Uso de animais em práticas cirúrgicas – parte final

Simuladores que permitem que o estudante aprenda e pratique suas habilidades em microcirurgia básica, cirurgia microvascular, microneurocirurgia, cirurgia em órgãos e complexos de órgãos, suturas, pontos cirúrgicos, ou que permitem que cirurgiões já experientes possam praticar e assim manter suas habilidades. Essa ideia parece a visão de um mundo futurista distante, mas ela já é realidade atualmente.

Já estão disponíveis no mercado simuladores que imitam perfeitamente a pele, os ossos, todos os órgãos e os fluidos do corpo, sendo que alguns mimetizam até os odores naturais do organismo vivo. Esses simuladores podem ser construídos em diferentes materiais, mas todos eles tendem a imitar a textura e resistência do corpo ou de partes do corpo, bem como processos fisiológicos como a circulação sanguínea, o pulso, a respiração ou situações de órgãos cheios de fluidos.

O uso de manequins (ou bonecos) permite, em muitos casos, além do treinamento cirúrgico, que o estudante aprenda farmacologia, fisiologia, anestesia e prática clínica. Esses bonecos possuem todas as características de um paciente real (pulso palpável, coração, respiração audíveis, circulação…). Além disso, manequins podem ser programados pelo professor para apresentarem reações adversas a medicamentos ou situações fisiológicas especiais, tais como bloqueios respiratórios, hemorragias, arritmias, edemas pulmonares, cetoacidoses diabéticas etc.

Cirurgias virtuais e telecirurgias já podem ser realizadas em ambiente virtual, simuladores em 3D ou em realidade aumentada. Estes são ótimos recursos para planejamento pré-cirúrgico, simulação de cirurgia laparoscópica, microcirurgia, neurocirurgia, treinamento de suturas, cateterismo, treinamento em trauma e cirurgia craniofacial. A garantia de aquisição de habilidade motoras vem do sistema háptico acoplado ao computador e que permite ao estudante experimentar a sensação de estar manipulando tecidos e órgãos vivos.

Não há como imaginar que estudantes de medicina veterinária de uma universidade federal (a UFU, de Uberlândia) tenham, por livre e espontânea vontade, se indignado em necessitar utilizar recursos tais como estes, em vez de animais oriundos do CCZ. É certo que muitos fatores os levaram a se indignar. Primeiro, é certo que os recursos que foram disponibilizados para eles são ultrapassados e incompletos: eles possivelmente foram expostos a um único recurso; em segundo lugar, é certo que o professor, descontente com a substituição dos animais por outros recursos, tenha agido de má vontade na aplicação de sua utilização. É possível que ele tenha disponibilizado o recurso de qualquer jeito e dito aos estudantes que, por força de lei, eles teriam que aprender com aquilo mesmo, já que não podiam utilizar animais.

Sem dúvida os professores exercem grande influência sobre os estudantes, não apenas porque transmitem conhecimento, mas também porque transmitem opiniões, valores e atitudes. Podemos, dessa forma, entender que mesmo um estudante que seja sensível ao sofrimento animal pode deixar de sê-lo se seu professor transmite, expressamente ou subliminarmente, mensagens em contrário. Essa sugestão é verdadeira não apenas no caso de crianças, mas também de adultos.

Alguns professores de ciências admitem mesmo que um de seus objetivos é dessensibilizar os estudantes, por esse motivo não sentem constrangimento em expor seus estudantes às praticas que utilizam animais. Dessa forma, o sofrimento infligido ao animal se justifica pelo potencial conhecimento que se pode adquirir da prática, e qualquer uso que se faça do animal é considerado simplesmente como sendo “ciência”

Essa dessensibilização, por algum motivo, foi no passado associada à formação de bons cientistas, de cidadãos que não se desviam da objetividade e qualquer sentimento em contrário foi associado com o sentimentalismo, a fraqueza e falta de cientificidade. Na prática, porém, isso não se mostra verdadeiro. Estudantes dessensibilizados se tornam profissionais insensíveis, e certamente não é isso que queremos quando levamos nossos animais ao veterinário ou quando nós mesmos recorremos ao médico.

Além disso, é compreensível que estudantes que alguma vez utilizaram animais para realizar treinamentos tenham mais afinidade por esse método. Diversas pesquisas mostram que estudantes tendem a preferir o aprendizado pelo método que lhes foi colocado. Um estudo realizado por Lock and Millet, em 1991, mostrou que a atitude de estudantes frente à dissecção e à pesquisa com animais tornava-se mais favorável a ela quanto mais expostos os estudantes eram a essas práticas. Em outro estudo, Strauss e Kinzey (1994) verificaram que colegiais melhoravam sua opinião em relação à dissecção de sapos quando dissecavam sapos, enquanto que melhoravam sua opinião sobre alternativas quando estudavam por meio desse recurso.

Estudantes de veterinária que praticam em cirurgias nas quais no final o cão se recupera tendem a apoiar esse tipo de prática, enquanto os que praticam cirurgias nas quais no final o cão é morto tendem a apoiar essa prática, conforme ficou evidente em um estudo realizado por Bauer e colaboradores em 1992. Um estudo de Arluke e Hafferty, de 1994, mostra que estudantes de medicina que no começo mostravam desconforto em realizar procedimentos terminais em cães vivos, acabavam se tornando cada vez menos sensíveis e culpados conforme realizavam tais procedimentos.

Há, porém, uma diferença entre o método preferido pelos estudantes e o melhor método de ensino. Mesmo que estudantes digam preferir utilizar animais para treinar técnicas cirúrgicas, não quer dizer que eles aprendam melhor utilizando esses métodos.

Fonte: ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais


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Olhar Animal – www.olharanimal.org


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