A defesa do especismo baseada no relativismo moral

A defesa do especismo baseada no relativismo moral

Por Luciano Carlos Cunha 

luciano Battery hensMuitas vezes, o especismo é defendido com base no relativismo moral. Por exemplo, como no argumento a seguir:

“Certo e errado são relativos à cada sociedade. Portanto, devemos respeitar a tradição de cada cultura. Já que toda e qualquer cultura usa os animais não humanos como recursos, não há, então, o dever de se respeitar os animais não humanos”.

Esse argumento parte da idéia de que certo e errado morais (ou seja, certo e errado quanto ao que se fazer na prática) são relativos à cada sociedade. Isto é, tal visão defende que, por exemplo, se uma determinada prática (digamos, a escravidão) é condenada socialmente em um país, será errado escravizar quando se estiver nesse país, e, se a mesma prática for aprovada socialmente em outro país, então será correto escravizar quando se estiver nesse país, e assim para qualquer outra prática.

Discursos que são apenas aparentemente relativistas

Antes de discutirmos o argumento relativista, é importante observar que muitas pessoas que proferem um discurso relativista, muitas vezes estão a querer dizer outra coisa, e não, fazer uma defesa do relativismo. Por exemplo, algumas pessoas que proferem o discurso citado acima não querem dizer que, se alguém pratica escravidão em uma sociedade onde esta é aprovada, está a fazer uma coisa justa, que tem boas razões para ser feita. Querem dizer, ao invés, que isso será visto, nessa sociedade, como algo correto (e não que, de fato, é algo correto). O que acontece é que muitas pessoas usam as expressões “é certo”, “é errado” como querendo dizer “é visto como certo”, “é visto como errado”. Assim, por exemplo, alguém que diz “a escravidão é certa no país x e errada no país y” muitas vezes está querendo dizer, na verdade, “a escravidão é vista como certa no país x e vista como errada no país y”. O mesmo acontece em relação ao tempo. Quando alguém diz “antigamente era certo escravizar, e hoje em dia é errado escravizar”, muitas vezes o que quer dizer é “antigamente, a escravidão era vista como certa, e hoje é vista como errada”. Se for esse o caso, então esse alguém não necessariamente é um relativista moral. Tudo o que está a fazer é descrever o que as pessoas em diferentes sociedades pensam sobre determinado assunto. Não está necessariamente a dizer que as razões para se fazer ou deixar de fazer algo dependem do que a sociedade onde estamos (ou, a visão predominante da época onde nos encontramos) acredita que deve ser feito.

Relativismo enquanto teoria sobre o significado dos termos morais e enquanto teoria sobre as razões para agir

Quando se fala em relativismo moral, há que se distingüir duas visões diferentes, que por vezes são chamadas pelo mesmo nome:

(1) Uma delas é uma teoria sobre o que alguém quer dizer quando falar sobre certo/errado morais (teoria sobre o significado);

(2) Outra é sobre como determinar o que é o certo/errado morais (teoria moral). A visão que é incorporada no argumento que estamos a discutir é a desse segundo tipo. Ou seja, alguém quer realmente dizer o que é certo/errado fazer.

Para entendê-la bem, precisamos comparar com a visão do primeiro tipo (a teoria sobre o significado):

O relativismo moral, enquanto teoria sobre o que alguém quer dizer quando diz “isso é certo”, “isso é errado”, afirma o seguinte: quando alguém diz “x é certo” está a dizer exatamente a mesma coisa que “minha sociedade aprova x”, e quando diz “x é errado” quer dizer exatamente a mesma coisa que “minha sociedade reprova x”.

luciano Slavezanzibar2Não é difícil ver onde está o erro com essa teoria. Imagine, por exemplo, que duas pessoas estão a discordar. Uma fala “a escravidão é certa”, e a outra fala “claro que não! A escravidão é errada”. Obviamente, essas pessoas estão discordando. Mas, se o relativismo moral, enquanto teoria sobre o significado, estivesse correta, não estariam a discordar. Uma pessoa estaria simplesmente a dizer “minha sociedade aprova a escravidão” e a outra estaria a dizer “minha sociedade condena a escravidão” (estariam apenas a descrever o que se passa nas suas respectivas sociedades). Mas, obviamente, não é isso o que querem dizer quando falam sobre a moralidade da escravidão. Quando alguém diz “a escravidão é errada”, está a dizer “não deve-se escravizar”, e não “minha sociedade condena a escravidão”. Assim sendo, o significado dos juízos morais é sobre o que deve-se e o que não deve-se (e o que tanto faz) fazer na prática, e não, descrições sobre que visão predomina em cada sociedade sobre o que deve-se e não deve-se (e o que tanto faz) fazer na prática.

Agora estamos em posição de entender o relativismo moral enquanto teoria sobre como determinar o que deve-se, o que não deve-se, e o que tanto faz, fazer na prática. O relativismo moral dirá: “queres saber a resposta para essas coisas? Pergunte à sociedade onde você está qual é a resposta”. Assim sendo, o relativismo moral dá, como critério para saber o que é certo e errado morais (ou seja, certo e errado quanto à prática), aquilo que cada sociedade pensa sobre o certo/errado morais. Muitas pessoas defendem o relativismo moral. Acreditam, por exemplo, em uma sociedade que condena a escravidão, ninguém deve escravizar, e, em uma sociedade que aprova a escravidão, está-se justificado a escravizar. Assim sendo, tal visão mantém que as razões para agir deveriam ser determinadas pela visão predominante em determinada sociedade sobre essas razões para agir. 

Um argumento contra o relativismo moral

Existe uma razão geral para se rejeitar o relativismo moral. A razão é como se segue. Se a visão moral predominante em uma determinada sociedade é tal, certamente há uma razão para que seja assim. Isto é, acredita-se que, por exemplo, “é certo fazer x” por algum motivo. Assim, haverá algum argumento visando justificar a posição em questão. Mas, obviamente, é possível avaliar esse argumento, como acontece em qualquer outra questão moral. Mas, a avaliação do argumento é totalmente independente do que as pessoas pensam sobre ele. Assim, só faz sentido as pessoas manterem determinada posição moral se houverem bons argumentos a favor de tal visão.

Por exemplo, se uma determinada sociedade defende que é correto escravizar pessoas que tem mais de cinco letras no nome, faz sentido perguntar por que isso seria correto. E, para se provar que isso não é correto o que devemos fazer não é perguntar “você, que tem menos de cinco letras no nome, gostaria de ser escravizado se o seu nome tivesse mais de cinco letras?”, pois, ele poderia nos responder “não gostaria, mas é o certo a se fazer”. O que temos de perguntar é o seguinte: “por que razão deve-se respeitar quem tem menos de cinco letras no nome?”. Qualquer razão sincera, que realmente explique o motivo pelo qual deve-se respeitar apelará ao possível prejuízo que ocorreria à vítima caso esta não fosse respeitada (aliás, é somente por isso, e nada mais, que faz sentido reivindicar o dever de respeitar alguém). Mas, se isso explica o dever de respeitar quem tem menos de cinco letras no nome, explica automaticamente o dever de respeitar quem tem mais de cinco letras no nome. Isso é assim, como vimos, porque as razões que explicam o dever de respeitar alguém não tem absolutamente nenhuma conexão com o número de letras no nome. Mas, também não tem absolutamente nenhuma conexão com a raça, o gênero e a espécie de alguém. Assim sendo, não importa se uma sociedade inteira acredita que essas considerações são relevantes para saber quem deve e quem não deve ser respeitado. Elas não são relevantes. O fato de todo mundo acreditar que são relevantes não as torna relevantes.

Assim, temos um argumento geral inicial para rejeitar o relativismo moral e, com ele, a defesa do especismo que nele se baseia. Contudo, existem outros argumentos a favor dessa teoria. Nas próximas postagens, analisaremos alguns argumentos comuns que são comumente utilizados para defender o relativismo:

O argumento genético

O argumento da possibilidade do desrespeito

O argumento de que todos os julgamentos morais são igualmente arbitrários 

Fonte: blog Especismo Não! 


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Olhar Animal – www.olharanimal.org


 

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