra parte será discutida adiante. A autonomia da qual falo aqui é, então, diferente da autonomia prática de Wise, sendo que, já que o autor vê como necessárias que as duas condições sejam cumpridas (entre outras condições), afirmará que menos animais possuem capacidade para autonomia prática do que se, como estamos fazendo aqui, por enquanto, adotasse apenas a primeira condição como necessária. Para evitarmos confusões, chamarei de autonomia de provimento.

O argumento sobre a dependência diz o seguinte: (1) É errado permitir o nascimento de alguém que nunca possuirá o mínimo grau de autonomia de provimento; (2) Animais não-humanos domesticados nunca possuirão o mínimo grau de autonomia de provimento; (3) Logo, é errado permitir o nascimento de animais domesticados. Embora a premissa número 1 também seja discutível (é possível, embora raro, existirem casos alguém que não tenha autonomia de provimento mas tenha alguém que cuide do provimento de suas necessidades biológicas, psicológicas e sociais leve uma vida minimamente boa), vou me concentrar novamente sobre a premissa número 2. Não é verdade que animais domesticados não podem desenvolver autonomia de provimento. Se deixarmos de lado por um momento a exigência de que “não coloquem em risco a integridade física dos outros”, o normal é que estes animais desenvolvam habilidades para prover suas necessidades. O que acontece geralmente é que os humanos os impedem de desenvolver esse tipo de autonomia. Assim, há uma diferença moralmente relevante que não é levada em conta pela comparação com humanos com doenças degenerativas: no caso destes humanos, o impedimento para o desenvolvimento da autonomia de provimento vem das próprias limitações de seus corpos; no caso dos animais domesticados, em geral, o impedimento vêm não deles próprios, mas do fato de humanos impedirem esse desenvolvimento (por manterem-nos isolados de outros membros de sua espécie, por manterem-nos em isolamento numa corrente, apartamento ou quintal, etc. — em suma, por retirar sua liberdade corporal). Não havendo tais impedimentos, os animais normalmente desenvolveriam um certo grau de autonomia de provimento. É claro, para isso, nossa relação para com eles teria de ser radicalmente modificada, mas isso não é impossível, apesar de difícil. Seria um dos desafios de se construir um mundo abolicionista.

A comparação com humanos com doenças degenerativas, portanto, não se sustenta. A questão não é se alguém é ou não é totalmente dependente de outros, mas o quão dependente alguém é, e sobre onde traçar o grau mínimo para se constituir um acerto permitir o nascimento do futuro ser. Já que existem variedades de graus de autonomia de provimento, pode ser que uns necessitem ser mais tutelados do que outros, mas isso é bem diferente de dizer que eles todos são tão dependentes quanto um humano com uma doença degenerativa mental séria. Sobre a quantidade de dependência, veremos um argumento a seguir. Por enquanto, basta concluirmos que o argumento sobre dependência não apresenta então, uma razão para a extinção — ele nos diz, no máximo, que quanto maior a dependência, mais a necessidade de prestar assistência —, embora traga outra importante consideração para ser adicionada à lista de critérios que deveriam nos guiar quando decidimos se é melhor ou não permitir um nascimento.

(7) Mas, animais domesticados não são tão independentes quanto selvagens nem quanto humanos adultos. Diante do fato de que, se permitidos, os animais domesticados também desenvolvem, em algum grau, autonomia de provimento, é apontado que “porém, eles nunca terão o mesmo grau de autonomia de um animal silvestre; por exemplo, não sobreviveriam se fossem deixados sozinhos na selva”. Apontam então que, diferentemente dos animais silvestres, estão mais sujeitos a danos (maior a vulnerabilidade) por não serem tão autônomos. Esse argumento assume que (1) Quanto maior a dependência, maior a vulnerabilidade. Até aqui, somente uma constatação de um fato. Contudo, como vimos na análise do argumento anterior, parece que animais domesticados só “são” assim tão dependentes porque não permitimos nem criamos condições para que eles desenvolvam autonomia de provimento em grau algum. Assumindo por um momento a afirmação duvidosa de que nenhum animal de uma espécie domesticada pudesse desenvolver habilidades para sobreviver num ambiente silvestre caso fosse colocado ou nascesse nesse mesmo ambiente, vemos que mesmo assim uma defesa da extinção dos animais domesticados baseada nessa comparação com os silvestres tem de se embasar na seguinte conclusão: (2) Só é correto permitir o nascimento de seres totalmente independentes de seres humanos.

Temos de perguntar qual a razão da conclusão número 2. Os seus defensores teriam de dizer que a razão é que a vulnerabilidade ao dano é maior num ser que é menos autônomo, e que isso pode vir a comprometer sua qualidade de vida. Caso afirmassem que é porque uma vida nunca pode ser razoavelmente boa para um animal não-humano a menos que se tenha a autonomia de provimento de um animal silvestre, se deparariam com um problema, já que, o animal domesticado, por não viver num ambiente que requer esse tipo de autonomia e, por não ser o tipo de indivíduo que desenvolve esse tipo de autonomia (caso desenvolvesse, poderia muito bem sobreviver sozinho na selva), provavelmente não sente falta da habilidade em questão.

Um exemplo, nesse ponto, ajudaria a clarificar as coisas: não lastimamos o fato de que humanos que moram em centros urbanos não têm, geralmente, habilidade para sobreviverem sozinhos numa floresta. O nosso modo de vida não requer esse tipo de habilidade. Igualmente sem sentido seria lastimar o fato de que humanos vivendo em um ambiente silvestre (uma tribo indígena, por exemplo) não possuem diploma universitário. Não lhes faz falta alguma, para o modo de vida que cultivam, a habilidade para retirar tal diploma. Igualmente, não faz sentido dizer que um “cão freegan” (aqueles que, por terem sido abandonados desenvolvem a habilidade de encontrar comida procurando nos lixos) não possui autonomia de provimento suficiente só porque, caso fosse deixado sozinho numa selva, poderia não saber sobreviver (por ser uma presa fácil para outros animais por ser dócil). Ele não vive numa floresta. Nem parece adequado aqui dizer que o animal silvestre é capaz de mais habilidades do que o domesticado. O que parece adequado dizer é que esses animais desenvolveriam habilidades diferentes (por viverem em ambientes que colocam desafios diferentes), caso fossem permitidos desenvolvê-las.

Defender a extinção dos animais domesticados com base na alegação de que eles não possuem as mesmas características de um animal silvestre parece mais uma repugnância ao fato do animal domesticado ter perdido seu “instinto selvagem”, que é admirado pelos que gostariam que o cão, como o lobo, fosse um predador. Mas, é preciso lembrar, esse é um gosto que alguns humanos nutrem pela predação, e nada tem a ver com um critério para afirmar que possui e quem não possui autonomia de provimento. A questão crucial é, portanto, “que grau de autonomia de provimento (e que tipos de habilidades) é razoável esperar que alguém desenvolva, de acordo com os desafios colocados pelo tipo de ambiente no qual nascerá, para que consiga realizar o seu bem a partir de suas próprias forças?”.

(8) O argumento do “entregar à própria sorte”: Para que a constatação de que um animal domesticado não possui as mesmas habilidades de um animal silvestre fosse relevante aqui, teria-se de sustentar que os abolicionistas que são contrários à extinção pretendem inserir os animais domesticados no mundo selvagem. Tal argumento comete o erro de assumir que aqueles que são contrários à extinção devem querer que os animais sejam devolvidos à natureza. Uma outra variante desse argumento sustenta o seguinte: “como irão os animais domesticados sobreviver se largados nas ruas, já que não possuem o mesmo tipo e grau de autonomia de um humano adulto normal?”.

Mas, não há porque supor que os opositores da extinção deveriam sustentar uma dessas duas posições, já que as duas seriam negligência. O que as pessoas contrárias à extinção precisam sustentar, é que a sociedade humana precisa se modificar a ponto de permitir o saciar das necessidades (biológicas, psicológicas e sociais) dos animais que pertençam à espécies domesticadas, incluindo a possibilidade do desenvolvimento da autonomia de provimento. Isso requereria, por exemplo, que houvessem postos públicos com fornecimento de cuidados de saúde, comida e abrigo, e também que houvessem lugares onde tais animais pudessem circular livremente e relacionarem-se com quem preferissem (inclusive irem eles mesmos até os postos de fornecimento)10. Isso teria o efeito de tornar os animais domesticados menos dependentes de indivíduos humanos em particular (embora não impedisse deles se relacionarem com humanos, caso preferissem), sendo que ficariam (assim como todos os outros humanos) dependentes de políticas públicas. Seria uma mudança radical e difícil em nossa sociedade, mas, às vezes (e não raras vezes) a decisão correta a se tomar é a mais difícil. Por outro lado, afirmar que, diante de um mundo baseado em injustiça, o que deve ser modificado é que não deveriam existir mais as vítimas da injustiça (no caso, os animais domesticados), é dar a entender que não há nada de errado com esse tipo de mundo, mas sim, com os que são explorados por ele.

Outra coisa que é perdida de vista pelo argumento do “entregar à própria sorte”, é que os humanos adultos normais têm mais chances de sobreviverem na sociedade urbana humana justamente porque tal sociedade foi desenhada para atender a interesses de humanos. Há um mito do “agente independente” lutando para sobreviver de acordo com suas próprias forças. Tal mito mascara o fato de que todos nós somos também dependentes (seja de outros indivíduos, seja de instituições que garantem a possibilidade de buscarmos a satisfação de nossas necessidades e interesses)11.

Sendo que o argumento acima, para fazer sentido, precisa levar esses fatores em conta, deve ser apresentado da seguinte maneira: (1) É errado permitir o nascimento de um ser quando não há ninguém para ajudar no suprimento de suas necessidades; (2) Animais não-humanos domesticados não possuem, e nunca possuirão, ninguém para ajudar no suprimento de suas necessidades; (3) Logo, é sempre errado permitir o nascimento de não-humanos domesticados. O problema com a tentativa de usar esse argumento para justificar a extinção é que, já que a premissa número 2 é falsa, onde houver alguém (seja indivíduo, seja instituição) para ajudar no suprimento das necessidades dos animais, os defensores de tal argumento precisam, por coerência, serem favoráveis ao nascimento.

(9) O argumento da quantidade de vulnerabilidade ser função da quantidade de dependência: Os defensores da extinção insistirão: pelo fato dos animais domesticados serem mais dependentes de humanos do que os silvestres, estarão mais vulneráveis ao dano. É, no mínimo, questionável essa afirmação (dado que, enquanto que o animal domesticado corre o risco de ser, por exemplo, acorrentado ou abatido, o animal silvestre corre o risco de ser, por exemplo, predado ou morrer por inanição — a despeito de sua autonomia de provimento). Deixando de lado, para fins de argumentação, esse questionamento, vejamos o argumento: (1) É errado permitir o nascimento de alguém que estará, sempre ou em algum momento de sua vida, vulnerável a ser danado ou explorado por outros — mesmo que a intenção em permitir o nascimento e qualidade de vida futura sejam boas e existam condições para o desenvolvimento da autonomia de provimento (ou, se não, que haja um tutor disposto a cuidar de seu bem-estar); (2) Animais não-humanos domesticados estarão, sempre ou em algum momento de suas vidas, vulneráveis a serem danados ou explorados por outros; (3) Logo, é sempre errado permitir o nascimento de animais domesticados.

Obviamente, a premissa número 1 precisa ser modificada; do contrário, seria errado permitir o nascimento de qualquer indivíduo, dado que todos eles (incluindo nós) estão, em algum momento de suas vidas, vulneráveis a serem danados. Como no caso da qualidade de vida, a questão aqui não é saber se estaremos vulneráveis ou não ao dano, mas sim, saber se o grau de vulnerabilidade do futuro ser será tão grande a ponto de vermos essa vida e sua qualidade como extremamente frágeis. Esse, contudo, não parece ser o caso de todos os animais domesticados, nem hoje, nem para os que por acaso existiriam num mundo onde o abolicionismo fosse declarado. É provável que existiriam muitos casos onde haveria menos vulnerabilidade do que muitos casos de animais silvestres, principalmente onde existirem humanos interessados em garantir que sua vida tenha uma qualidade boa, já que haveria alguma proteção. Pode até mesmo acontecer que um indivíduo com autonomia de provimento esteja mais vulnerável do que um que não possui qualquer grau da mesma autonomia, mas está sendo protegido por outro indivíduo com um forte comprometimento pelo seu bem. Então, não pode ser verdade que a quantidade de vulnerabilidade é, sempre, função da quantidade de dependência. É bem provável que depender de seres humanos motivados por um desejo de explorar deve ser algo terrível, mas não fica claro porque depender, em algum grau de seres humanos motivados eticamente seria algo tão terrível assim. Contudo, podemos aprender, desse argumento, outro critério importante na hora de vermos se um nascimento deve ser permitido ou não: haverá alguém para prover as necessidades do futuro indivíduo, pelo menos até o ponto em que ele não desenvolveu autonomia de provimento ainda? A pergunta se modifica um pouco para o caso daqueles indivíduos que, devido a impedimentos de seu próprio organismo, nunca possuirão autonomia de provimento: haverá alguém disposto a prover as necessidades do futuro indivíduo, por toda a sua vida?

(10) O Argumento do desaparecimento da proteção: Alguns defensores da extinção ainda dirão: “mesmo que haja uma qualidade de vida boa, que o animal possa desenvolver autonomia de provimento, e que haja alguém (ou uma política pública) zelando pela sua integridade física, essa proteção pode desaparecer a qualquer momento, seja lá por qual motivo for”. O argumento é o seguinte (1) É errado permitir o nascimento de alguém quando existe a probabilidade dele ser explorado caso a proteção desapareça; (2) Há probabilidade de animais não-humanos domesticados serem explorados caso desapareça a proteção que zela pelo seu bem; (3) Logo, é errado permitir o nascimento de não-humanos domesticados.

É importante salientar que esse é um argumento é que depende de fazermos suposições sobre as consequências. A pergunta óbvia é “a proteção corre risco de desaparecer?”. “Esse risco é grande ou pequeno?”. Só faz sentido dizer que não devemos permitir tais nascimentos quando o risco da proteção desaparecer for muito grande. Talvez isso faça sentido na maioria (ainda que não em todos, o que já não justifica a extinção) dos casos do mundo atual, mas faria muito menos sentido num mundo abolicionista. Se os defensores da extinção mantém que até mesmo num mundo abolicionista esse critério teria validade, mesmo com a probabilidade sendo bem menor, então novamente é válido perguntar por que isso só se aplica a animais não-humanos domesticados e não a humanos ou a animais não-humanos silvestres, dado que, pelo menos no caso dos últimos, a probabilidade do desaparecimento da proteção (a morte de uma mãe que é predada, por exemplo) é bem maior do que o desaparecimento da proteção de animais domesticados num mundo abolicionista. Alguém pode dizer: “num mundo onde a exploração é a regra, não devemos permitir o nascimento daqueles que serão explorados”. Mas num futuro onde o uso de animais tivesse sido abolido, a sociedade não estaria mais vivendo de acordo com a regra “explore os animais!”. Além disso, esse argumento não nos dá uma razão do porquê não deveríamos tentar reverter essa regra.

Analisemos a premissa número 1. Supondo que uma facção racista branca tome o poder e que a escravidão humana volte a vigorar enquanto instituição. Seria muito provável, numa situação dessas, que os humanos afro-descendentes voltassem a ser escravizados. Essa seria uma razão para se defender, então, que não deveriam ser permitidos mais nascimentos de afro-descendentes, nunca mais (nem mesmo quando a escravidão tivesse sido abolida novamente)? Se for mantido que sim, tal decisão parece querer dizer que devemos eliminar são aqueles vulneráveis à tirania, e não a própria tirania. Isso é adotar a mentalidade do explorador, que é o que acontece quando tal argumento é endereçado para se defender a extinção dos animais domesticados. Do presente item, a conclusão é que apenas pela possibilidade que alguém usar um indivíduo como recurso (e todos os indivíduos estão vulneráveis a essa possibilidade) não se constitui uma razão suficiente para tomar medidas políticas de extinção em massa da espécie a qual pertence esse indivíduo. Serve, sim, para tomarmos medidas para a extinção das ações que visam explorar e danar tais indivíduos.

(11) Argumentos de ladeira escorregadia: O argumento acima faz parte de uma “família” de outros argumentos do tipo ladeira escorregadia, ou seja, argumentos que dizem que não devemos dar um primeiro passo em direção a algo que provavelmente será bom (por exemplo, permitir o nascimento de um ser que tem condições de ter uma qualidade de vida razoavelmente boa) porque ele pode “escorregar” para algo muito ruim. Outros exemplos de argumentos desse tipo usados nessa discussão são (A) “É errado permitir o nascimento de animais domesticados porque existe a possibilidade futura deles serem explorados”. Como essa possibilidade existe no caso de qualquer indivíduo (por exemplo, a qualquer momento um maníaco pode fazer-nos de reféns), geralmente o argumento é modificado para (B) “É errado permitir o nascimento de animais domesticados porque existe a probabilidade futura deles serem explorados”. Contudo, mesmo hoje quando a regra geral de nossa sociedade é explorar animais, encontramos alguns casos onde essa probabilidade é muito pequena. Num mundo onde o abolicionismo fosse mais difundido, a tendência é essa probabilidade ser cada vez menor. Aliás, o dever a ser reconhecido é lutar para que a probabilidade da exploração voltar a acontecer seja cada vez menor. Um outro argumento desse tipo é o seguinte: (C) É errado permitir o nascimento de alguém quando existe a possibilidade de outras gerações depois da sua serem exploradas. Esse argumento é endereçado quando se aponta que, mesmo depois que o abolicionismo fosse decretado, ele não duraria por muitas décadas. Como essa possibilidade também existe em qualquer caso (incluindo o nosso), o argumento também precisa ser modificado para (D) “É errado permitir o nascimento de alguém quando existe a probabilidade de outras gerações depois da sua serem exploradas”.

Há sempre problemas provar probabilidades futuras. Com o argumento D acima, a dificuldade se intensifica, pois estamos falando de gerações (um tempo longo). Enquanto não são apresentados dados empíricos que comprovem essas suposições, a probabilidade alegada é somente uma possibilidade, dentre milhares de outras. Contudo, o problema maior é que esse argumento não oferece uma razão do porquê seria um erro permitir o nascimento do ser atual (supondo, é claro, que a vida futura desse ser tivesse uma qualidade razoavelmente boa e não fosse explorado). No máximo, esse argumento dá uma razão para não permitirmos esse ser se reproduzir quando a probabilidade da exploração voltar a acontecer se tornar extremamente grande. Vale lembrar ainda que todos esses quatro argumentos se aplicam também ao caso dos animais silvestres e ao caso dos seres humanos. Se a posição de que devemos extinguir por esterilização os animais domesticados pretende fazer algum sentido, precisa buscar outro argumento que não os quatro argumentos de ladeira escorregadia acima.

(12) O argumento do status de propriedadeO atual status jurídico dos animais não-humanos (domesticados e silvestres, é bom que se lembre) é o de itens de propriedade. Isso significa que, perante à lei, eles são coisas das quais os seus donos possuem o direito de fazer o que bem entenderem, não importa o quão danosa seja a ação para os animais em questão. Atualmente, devido a esse status, muito pouco (quase nada) se consegue fazer legalmente para inibir práticas exploratórias sobre os animais. Ao contrário, tais práticas são protegidas por lei. Não importa o quão bem intencionados sejam certas pessoas quanto a animais domesticados; perante a lei eles ainda são proprietários, e a lei fará de tudo para garantir o seu direito de explorar sua propriedade caso resolvam fazer isso.

A partir dessa constatação, defensores da extinção alegam que: (1) É errado permitir o nascimento de alguém que não terá direitos legais (será considerado propriedade de quem o permitir nascer) — mesmo que a motivação, interação e qualidade de vida sejam boas, e haja possibilidade do desenvolvimento de autonomia de provimento (ou na falta dessa, a presença de alguém responsável lhe fornecendo cuidado). Para se aplicar tal regra com vistas a se defender a extinção por esterilização — mesmo num mundo abolicionista — dos animais domesticados, precisa-se pressupor o seguinte: (2) Animais não-humanos domesticados não possuem, e nunca possuirão direitos legais, são e serão sempre considerados propriedade dos que permitem o seu nascimento. A partir daí, é concluído que (3) Logo, é sempre errado permitir o nascimento e animais domesticados.

Problemas aparecem já na primeira premissa do argumento. Até algumas décadas atrás, mulheres eram consideradas itens de propriedade de seus pais ou maridos. Daí não concluiu-se que era um erro permitir o nascimento de meninas, mas sim que o status jurídico delas deveria ser modificado. É verdade, a premissa 1 assume um exemplo onde não há como modificar esse status jurídico, mas isso não é verdade com relação a casos reais. O próprio caso dos animais não-humanos é um exemplo: os abolicionistas vêm tentando retirá-los da categoria de propriedade. Se isso não fosse possível, não haveria porque lutar por isso. Mesmo assim, supondo que vivêssemos num mundo onde as mulheres seriam consideradas eternamente pela lei itens de propriedade. Seria um erro para um casal que não pretende explorar suas futuras filhas (e, além disso, pretendem garantir-lhes proteção) permiti-las nascer? A partir desse exemplo podemos perceber que a esfera das decisões éticas não se limita a decisões jurídicas. No entanto, não precisamos nos preocupar com esse exemplo fictício onde é impossível retirar alguém da categoria de propriedade. A conclusão é simplesmente que temos de acabar com esse status de animais enquanto itens de propriedade. Se a decisão ética de permitir um nascimento já não é determinada de antemão hoje em virtude desse status jurídico, muito menos será num mundo onde a abolição desse status já terá ocorrido e existirão direitos legais aos futuros animais não-humanos. Parece estranho se defender que, num futuro onde houvesse se atingido a abolição do uso de animais, onde as probabilidades para eles terem uma vida boa seriam maiores, daí sim, deveríamos impedi-los de nascer.

(13) O argumento da única solução: Esse argumento diz que “a única maneira de manter o abolicionismo depois que tivesse sido estabelecido é extinguir os animais domesticados — logo, vamos extingui-los”. Tal argumento pode ser resumido assim: (1) Quando existe apenas uma solução para solucionar um problema, ela é sempre justificável; (2) A única maneira de manter o abolicionismo é extinguir as espécies vulneráveis; (3) Logo, extinguir as espécies é justificável. Para começar, a primeira premissa não é assim tão fácil de se defender, principalmente para abolicionistas. Caso defendam a primeira premissa terão de defender também a experimentação animal, em casos onde seja comprovado que esta seja a única solução para um determinado problema. Teriam de defender também que, caso fosse comprovado que a única solução para uma determinada doença seria usar humanos em experimentos extremamente dolorosos sem o seu consentimento, o experimento se justificaria — o que é problemático, para qualquer defensor sério de direitos. Além desse problema, defender que algo é “a única maneira” é geralmente difícil. Só saberemos se algo é a única solução depois que tenhamos tentado exaustivamente todas as outras maneiras possíveis e estas tenham se mostrado ineficazes. Como podemos ter tanta certeza que a extinção por esterilização é a única maneira do abolicionismo prevalecer se, no momento, não tentamos exaustivamente as outras maneiras (por exemplo, não tentamos modificar nossa relação com animais domesticados nem a organização política de nossa sociedade)? Portanto, não está provada a veracidade da premissa número 2. Ela só será provada quando todas as outras alternativas tiverem sido tentadas exaustivamente e tiverem, em todos os casos, se mostrado ineficazes. Caso isso acontecesse (o que é improvável), ainda restaria a pergunta: “sendo esta a única alternativa, ela é justificável eticamente?”.

Nesse ponto, os defensores do argumento poderiam modificá-lo, alegando que “embora possam existir outras alternativas, extinguir é ainda uma alternativa disponível”. Em seguida, conclui-se “então, ela é justificável”. O argumento parte agora da idéia de que “quando existem várias soluções para um problema, todas elas são justificáveis eticamente”. Obviamente, isso não é verdade, dado que certas soluções podem, por exemplo, se basear em injustiça. Mas, supondo que a extinção por esterilização fosse uma opção eticamente justificável, mas que ao mesmo tempo, houvessem outras possíveis soluções. O argumento agora é o seguinte: (1) Quando existem várias soluções para um problema, todas elas são igualmente boas; (2) A extinção das espécies domesticadas é uma solução para o problema da tirania sobre indivíduos vulneráveis; (3) Logo, extinguir espécies domesticadas é uma solução tão boa quanto qualquer outra, contra a tirania. Como vimos anteriormente, não é verdade que todas as soluções para um determinado problema são igualmente boas, já que existem soluções que não são, sob hipótese alguma, boas, do ponto de vista ético. Tome como exemplo o fato de que usar homens afro-descendentes pobres como modelos de testes sobre a sífilis, sem consentimento, foi uma solução no avanço do estudo sobre a doença12. Pode ser que o fim fosse louvável, mas o meio era totalmente perverso, apesar desse meio ser uma possível solução. Então, não pode ser verdade que todas as soluções são igualmente boas, já que umas causam menos dano do que outras, e umas impedem mais benefícios do que outras, umas violam direitos e outras não. A questão crucial se torna então, saber se não existe alguma outra solução possível de ser tentada que seja, pelo menos, menos pior do que a extinção (mesmo supondo que a extinção seja justificável). Não saberemos isso com certeza até tentarmos exaustivamente as outras alternativas, mas, de antemão, podemos perceber que outras alternativas que não a extinção possuem a vantagem de não eliminarem por completo a possibilidade do desfrute do prazer por parte dos seres pertencentes àquelas espécies.

Se pensamos que é um mundo melhor aquele onde, além de humanos, porcos, galinhas, vacas, bois, cães, gatos, etc. também podem continuar existindo e desfrutarem do prazer, então as alternativas que visam essa meta devem receber prioridade nas tentativas. Só porque extinguir é uma alternativa mais fácil não significa que ela seja melhor. Dizer que a extinção deve ser feita só porque ela é possível, é parecer afirmar que os vulneráveis não tem muito valor, a ponto de não ser dado o trabalho de serem tentadas outras soluções. Pode-se alegar que a extinção é mais fácil. Mas, seria mais fácil extinguir a vida na Terra por inteiro, por esterilização. Nesse caso, realmente, não haveria miséria alguma na Terra (nem felicidade alguma também), mas, mesmo sendo mais fácil, pode-se dizer que essa é uma solução que visa o aprimoramento de um projeto ético? Vale lembrar que tal proposta está baseada na tentativa de eliminar os vulneráveis com vistas a eliminar a tirania. Eliminar os animais domesticados resolveria o problema da tirania, ou outros indivíduos vulneráveis seriam explorados no lugar deles, caso a mentalidade tirânica continuasse a florescer? Por essa lógica, a tirania só acabaria quando não houvessem mais seres vulneráveis a quem explorar. Mas, onde houverem dois, provavelmente um será mais vulnerável do que outro. Se um dos dois possui uma mentalidade tirânica, haverá exploração. O que podemos concluir é que, se é a tirania o problema, o combatemos do lado errado se eliminamos quem é atacado pelo problema e não tentamos eliminar a fonte do problema (a idéia de que é permitido causar mal ao outro).

(14) Argumento da motivação para a criação da espécie: Esse argumento aponta para o fato de que, independentemente do futuro indivíduo em questão ter uma probabilidade alta de ter uma vida razoavelmente boa e a motivação por trás da permissão de seu nascimento sejam éticas, a espécie a qual o indivíduo pertence foi “criada”, no passado, para ser explorada, através da domesticação. Gary Francione, por exemplo, observa: “Pra começo de conversa, cometemos um erro moral ao domesticar os animais. Por que perpetuar esse erro?13“. Esse argumento pode ser resumido assim: (1) É errado permitir o nascimento de alguém que é membro de uma espécie que foi criada com vistas a ser explorada, independentemente do possível benefício aos futuros indivíduos que nasceriam nessa espécie (que a motivação e qualidade de vida sejam boas, hajam condições para o desenvolvimento da autonomia de provimento e haja ou possam haver no futuro, direitos legais garantindo a proteção desses seres, por exemplo); (2) Animais não-humanos domesticados pertencem à espécies que foram criadas com vistas a serem exploradas; (3) Logo, é sempre errado permitir o nascimento de animais domesticados.

O problema agora é com a premissa número 1. Por que o critério espécie deveria ser relevante nessa situação, principalmente quando uma das principais metas dos defensores dos animais é justamente mostrar que esse é um critério moralmente irrelevante? Os defensores dos animais deveriam ser os primeiros a apontar que o fato da espécie na qual um futuro indivíduo irá nascer ter sido “criada” para ser explorada por humanos não deve ser uma consideração relevante sobre se deverão ou não existir tais seres, uma vez combatido o preconceito de espécies. O fato de indivíduos de espécies selvagens terem sido domesticados com vistas a serem explorados pelos humanos diz algo sobre o passado de uma espécie, mas não diz absolutamente nada sobre o futuro.

Além disso, supondo que descobríssemos que há pelo menos uma espécie de animal domesticado que não foi domesticada com vistas a ser explorada. Supondo, para efeito de argumentação, que os primeiros porcos selvagens a serem domesticados não o foram com vistas a servirem de recursos para humanos (embora isso tivesse acontecido depois, talvez facilitado pelo fato dos animais estarem, agora, dóceis), mas devido a uma motivação altruísta na tentativa de salvar tais porcos de alguma escassez de alimentos que aconteceu na época. Os defensores do argumento da motivação para a criação da espécie teriam de manter, por coerência, que essa espécie em particular não deveria ser extinta, já que, se a motivação ruim na origem conta como uma razão para extinguir, seria arbitrário dizer que a motivação boa não deveria contar como razão para não extinguir.

Como não sabemos exatamente qual a motivação para a domesticação de toda e qualquer espécie, e, pelos defensores da extinção não estarem preparados para admitir a consequência de seu raciocínio acima descrita (do contrário, não seriam defensores da extinção por esterilização de todas as espécies de animais domesticados), tal argumento parece ser endereçado não devido a uma preocupação séria sobre se é melhor permitir ou não determinados nascimentos, mas como uma racionalização para uma decisão previamente tomada a favor de extinguir. Se temos uma séria preocupação em não errar ao permitir (ou não permitir) determinados nascimentos, as razões devem ser centradas nos indivíduos mais atingidos (os próprios futuros animais domesticados e os pais destes, se existirem), e não na motivação que levou os humanos, há milhares de anos, a domesticarem a configuração biológica (espécie) na qual esses indivíduos nascerão. Se é possível dizer que tais indivíduos poderão ter uma vida razoavelmente boa de seu próprio ponto de vista, não faz o menor sentido apontar que “há milhares de anos atrás, os humanos tiraram os seus antepassados da selva para explorá-los”. Minha sugestão continua sendo que a permissibilidade ou não de nascimentos se deva dar com base numa análise sobre motivação, qualidade de vida e possibilidade para o desenvolvimento da autonomia de provimento dos indivíduos, e não, com base na espécie a qual o indivíduo futuro pertencerá. Se fosse descoberto que a espécie humana foi criada para ser escrava de alienígenas e que, devido a uma luta abolicionista, foram libertos; isso faria alguma diferença sobre permitir nascimentos de humanos agora?

Que argumento poderia manter, então, essa disparidade de posição com relação a animais domesticados e silvestres? O argumento a seguir é, no meu entender, a melhor explicação do porquê as pessoas em geral veem as espécies de animais silvestres como algo a ser preservado (independentemente da qualidade de vida que os futuros indivíduos terão) e espécies de animais domesticados como um “erro” (também independentemente da qualidade de vida), embora, segundo entendo como deveria ser um argumento ético, tal argumento explica, mas não justifica, por ser baseado num preconceito:

(15) O argumento da sacralidade do que é natural e da malignidade do que é artificial: Algumas pessoas apontam que a razão de devermos extinguir por esterilização os animais domesticados, e não os silvestres (e não os humanos), não é a qualidade de vida, nem a dependência, nem a vulnerabilidade, nem nenhum dos critérios anteriores, mas o simples fato de que foi a natureza quem criou os animais silvestres e foram os humanos que criaram as espécies domesticadas (independentemente de qual tenha sido a motivação). O argumento pode ser resumido assim: (1) É errado permitir o nascimento de alguém que é membro de uma espécie que não surgiu pelas forças da natureza, (mesmo que a motivação e qualidade de vida sejam boas, seja possível desenvolvimento de autonomia de provimento e haja ou possam haver no futuro, direitos legais garantindo a proteção desses seres); (2) Animais não-humanos domesticados não surgiram pelas forças da natureza; (3) Logo, é sempre errado permitir o nascimento de animais domesticados. Vale lembrar aqui que argumento não é sobre se a domesticação trouxe benefício ou malefício para os animais, pois tal argumento afirma que mesmo que tivesse sido algo benéfico, ainda assim as espécies domesticadas deveriam ser extintas, por serem “obra” de humanos.

Uma primeira pergunta que vêm à mente para qualquer um que não possui um sentimento religioso perante ao que é natural é, justamente, “por que tudo o que acontece devido a processos naturais é digno de veneração e tudo o que acontece devido a ação humana é algo digno de repúdio?”. A primeira resposta que geralmente surge é que na natureza, as coisas seriam todas boas, não fosse a intervenção humana. Tal posição se baseia no seguinte argumento: (1) Tudo o que surge por fruto da ação humana é, e só pode ser, ruim e deve ser extinto; tudo o que surge por fruto da ação natural é bom e deve ser fomentado; (2) Espécies animais domesticadas foram domesticadas por seres humanos; (3) Logo, espécies animais domesticadas são ruins e devem ser extintas. O problema com esse argumento é que, para a premissa número 1 estar correta, precisa sustentar que mesmo as ações naturais danosas a indivíduos (como, por exemplo, defeitos de nascimento, doenças, predação, erupções vulcânicas, lei-do-mais-forte, assassinato, roubo, câncer, etc.) são boas, e mesmo as ações benéficas a indivíduos que surgem de mãos humanas (a invenção dos óculos, do marcapasso, da cadeira de rodas, a vacina contra a poliomielite, os grupos de apoio às vítimas do câncer, amizade, causar felicidade, etc.) são ruins.

Um segundo problema é que, se a premissa 1 for correta (se todas as ações humanas são e só podem ser ruins e deve ser extinto) então somos determinados a fazermos coisas ruins. Se somos determinados, então não temos culpa por fazermos coisas ruins devido ao fato de não termos liberdade de escolha, já que, toda escolha, segundo essa concepção, é ruim e deveria ser evitada. Se fosse assim, a ética é impossível. A ética animal, por exemplo, afirma que usar os animais como recurso é errado e que nós cometemos injustiça ao fazer isso exatamente por causa da nossa possibilidade de escolhermos não fazer isso. Mas, se tudo o que os humanos fazem é ruim, tanto faz se decidem experimentar em animais ou abolir os experimentos: defensores da “malignidade dos atos humanos” dirão que todas as duas decisões são ruins, só por serem atos humanos. Isso é distorcer para além da conta a noção de bom/ruim, certo/errado.

Outra tentativa geralmente apresentada, depois de perceber o problema acima, é sustentar que tais coisas, mesmo danosas, quando naturais, são realmente boas, embora pareçam ruins, e quando praticadas por humanos, outras coisas (ou exatamente as mesmas) se tornam ruins. Um dos grandes problemas com esse argumento é que ele comete petição de princípio. “As coisas feitas pelos humanos são ruins porque são feitas por humanos”; “as coisas feitas pela natureza são boas porque são feitas pela natureza”. Esse argumento não responde o que estamos buscando desde o início: “por que algo feito pela natureza é sempre bom, e algo feito pelos humanos é sempre ruim?”. Esse argumento possui outro problema adicional é que ele vai totalmente de encontro, não somente à maioria das teorias éticas, dentre elas as teorias de direitos, o utilitarismo, o kantianismo e o contratualismo, como também vai de encontro ao nosso senso comum moral. Geralmente consideramos que quando acontece um desastre provocado por forças naturais, algo ruim acontece que requer nosso atendimento às vítimas, e geralmente pensamos que aqueles que constróem um grupo de apoio às pessoas com câncer fazem um trabalho louvável. Embora dizer que a maioria das grandes teorias morais sustenta esse ponto de vista não prova que elas estão corretas, são os que desafiam essa posição que têm o ônus de dizer o porquê ela está errada. E, oferecer o argumento acima (que se baseia numa petição de princípio) não dá essa razão. Parece mais um preconceito a favor do que é natural. Se fizesse sentido esse argumento, como poderíamos diferenciar quando os humanos fazem coisas boas e coisas ruins? Não poderíamos. Quando, ao tentarmos descobrir se uma ação/omissão é correta ou errada, focamos em quem age (ou, se age se espelhando em quem) e não no tipo de ação/omissão, não temos mais critério algum para sabermos a verdade sobre as ações/omissões, já que exatamente a mesma ação/omissão pode ser correta ou errada dependendo de quem age. Teríamos de dizer que afogar é bom se feito por forças naturais (e que não deveríamos então, socorrer as vítimas) e também que afogar é ruim se feito por humanos (e que deveríamos, então, socorrer as vítimas). Não temos mais noção, então, de quais ações são boas ou ruins14. O pilar central da ética precisa ser a imparcialidade, algo que não é contemplado quando distinguimos a eticidade das ações com base em quem estão agindo.

Uma outra tentativa é dizer que não “são todas as coisas que os humanos fazem que são ruins”. “Elas só são ruins quando não imitam o que é natural”. Esse argumento, muitas vezes usado para discriminar homossexuais, ou para se tentar impedir a distribuição de contraceptivos, ou para se tentar impedir o direito à eutanásia tem a seguinte forma: (1) Sabemos se as coisas são boas ou ruins (devem ou não devem ser preservadas) pelo fato de imitarem a natureza ou não, respectivamente, independentemente delas mesmas serem naturais ou não; (2) Espécies animais domesticadas não imitam algo que existe na natureza; (3) Logo, espécies animais domesticadas são ruins e devem ser extintas. Mais uma vez, esse argumento comete a mesma falha que o anterior: petição de princípio. Ele não diz o porquê do natural ter de ser imitado, apenas assume isso como válido, sem responder o que é chamado a responder. Se, por outro lado, se afirma que “o que é natural deve ser imitado porque as coisas são e sempre foram assim” além de ser uma petição de princípio, é uma falácia naturalista. Não é apenas porque algo é, que ele deve ser. Para sustentarmos que o algo que édeva ser, precisamos apresentar razões do porquê isso deveria ser feito, e não simplesmente apontar que a natureza é assim.

Outro problema, é que teria que se sustentar que roubar, matar, caçar são todas que deveriam ser imitadas, já que existem no mundo natural. Teria-se de sustentar que outras coisas contrárias a essas também deveriam ser imitadas. Com um “modelo moral” que varia tanto, humanos teriam todo o tipo de desculpa para fazerem o que lhes fossem mais conveniente (inclusive comer animais). O mistério ainda continua sendo como é que seres racionais, quando buscam raciocinar sobre qual a conduta ética a ser seguida, se inspiram justamente em algo que não possui senso de ética? É curioso como alguns defensores de direitos animais, que denunciam tão bem a falácia naturalista quando defensores do consumo de carne alegam que “animais comem uns aos outros”, se apoiam na mesma falácia quando o assunto é predação ou extinção de domesticados, por exemplo.

Outra tentativa, por fim, é apontar que não são todas as coisas artificiais feitas por humanos que são ruins, mas que as espécies domesticadas são uma delas. Para que tal alegação se transforme num argumento ético, é preciso apontar o malefício que a existência de tais espécies gera para alguns indivíduos (para o indivíduo mesmo que nela vive ou para terceiros). Até agora, abordamos argumentos que visam apontar malefícios gerados para os próprios indivíduos da espécie, e concluímos (se nossa análise estiver correta) que eles se sustentam apenas como critérios para levarmos em conta sobre a justificabilidade de nascimentos, mas que não se sustentam como critérios absolutos a ponto de justificarem uma extinção. Podem haver outros argumentos centrados no malefício ao próprio indivíduo da espécie ou a terceiros que possua essa força? O argumento a seguir é uma dessas tentativas. Por enquanto, basta concluirmos que, por algo ser natural ou artificial, por si só, não determina sua validade ou invalidade ética. Aliás, é irrelevante para determinar sua validade ética. É preciso, dentre outras coisas, ver se tais decisões estão de acordo com outros princípios como o de não-maleficência, beneficência e justiça.

(16) O argumento de que, embora possam haver exceções, elas não devem ser consideradas: Hoje, os casos onde um animal domesticado poderia viver uma vida boa de seu próprio ponto de vista, são exceções (e, é bom que se lembre, o mesmo raciocínio vale para um animal silvestre). Quando, para tentar justificar a extinção, se diz que “se houverem poucas exceções, elas não devem ser consideradas” precisa-se supor que esses casos sempre serão exceção. Do contrário não haveria sentido dizer que não devemos considerar esses casos por serem exceções (já que eles poderiam não mais ser a exceção). O argumento é o seguinte: (1) Quando uma regra se encaixa na maioria dos membros de um grupo, essa regra deve ser também aplicada aos membros do grupo que não se encaixam na regra; (2) A maioria dos animais não-humanos domesticados futuros não terá chances de ter uma vida razoavelmente boa de seu próprio ponto de vista, existindo mais razões contra seu nascimento do que a favor; (3) Logo, devem ser impedidos os nascimentos mesmo daqueles futuros não-humanos domesticados que possuem mais razões a favor seu nascimento.

Vamos deixar de lado por um momento o problema desse argumento sucumbir caso houvesse a possibilidade, no futuro, da maioria dos casos de nascimentos de animais domesticados serem motivados eticamente e terem possibilidade de uma qualidade de vida minimamente razoável (comentaremos esse ponto mais adiante). Um outro problema surge com a premissa 1. Esse problema é melhor exemplificado quando aplicamos a mesma premissa ao caso oposto: “Se acontecer da maioria dos futuros membros de um grupo (sejam lá de que espécies forem) terem chances de ter uma vida razoavelmente boa de seu próprio ponto de vista (existindo mais razões a favor seu nascimento do que contra), devemos permitir os nascimentos mesmo daqueles futuros indivíduos desse grupo que possuem mais razões contra o seu nascimento”. Chegamos à essa conclusão absurda porque partirmos de uma regra absurda (tratar a exceção como se ela não o fosse). É irrelevante o fato de um indivíduo pertencer a um determinado grupo (no caso dos dois exemplos, a espécie biológica) para descobrirmos qual a maneira correta de tratá-lo quando seus interesses não dependem do grupo o qual pertence. Se a maioria dos brasileiros gosta de futebol, não faz o menor sentido dar de presente uma bola de futebol para aqueles brasileiros que detestam futebol. Se a maioria dos humanos ao nascer não precisa de uma incubadora, não faz sentido dizer que não se deve colocar numa incubadora aqueles humanos que precisam dela, só porque pertencem a um grupo cuja maioria não precisa. Muito do mérito de uma boa analise ética reside em descobrir como cada caso se encaixa em um determinado princípio ou regra, que, por sua vez, vão prescrever como devemos tratar o caso. Se mantemos que as exceções devem ser tratadas como casos que se encaixam na regra teremos um trabalho enorme e misterioso em explicar o que distingue a regra da exceção (se a exceção deve ser tratada com a regra, por que dizemos então que ela é exceção?). Se a regra não distingue aquilo que entra e aquilo que não entra sob o seu escopo, então não serve como regra.

Percebendo agora que é um erro dizer que exceções não devem ser consideradas quando são poucas, precisamos atentar para outro erro, que é o de basear a regra em características irrelevantes (no caso, a espécie biológica) para o que está em jogo. Por que a espécie é relevante e deveria ser o foco do assunto e não os indivíduos? Se queremos tanto dividir em grupos, nesse caso, só faz sentido dividir entre (A) “o grupo dos que terão uma vida razoavelmente boa pela frente e cuja motivação por trás de seu nascimento não é explorá-los” e (B) o grupo dos que não se encaixam nisso. Dizer que um indivíduo pertence ao grupo A, mas que vamos colocá-lo no grupo B só porque a maioria dos indivíduos que possuem uma aparência física semelhante à da dele (espécie biológica) se encaixam no B é tão arbitrário quanto especista. O que é importante notar agora é que o caso dos animais domesticados com condições de viverem vidas boas só parecia uma exceção porque estava sendo analisado com uma regra que focava no grupo errado — a espécie (se tomarmos o “grupo dos indivíduos que possuem condições de viverem uma vida boa — independentemente de espécie”, não são mais exceção alguma).

Defensores dos animais já deveriam saber que trazer uma característica irrelevante para o que se está julgando é eticamente injustificável. É exatamente isso que a filosofia moral tradicional fez o tempo todo para excluir os animais da esfera de consideração moral. A filosofia moral tradicional elegeu como critério de considerabilidade moral a posse da razão (que, como critério para a paciência moral já não está no lugar correto), admitindo que “ok, existem animais não-humanos que possuem níveis de raciocínio muito maiores do que muitos humanos (por exemplo, bebês)”, e, em seguida, conclui que “contudo, vamos colocar os bebês pra dentro do círculo moral, porque a maioria dos humanos é racional, e colocar todos os animais pra fora (inclusive os que são muito racionais), porque a maioria deles não o é15“. Se percebemos que essa regra é injusta, não podemos usá-la quando é para os favorecer. Aliás, a ética animal nasce com a denúncia desse tipo de erro.

Nesse ponto, alguém pode indicar que há uma diferença moralmente relevante em jogo, que é o fato de humanos em geral não serem discriminados com base na sua espécie, o que acontece o tempo todo com relação a animais não-humanos. Deixando de lado por um momento o fato dos defensores da extinção defenderem-na mesmo em um mundo onde animais domesticados não seriam mais discriminados por causa de sua espécie, vejamos esse novo argumento. Os seus proponentes concordam: (a) que é um erro, do ponto de vista ético-crítico, tratar casos que se encaixam sob o escopo de um princípio com outro princípio que diz respeito a outros casos; (b) que é um erro, do ponto de vista ético, discriminar com base em espécie quando essa não é relevante para o que se está julgando. Contudo, essas pessoas diriam ainda que, já que as pessoas em geral são muito especistas, ainda assim o mal evitado por não se permitir o nascimento de qualquer animal domesticado supera de longe o benefício que deixa de ser desfrutado pelas exceções que não serão contempladas.

O argumento agora é esse: (1) É melhor que pessoas que não costumam refletir eticamente sigam bons princípios éticos absolutos, mesmo que se corra o risco de não se contemplar exceções importantes; (2) “Nunca permitir o nascimento de animais não-humanos domesticados” é um bom princípio ético absoluto; (3) Logo, a maioria das pessoas que não costumam refletir eticamente deveria seguir a regra “nunca permitir o nascimento de animais não-humanos domesticados”. Para a premissa número 2 ser verdadeira, seria preciso mostrar que a regra “nunca permitir o nascimento de animais não-humanos domesticados” é, pelo menos, tão boa quanto todas as outras alternativas disponíveis — e não apenas para pessoas que não costumam refletir eticamente, mas também para as que costumam (já que os defensores da extinção estão defendendo que essa regra deve valer para todos, pois, se trata de extinção de todos os casos possíveis). Mais uma vez, aqui se esquece que são duas questões diferentes (a) O que é o correto a fazer eticamente? (b) Como garantiremos que as pessoas que não conseguem distinguir o que é correto, façam o menor mal possível? — Como mencionei anteriormente, o que está em questão em primeiro lugar é o que é correto fazer, e não como impedir aqueles que desejarão fazer o que é errado.

Como se defenderia que tal princípio é bom até mesmo para as pessoas que costumam refletir eticamente seguirem? Por exemplo, poderia-se apontar que, embora tal regra impedisse o desfrute de qualquer bem futuro por parte de animais não-humanos domesticados, ela elimina o mal que os mesmos sofreriam. Portanto, se houverem outras alternativas que também possam combater o mesmo mal e, em adição, permitir o desfrute de algum bem, elas devem ser, antes, tentadas.

Uma particularidade interessante de se pensar em usar a regra de nunca permitir nascimentos de seres vulneráveis como tentativa de eliminar o mal que esses seres sofreriam, é que é uma atitude que não elimina a causa do problema. Ao afirmar-se que a solução para a exploração e dano sobre animais domesticados é extinguir eles próprios, dá-se a entender que o problema é eles, e não a mentalidade que os explora e é negligente a todo dano que acontece a eles. Se dizer as pessoas que não permitam mais o nascimento de animais domesticados não elimina a mentalidade especista (vale lembrar que essa medida só foi tomada com base no argumento de que as pessoas em questão são tão especistas e deficientes em fazerem um raciocínio ético que não conseguem distinguir um casos que caem sob o escopo de regras diferentes), então um outro princípio que tente fazer isso ao mesmo tempo que vise garantir o desfrute de algum bem a esses animais futuros é um princípio melhor do que esse a ser tentado — pelo menos, para a pessoa que está disposta a refletir eticamente. Outro princípio importante que as pessoas que escolheram serem éticas poderiam seguir é tentar esclarecer aquelas pessoas que pretender ser éticas, mas não conseguem fazer um bom raciocínio ético por cultivarem algum tipo de preconceito — como é o caso que estamos tratando.

Se, por outro lado, as pessoas deixem de ser especistas, ou aumentem a sua capacidade de raciocínio ético, então não precisamos mais dessa regra (já que ela é baseada no especismo das pessoas e na dificuldade que elas têm em fazer raciocínios éticos). Como vimos, tal argumento não diz porque uma pessoa que possui capacidade para um raciocínio ético teria de seguir essa regra, já que o problema não se aplica a ela. Ela teria de tomar sua própria decisão independentemente do que seria o melhor para uma pessoa menos esclarecida fazer. Portanto, essa regra é mais uma regra sobre como garantir politicamente que o mal não seja causado do que uma regra sobre a justificabilidade ou não dos nascimentos.

Se reconhecermos, então, que existem outras regras morais (que visam acabar com o especismo e garantir que a futura vida dos animais domesticados seja boa de seu próprio ponto de vista), e que estas devem receber prioridade nas tentativas em relação à regra que manda extinguir, acabamos de reconhecer também que os casos que são minoria agora (animais domesticados vivendo uma vida boa de seu próprio ponto de vista), devem se tornar maioria. Realmente, não fica claro porque um defensor dos direitos animais deveria se contentar com casos onde os animais teriam uma chance de desfrutar uma vida boa serem sempre exceções. Se devem se tornar maioria, não faz mais sentido dizer que essas exceções não devem ser contempladas, já que a meta é fazê-las deixarem de ser exceções.

Um princípio moral que pode ser útil em vários casos é o seguinte: quando temos diante de nós, 3 grupos de alternativas, sendo que (a) deixamos as coisas ruins como estão ou; (b) tentamos eliminar o malefício e garantir o desfrute de algum benefício ou; (c) tentamos eliminar o malefício mesmo sabendo que isso impede o desfrute de qualquer benefício — só devemos tentar as alternativas do grupo “c” depois que todas as alternativas do grupo “b” já foram exaustivamente tentadas. E isso é assim porque um mundo onde existe, para além de ter-se diminuído o malefício, a possibilidade do desfrute de algum benefício, é um mundo melhor do que o mundo onde não existe malefício somente porque não existe ninguém a quem danar. Poderíamos enunciar esse dever como “o dever de fomentar as condições apropriadas para o desfrute do bem”. Se não houvesse esse dever, tudo o que os que são contra os animais desfrutarem de benefícios precisariam fazer é continuar a cultivar o modo de vida que cultivam, que impede dos animais desfrutarem de benefícios. Reivindicar que a solução para esse problema é a extinção dos animais e não a extinção das condições ruins mesmas, é dizer que os animais é que são o problema e não essas condições.

Além do mais, não é verdade que um mundo sem animais domesticados seria um mundo sem dano, ou com menor quantidade de dano. Restaria o dano que humanos causam a animais silvestres; os danos que animais silvestres causam uns aos outros; os danos que acontecem por causas naturais, e os danos que humanos causam uns aos outros. É claro que seriam menos indivíduos sendo danados do que se houvessem, além desses, animais domesticados sofrendo. Mas, como vimos acima, nós não consertamos o dano por eliminar aquele que o sofre — já que não é ele a fonte do dano. Pode ser que seja realmente mais fácil tentar evitar o dano assim do que construir um projeto novo. Mas, como foi mencionado acima, nem sempre a decisão mais fácil é uma decisão ética. Aliás, o contrário parece ser mais verdadeiro: as decisões corretas parecem ser as que são mais difíceis, por darem mais trabalho. É óbvio que os animais não seriam explorados caso não existissem. Mas não é esse o desafio que a ética coloca; e sim, que eles existam e consigam desfrutar do bem específico de sua forma de vida.

Nessa altura, alguém pode apontar que um mundo sem animais domesticados seria um mundo onde haveria desfrute de benefícios (por exemplo, os benefícios desfrutados por humanos). Em resposta, poderíamos apontar duas razões: (1) Um planeta onde houvesse humanos e outras formas de vida conscientes experimentando o mundo parece ser um mundo melhor do que um que só humanos pudessem fazer isso, já que animais não-humanos possuem formas singulares de experimentar o mundo que humanos não podem ter. Tal argumento, é verdade, precisa admitir a premissa de que é melhor existir várias formas conscientes de experimentar o mundo do que uma só (admitindo, de antemão, que as formas em questão não danam outros indivíduos). Contudo, temos uma razão adicional: (2) Por uma questão de justiça histórica, seria o mínimo que poderíamos restituir para formas de vida que viveram por milhares de anos apenas para sofrer, que fosse garantida a melhor vida possível para eles.

Extinguir humanos também?

Como parêntese, é preciso abordar aqui a sugestão, por parte de alguns, que extingamos não apenas as espécies domesticadas, mas também os seres humanos, já que, segundo alguns “são os humanos que causam todo o mal do mundo”. Esse argumento tem inúmeros problemas: (1) Já vimos que não é verdade, quando analisamos o argumento da sacralidade do que é natural, que todo mal do mundo vem das mãos de humanos; (2) Tal argumento é especista: por que deveríamos impedir de se reproduzir alguém que decidiu parar de fazer mal ao mundo, só porque ele pertence a uma espécie cuja maioria dos membros não decidiu parar de fazer tal mal?; (3) Tal argumento é resquício do pensamento que afirma que só temos o dever de evitar o dano cuja origem se dá em nossas mãos (por nossos atos) e não o dano cuja origem se dá em outras fontes, mas teríamos condições de evitar ou pensar em maneiras de evitar (nossas omissões). Se é do ponto de vista dos afetados pela ação que temos que ver as coisas numa perspectiva ética, tanto faz para um animal se ele é morto por um humano, por outro animal ou por uma avalanche. Deveríamos, como Andrew Linzey sugeriu, abandonar nosso papel de carrascos no mundo, mas não por sumir do mundo, abandonando negligentemente aqueles que precisam de nós, mas sim, assumindo nosso papel de servidores destes, zelando pela garantia de seu bem16. Como mencionei antes, é bem mais fácil uma decisão baseada no extinguir tudo, mas as decisões corretas geralmente são as mais difíceis, não as mais fáceis. Não deveríamos negligenciar nossos deveres só porque a maioria dos outros membros de nossa espécie o faz.

Critérios para a justificabilidade da permissão de nascimentos

Da análise acima, caso esteja correta, podemos concluir que os principais argumentos endereçados a favor da extinção de animais domesticados não cumprem a finalidade a que se destinam, a saber, criar uma regra absoluta contra a permissão do nascimento de indivíduos pertencentes a determinadas espécies. No máximo, tais argumentos apontam para critérios importantes que devemos levar em conta ao permitir um nascimento de um indivíduo — seja lá de qual espécie. Tais critérios não são meros detalhes; eles requereriam nada menos do que uma total reformulação de nossa sociedade e de nossas políticas públicas. Mas, é exatamente isso que devemos estar preparados para fazer se queremos realmente construir um projeto ético. Vale lembrar que, cumpridos os critérios listados abaixo, é um dever permitir o casal de não-humanos a se reproduzir, e não, meramente, uma opção. Com o argumento que construí, esse é um dever direto ao casal de não-humanos (e não algo devido ao benefício que humanos poderiam desfrutar da existência dos animais, ou a um suposto direito de não-nascidos, ou ainda, a um suposto valor inerente da espécie, como é comumente alegado). Vimos anteriormente também que, devido à regra de fomentar as condições apropriadas para o desfrute do bem, é dever aumentar as condições que tornam possíveis o desfrute de uma vida boa (não somente para gerações futuras, mas para as presentes também)17. Faço um resumo abaixo dos critérios:

(1) O ato não pode ser uma violação de direitos: o casal de não-humanos não pode ter sido forçado a se reproduzir. Se isso aconteceu, não se constituiu uma permissão de nascimento, e sim um estupro. Vale lembrar que tal violação pode acontecer não apenas por mãos de humanos, mas por outros agentes. Se um dos dois membros do casal não tem interesse no ato da reprodução, ele já não é justificável a partir daí;

(2) O ato não pode ser contra os melhores interesses da mãe ou do pai. Pode ser que os dois membros do casal tenham interesse em se reproduzir, mas, por exemplo, a mãe sofrerá um dano caso o nascimento seja permitido (poderá morrer ou contrair alguma doença) e não tenha conhecimento desse dano. Se um agente moral perceber que aquilo em que a mãe não-humana tem interesse não é do interesse dela, não deve permitir o nascimento. Da mesma maneira, pode ser que, por algum motivo, o macho do casal queira se reproduzir mas se saiba que, caso faça isso, sofrerá um dano. Nos dois casos, há dever de não permitir o nascimento.

(3) A intenção do agente que permitirá o nascimento não pode ser exploratória. Embora apenas a intenção do agente não garanta que seus planos exploratórios se concretizarão, o caso já começa mal se o plano é esse.

(4) A relação futura não pode ser exploratória. Pode acontecer que o agente que permita o nascimento tenha uma motivação ética, mas que outros agentes que conviverão com o indivíduo nascido tenham uma motivação exploratória. Se o primeiro agente sabe disso, e não há outra maneira de evitar essa relação, melhor não permitir o nascimento.

(5) A relação futura não pode ser altamente danosa. Pode ser que uma relação não seja exploratória, mas cause tanto dano (ou mais) quanto uma que visa explorar. É verdade, toda relação geralmente causa um pouco de dano, então é preciso atentar para as relações altamente danosas. Não é objetivo do presente trabalho dar resposta à difícil questão sobre onde fica o limite preciso que distingue uma relação normal (onde acontecem danos) de uma altamente danosa, que precisa ser evitada. Essa tarefa fica a cargo dos agentes morais que se depararão com cada caso.

Outra consideração importante nesse ponto é que temos de levar em conta a qualidade de vida não somente dos indivíduos futuros, mas dos já existentes. Por exemplo, pode ser que um caso individual cumpra os seis critérios listados até aqui. Contudo, se o caso acontecer na situação atual, onde há superpopulação e qualidade de vida baixíssima dos indivíduos já nascidos, é um erro permitir o nascimento e melhor seria adotar um indivíduo já vivo. Pode ser que uma família que cuida de alguns não-humanos vivesse numa situação tal que houvesse todas as condições para eles se reproduzirem. Contudo, seria um erro essa reprodução enquanto houver outros animais já nascidos precisando de ajuda. Nesse caso, alguma forma de impedir o nascimento teria de ser escolhida. Se o que temos em mente é a qualidade de vida, então o dano precisa ser levado em conta e a forma mais adequada de ser a que causa menos dano. Se for verdade que contraceptivos causam menos dano do que esterilizar, então estes devem ser preferidos18.

(6) A vida futura precisa ter uma qualidade minimamente razoável. O critério anterior inevitavelmente nos conduz a esse. Aqui também, não é objetivo do presente trabalho dar uma resposta exata para a difícil questão sobre o que é uma vida com uma qualidade minimamente razoável, de acordo com as necessidades da espécie e das diferentes necessidades de cada indivíduo. Contudo, no caso de seres sencientes, cabe sempre perguntar: “haverão condições mínimas para o desfrute das necessidades biológicas, psicológicas e sociais?”, “haverá chance do desfrute de alguma felicidade?”, “a vida não será dor e sofrimento eternos?”, e assim por diante. Isso também ficará a cargo dos agentes que se depararão com os casos específicos.

Até agora todos os critérios são necessários. Não satisfeita uma daquelas exigências, então melhor não permitir o nascimento. Agora, é preciso finalizar com outros dois critérios em que o caso precisa satisfazer, ou umou outro. Satisfazendo os seis necessários e mais um desses dois, já é suficiente para a permissão do nascimento. Os dois requerimentos a seguir são parte do critério da qualidade de vida (mas não são, os dois juntos, tudo o que o critério da qualidade de vida requer):

(7) A vida futura precisa ter condições de desenvolver autonomia de provimento. Normalmente, na maioria das espécies de animais sencientes, quando os membros normais ficam adultos, adquirem a capacidade para autonomia de provimento (no presente momento, estou levando em conta apenas a característica de buscar o seu provimento biológico, psicológico e social a partir de suas próprias ações; a parte que diz respeito a fazer isso sem interferir nessa capacidade dos outros será abordada a seguir). É preciso se perguntar se, no caso específico, haverão condições para o desfrute dessa autonomia. Por exemplo, se o animal for ficar preso numa corrente ou, mesmo que fique solto, for privado do contato com outros indivíduos com o qual pode estabelecer uma relação por escolha própria, ou privado dos meios para buscar seu provimento, então não existem essas condições. Vale lembrar ainda, que em todos os casos, nos primeiros estágios da vida, nenhum animal possui autonomia de provimento. Nesse momento, é sempre necessário um tutor (devendo ser geralmente a própria mãe não-humana19) provendo as necessidades biológicas e psicológicas do indivíduo nascido. O item seguinte diz respeito a casos onde o tutor é necessário durante a vida inteira:

(8) Caso não haja possibilidade do desenvolvimento de autonomia de provimento, ou essa não apareça em níveis muito elevados, é preciso haver um tutor. Começo por observar que não estou falando de um impedimento externo ao desenvolvimento da autonomia de provimento. Como vimos, devemos tentar eliminar as condições externas que impede esse desenvolvimento. O que falo é que pode ser que o membro de uma espécie nasça com uma incapacidade para desenvolver autonomia de provimento no futuro, mas ainda assim hajam condições para que ele desfrute de qualidade de vida (prazer, felicidade, etc.) — embora tais casos sejam raros. Pode acontecer que o membro da espécie não tenha condições de desfrutar graus muito elevados de autonomia de provimento (por exemplo, ainda que consiga buscar o seu próprio provimento biológico, psicológico e social, pode colocar a sua própria vida ou a vida dos outros em risco). Nesses casos, é necessário que haja um agente moral tutor, que se responsabilize em prover a proteção adequada ao próprio indivíduo que não tem autonomia de provimento alguma ou a tem em níveis menores, e também aos outros que estão vulneráveis aos danos que possam ser causados pelo indivíduo. Vale lembrar aqui que não estamos falando necessariamente de um tutor legal. Pode acontecer da lei nem reconhecer esse tipo de categoria para animais não-humanos. Isso não importa. Já vimos, pelas seções anteriores, que a ética não se limita à legalidade.

Da análise desses critérios podemos tirar outra importante conclusão, que vai de encontro à prática comum no movimento de defesa animal: nem sempre é justificável esterilizar um animal (embora, no momento atual, provavelmente sempre seja). Como uso o termo “esterilizar”, esclareço que ele significa impedir definitivamente alguém de se reproduzir e não temporariamente, como ocorre com o uso de métodos contraceptivos. Quando é justificável e quando não é, não pretendo responder com exatidão nesse trabalho. Tais decisões precisam ser tomadas numa análise caso a caso, pelos agentes morais que se depararão com cada situação diferente. Por enquanto, basta concluirmos que, no mínimo, onde os critérios acima forem satisfeitos, é um erro esterilizar.

É possível existirem exceções que justifiquem extinguir uma espécie?

Todo o raciocínio que fizemos ao longo desse trabalho se baseou, em parte, na consideração deontológica sobre a motivação dos agentes em permitir o nascimento, mas principalmente, na consideração consequencialista sobre a qualidade de vida do futuro ser. Vimos que, na maioria dos argumentos que analisamos, quando o critério “espécie” era evocado, ele não era relevante para o que se estava discutindo. No entanto, penso que é possível existirem algumas exceções que justifiquem extinguir toda uma espécie (e, vale lembrar, isso vale para qualquer uma, seja humana, não-humana, silvestre ou urbana), desde que essa seja a única ou melhor alternativa disponível (algo que só saberemos se tentarmos exaustivamente todas as outras). Dentre essas exceções, as que me vêm em mente são:

(1) Pode acontecer que haja um último casal de uma espécie que não queira se reproduzir. Nesse caso, como forçá-los a se reproduzir viola o critério 1, justifica-se que deixemos a espécie se extinguir.

(2) Caso o próprio fato de pertencer a uma determinada espécie automaticamente leve o indivíduo em questão a ter uma qualidade de vida ruim. Pode acontecer, por exemplo, que humanos tenham fabricado uma espécie tal cujos membros todos possuem sérias dificuldades para respirar, devido à própria constituição anatômica da espécie. O mesmo pode acontecer também por ação da natureza. É mais raro isso acontecer na natureza porque geralmente espécies assim são muito vulneráveis e não conseguem se reproduzir devido a seus membros morrerem cedo — mas a possibilidade não está descartada. Se tudo o mais para curar a deficiência do organismo já foi tentado e não surtiu efeito, penso que essa seria uma exceção que justifica extinguir por esterilização toda a espécie, com vistas a evitar sofrimentos muito graves futuros. Onde traçar a linha sobre o que é um sofrimento grave e o que não é, não é meta do presente trabalho. A meta aqui é apenas avisar que, só porque não podemos traçar uma linha precisa não significa que não podemos enxergar extremos (depender de humanos em algum grau não é um sofrimento extremo, perder o olho com qualquer esbarrão leve que se dá com a cabeça com certeza é).

(3) Finalmente, vamos à implicação de “não botar em risco a vida dos outros” do conceito de autonomia prática. Pode acontecer que o indivíduo em questão só possa sobreviver com a morte ou dano a outros indivíduos. Aqui, mais uma vez, vale a regra: “depois que tudo o mais tenha sido tentado…”. Um exemplo disso é o caso dos gatos. O gato é um animal que necessita de alimentos de origem animal. Foi desenvolvida uma comida vegana que supre essas necessidades nutricionais. Essa comida está disponível em muitos países agora. Nesse caso, tentou-se algo para evitar que a vida de uns fosse movida às custas da morte de outros e chegou-se a um resultado. É óbvio, esse resultado causa um dano ao gato, pelo fato de ter de mudar sua dieta. Como situação emergencial, esse dano é totalmente justificada pela teoria dos direitos animais, sendo que causá-lo é um dever. Ela é justificada com base no princípio worse-off20: quando estamos diante da escolha entre danar a minoria (por exemplo, 100 vacas) ou a maioria (por exemplo, 3000 gatos) e algum membro da minoria sofrerá um dano maior (por exemplo, a morte) do que o dano sobre qualquer um da maioria (por exemplo, ter de mudar a dieta), então, devemos danar a maioria (o que vale é o dano sobre o indivíduo — e não sobre o grupo, já que não existe um indivíduo que é a soma dos membros, que sofrerá dano -; devemos evitar o dano maior). Cabe aos agentes morais, depois de pensarem profundamente a questão, julgarem se essa decisão emergencial deve ser mantida (se devemos permitir os gatos se reproduzirem e alimentar os futuros gatos com comida vegana) ou se esse é um dano que pesa mais do que a qualidade futura de vida. Não pretendo também dar uma resposta pronta aqui, mas minha posição até o presente momento é que, já que gatos desfrutam da vida de várias diferentes maneiras que não apenas comer, pode ser que esse dano (caso seja um dano, para um gato que foi alimentado assim desde que nasceu) seja compensado pelos outros prazeres que o indivíduo em questão desfrutará.

Como vimos anteriormente, se queremos ser imparciais, não podemos fazer distinção entre animais domesticados ou silvestres quando as características moralmente relevantes para o que se está discutindo (no caso, viver por ter de matar ou causar danos graves a outros indivíduos) são semelhantes. Portanto, esse último ponto nos leva à pergunta se devemos ou não intervir na predação. Não discutirei essa questão aqui, por falta de espaço que a seriedade do assunto requer. Mais uma vez, a regra do “pensar exaustivamente em outras alternativas menos danosas do que extinguir espécies por esterilização” nos é um bom guia. Outras considerações importantes entrarão em jogo no caso da predação: — E quanto a outro tipo de comida para predadores? E quanto à explosão demográfica das presas? E quanto ao instinto caçador dos predadores, ele continuaria mesmo com o predador sendo alimentado com comida vegana? Mesmo sendo possível intervir, o dano é justificável? — Não discutirei esse assunto aqui (ele também será objeto de um estudo posterior mais aprofundado). Os interessados podem, no momento atual, lerem os excelentes artigos de Yves Bonnardel e Steve Sapontzis sobre a questão21. Trago o exemplo apenas para vermos como todas as questões relacionadas à ética animal estão, de algum modo, conectadas. O raciocínio sobre uma questão leva ao raciocínio sobre outra. E é isso exatamente que nós, se somos realmente defensores dos animais, devemos estar preparados para fazer, sem medo de termos que quebrar com nossos preconceitos mais “queridos”, como por exemplo, a veneração pelas leis naturais.

Notas

1 Poucos trabalhos até agora têm se ocupado da questão. No presente artigo, discuto os argumentos oferecidos pelo jurista Gary L. Francione no artigo Direitos Animais e Não-humanos Domesticados (disponível em http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=186:direitos-animais-e-nao-humanos&catid=37:garyfrancione&Itemid=1) e pelo biólogo Sérgio Greif no artigo O que Será dos Animais Domésticos em um Mundo Vegano? (disponível em http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=277:o-que-sera-dos-animais-domesticos-em-um-mundo-vegano&catid=43:sergiogreif&Itemid=1). Abordo também alguns argumentos que estariam disponíveis para ambos os autores, mas que não foram utilizados e argumentos que são pronunciados em debates, mas não apareceram em nenhum artigo.

2 O filósofo abolicionista Tom Regan, na obra The Case for Animal Rights (Cf. REGAN, Tom 2nd ed. Los Angeles: University of California Press, 2004, p. 349) também sustenta a posição de que a abolição da exploração animal não implica a extinção dos animais domesticados.

3 A distinção entre dizer que alguém tem um interesse em algo, e que algo é do interesse de alguém é oferecida por Tom Regan na obra The Case for Animal Rights (Cf. REGAN, Tom. The Case for Animal Rights. 2nd ed. Los Angeles: University of California Press, 2004, p. 87, 88). Alguém tem um interesse em algo quando deseja, quer algo. Algo é do interesse de alguém somente quando é bom para o seu bem-estar a longo prazo. Pode acontecer de alguém ter um interesse em algo que não é do seu interesse (por exemplo, comer uma comida que parece comida, mas é um veneno disfarçado), ou, não ter um interesse em algo que é do seu interesse (não querer se exercitar, por exemplo).

4 Embora não fique exatamente claro, o biológo Sérgio Greif parece defender também a extinção da espécie humana através da escolha por não haver mais nenhuma reprodução. Greif cita que “Esse conceito de levar vidas longas e proveitosas, porém sem deixar filhos, vem tomando forma em sua versão aplicada a seres humanos. Em sua manifestação mais organizada encontra-se o Movimento de Extinção Humana Voluntária (http://www.vhemt.org/pindex.htm). Ao contrário do que se pode pensar, não são indivíduos anti-sociais e misantropistas, mas pessoas bem humoradas e que amam aproveitar a vida. Seu slogan é “Para que possamos viver muito . . . e desaparecer.” (Cf. GREIF, Ibid).

5 Cf. Mark SAGOFF. Animal Liberation, Evironmental Ethics: Bad Marriage, Quick Divorce.In: ZIMMERMANN, Michael et al… (eds.).Environmental philosophy: from animal rights to radical ecology. Upper Saddle River NJ: Prentice Hall,1993, pp. 84-94.

6 Dentre as opções que humanos teriam para aliviar o sofrimento no mundo silvestre, Sagoff menciona que “a ciência poderia tentar um amplo programa de cuidados contraceptivos para animais na natureza de tal maneira que poucos chegariam a ser vítimas de uma morte prematura e horrível. O governo está gastando centenas de milhões de dólares para armazenar milhões de toneladas de grãos. Por que não distribuir essa comida, envolvida em contraceptivos, para criaturas silvestres se alimentarem?” (SAGOFF, p. 90). O autor lança também outras hipóteses de como prevenir predação (tanto protegendo a presa quanto suprindo as necessidades do predador com comida vegetal), inanição e morte pelo frio. O que é interessante notar, é que Sagoff não necessariamente está defendendo que deveríamos fazer essas coisas (provavelmente, ele não está). Ele traz os exemplos apenas para enfatizar que “um ambientalista precisa considerar o que eu disse como uma redução ao absurdo [do ideal da libertação animal], enquanto que um defensor da libertação animal precisa considerar o que eu disse como uma posição séria (…). Ambientalistas não podem ser defensores da libertação animal. Defensores da libertação animal não põem ser ambientalistas” (SAGOFF, p. 90).

7 Que os animais possuem interesse na qualidade de vida e não meramente na liberdade corporal é um aspecto que já havia sido reconhecido pela proposta ética utilitarista de Singer (por fazer considerações sobre o valor intrínseco — balanço da quantidade de satisfação e frustração — da vida de um indivíduo). O mesmo aspecto recebeu menos ênfase nas propostas de defesa de direitos. Se as propostas de direitos querem dar um passo além do utilitarismo, não podem construir o seu raciocínio negligenciando o fato de que animais possuem outros interesses para além de serem livres da exploração humana. Pode ser que o utilitarismo tenha dado ênfase demais na questão da dor e sofrimento e esquecido outras considerações importantes, mas, por isso não deveríamos concluir que a consideração pela dor e sofrimento (seja lá de onde provenha esse sofrimento) é muito importante.

8 Para uma crítica sobre a distinção rígida entre ações/omissões, ver: BEAUCHAMP, T.L. & CHILDRESS, J.F. Princípios de Ética Biomédica. (4 ed.) São Paulo: Edições Loyola, 2002, cap 4. Ver também SINGER, Peter. Ética Prática. 1ª ed. Trad. Álvaro Augusto Fernandes. Revisão Científica de Cristina Beckert e Desidério Murcho. Lisboa, Gradiva, 2000, cap. 7.

9 Análises do conceito de autonomia prática, bem como da proposta de Steven M. Wise são encontradas em Sônia T. FELIPE. Ética e Experimentação Animal – Fundamentos Abolicionistas. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2007, pp. 282 – 303 e em Daniel Braga LOURENÇO, Direitos Animais: Fundamentação e Novas Perspectivas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed, 2008, pp. 440-451.

10 A elucidação sobre a possibilidade desse tipo de ação visando promover o desenvolvimento da autonomia de provimento de animais domesticados devo à professora Sônia T. Felipe. Em conversa com a filósofa sobre o tema em questão, pude constatar a possibilidade de uma futura “política de adoção pública” (como a professora Sônia costuma chamar) dos animais domesticados. Agradeço à professora Sônia pelos comentários quanto a esse ponto.

11 Esse ponto é observado pela filósofa feminista Carol Adams em ADAMS, Carol J.. Caring About Suffering: A Feminist Exploration. In: DONOVAN, Josephine; ADAMS, Carol J. (eds). Beyond Animal Rights: A Feminist Ethic for the Treatment of Animals. New York: Continuum, 1996, p. 171.

12 Sobre esse experimento, ver REGAN, Tom – Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos animais; tradução Regina Rheda ; revisão técnica Sônia Felipe, Rita Paixão – Porto Alegre, Rs: Lugano, 2006, p. 46-47.

13 Cf. FRANCIONE, Ibid.

14 Aqui alguém poderia questionar que estou usando bom/ruim como sinônimos de justo/injusto, o que não é verdade (há ações que causam danos mas são justas, e ações que causam benefício mas são injustas). Alguém pode dizer então, que mesmo que a natureza “faça” coisas danosas (ruins), elas não podem ser classificadas como moralmente boas ou ruins, já que a natureza não possui senso de justiça. Mesmo concordando com essa análise, saliento aqui que o que quero observar é que não é verdade que só porque uma entidade não possui senso de justiça, tudo o que é produzido a partir de suas forças é moralmente neutro. Tome como exemplo uma criança pequena batendo em outra criança, ou uma árvore caindo em cima de alguém. A criança não possui senso de justiça, nem a árvore, mas daí não concluímos que as ações (criança bater e árvore cair) são neutras e que não devemos impedir a criança de bater ou avisar aquele que está na mira da árvore. E, se a natureza não possui senso de justiça, por que tomá-la como modelo então? Para uma defesa da concepção de que ações de agentes amorais não são neutras e requerem nossa intervenção, ver SAPONTZIS, Steve. Morals, Reason, and Animals. Philadelphia, PA: Temple University Press, 1987, cap 13.

15 Esse argumento é usado por Carl Cohen, e criticado por Peter Singer no artigo “A Significância do Sofrimento Animal”, disponível em http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=47&Itemid=1

16 Ver o artigo de Linzey, Evengelho Animal, disponível em http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=260&Itemid=1

17 É importante não confundir as coisas aqui. Não estou querendo dizer aqui que temos que fazer o maior número de indivíduos nascerem. Isso ficará mais claro quando virmos as considerações a seguir sobre qualidade de vida e respeito pelas preferências dos pais.

18 Agradeço a Marina Serralheiro e Maurício Varallo pela sugestão de acréscimo dessa consideração.

19 Devemos lembrar que separar filhotes da mãe é causar um dano grave à mãe.

20 Esse princípio é proposto por Tom Regan em The Case for Animal Rights. Cf. REGAN, Tom. The Case for Animal Rights. 2nd ed. Los Angeles: University of California Press, 2004, pp. 301,307-312, 328.

21 Sobre esse tema ver Steve SAPONTZIS, Morals, Reason, and Animals. Philadelphia, PA: Temple University Press, 1987, cap 13. Disponível em http://puffin.creighton.edu/PHIL/Stephens/Honors%20Courses/pdfs/Sapontzis~Predation.pdf. Ver também os vários artigos de Yves Bonnardel, disponíveis em http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=category&id=119&Itemid=1

 


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