Ama os cavalos? Não os monte!

Ama os cavalos? Não os monte!

Por Dr. phil. Sônia T. Felipe

Não existe monta sem sofrimento para os cavalos, quer o montador tenha consciência da agonia e tormento do cavalo, seja bondoso, ou um psicopata que “ama” tanto seu cavalo a ponto de odiá-lo e chicoteá-lo quando não consegue fazê-lo entender o que quer.

O que importa é o que o corpo e o espírito do cavalo sentem, quando há qualquer “disciplina”, “doma”, “quebra” e “castigo”. O cavalo sempre sofre. A única forma de ele não sofrer é não ser montado nem encilhado. E, não sendo montado nem encilhado, não há esporte de qualquer tipo: bigas, troikas, corridas em plano raso, vaquejadas, rodeios, olimpíadas, polo, cavalhadas e tudo o que hoje existe porque o cavalo paga com sua dor e não raro com sua vida o gozo de quem o monta.

Quando leio e escrevo sobre a agonia dos cavalos, concentro-me nos cavalos. E o faço, exatamente, porque quem os monta e lhes passa o freio (o ferro) sobre a língua nunca pensou nem entendeu nada de anatomia e fisiologia de cavalos. Pode até ter tido muita aula prática de equitação, mas não teve luz alguma sobre o que se passa debaixo do seu traseiro bem acomodado sobre o lombo de outro animal, tão ou mais sensível do que aquele que o monta.

Se eu escrever uma linha dizendo que há pessoas boazinhas com os cavalos, todas, leia-se, todas as pessoas vão se aconchegar nessa linha. Só existe um tipo de pessoa boa para os cavalos: a que não os monta. A que cuida deles e os deixa viver a seu modo. Rara pessoa humana, rara pessoa equina, a que tem tal chance de vida, em paz, sem a agonia dos ferimentos invisíveis aos olhos de toda gente e também de quem a monta.

E os cavalos continuarão a ser montados na manhã seguinte, a ter o ferro cruzando sua língua na manhã seguinte, a receber chicotadas na manhã seguinte, a ter uma sela amarrada sobre seu lombo para levar uma sedentária ou um sedentário, por horas, sobre sua coluna, sofrendo, no galope, cada golpe do peso de quem o monta e da sela que nunca é desenhada para respeitar a singularidade do corpo do animal. O cavalo sofrerá tudo isso na manhã seguinte àquela na qual a pessoa leu algo e se classificou como pertencendo ao grupo das que “amam” cavalos. Quem ama não os monta!

Escrevo para o animal. É o meu dever. Quem não coloca freio nem cabresto, não coloca sela, não usa esporas, não usa chicote, quem controla o animal apenas se comunicando com ele, sem qualquer meio repressivo e doloroso (só os Nevzorov sabem fazer isso!), não precisa se magoar com o que eu escrevo.

E quem faz tudo de mal ao cavalo em nome do “amor” que tem por ele, deve ir para um analista. Os cavalos não são seres masoquistas. Se estão com um sádico montado em seu lombo, é porque o sádico é um psicopata, quer tenha consciência de si, quer não. Há muita gente que “ama” seu cão de estimação. Ama tanto que o condena à prisão perpétua e à solidão. Tranca-o no apartamento sozinho a semana toda, da manhã até à noite, para ter algo vivo à sua espera quando chega exausta ou exausto do trabalho ou das noitadas. Isso não é amor. É escravização. É privação. É condenação.

Entendo bem a angústia de quem conhece pessoas sem maldade que dizem amar os cavalos e não querem machucá-los. Mas não tem exceção na equitação e na tração. Usou freio, rédeas, esporas e chicote, é sessão de sadismo puro. Mesmo que a pessoa não veja toda a dor que causa.

E quem está sentado atrás da cabeça do cavalo não vê a dor dele. E a dor que ele sente dentro da boca é indescritível. E a dor de uma úlcera também é indescritível. E a de uma pata lesada, idem. E a dor do pulmão, pelo esforço extraordinário de puxar uma carga morta ou levá-la sobre a coluna, idem.

E exatamente por serem indescritíveis todas as dores do cavalo é que ele obedece. Porque seu espírito evoluiu para não gritar de dor, pois, na natureza, o cavalo, assim como a vaca, não recebem ajuda de ninguém quando estão feridos. Pelo contrário, se gritarem de dor os predadores os elegem como alvo na próxima rodada.

Então, o cavalo estrebucha, mastiga o freio nervosamente, balança a cabeça de um lado para o outro, dá ré, recusa-se a seguir, tudo isso porque está doendo demais e ele não tem como avisar ao peso morto sobre suas costas. Ao peso morto que vive causando toda essa dor a ele sem “sentir” no próprio corpo, porque o corpo do peso morto sente mesmo é prazer em estar lá em cima, seguindo seu passeio ou fazendo “seu”(?) esporte preferido.

Não porque tenha gostado da prática ou do peso da gorda e do gordo, da magra e do magro, sentados sobre sua coluna, é que o cavalo segue. Não. Ele obedece porque é um animal fisiológico. Sua existência é seu sentir. E ele sente horrores de dores com tudo o que fazem para que ele faça o que não tem interesse ou motivação natural alguma para fazer.

E, quando o cavalo obedece, é porque tem memória viva de que uma dor ainda maior virá, caso não siga em frente: uma puxada firme das rédeas, que lhe produzem o choque no sistema dos nervos craniais, uma chibatada sobre as carnes já inflamadas pelas chibatadas do dia anterior, dos minutos anteriores.

E, muitas vezes, não é somente na boca que a lesão é manifesta. É nas patas que está uma inflamação. É no lombo, pelo atrito do corpo da montaria impactando com a sela as partes da carne do animal, a cada passo, a cada galope. É no estômago. É no pulmão.

Até o ano de 2008, Alexander Nevzorov (Nevzorov Haute École) ainda montava 5 minutos ao dia, podendo chegar a 15, excepcionalmente. Desde 2008, a monta foi definitivamente abolida de suas práticas. Ele escreve: “The year 2008 was a turning point in the history of the School. This was the year that we fully rejected horseback riding. The horse is not intended for riding even the slightest degree. Not physiologically, not anatomically, not psychologically. I had come a pretty long way to have this realization, and it is based not only on my feelings but first of all on the results of long term research. I understand how difficult ist to accept this fact. But the ability to abandon horseback riding is a guarantee of a true, high relationship with the horse. Today horseback riding is a turning point of our history. Now we comprehend and bring into this world another beauty – the beauthy of a conversation with the horse as an equal.” The horse crucified and risen, 2011, p. 223. Por quê?

Porque as carnes ficam inflamadas. A Lydia Nevzorova é fisiologista. Ela faz os exames de termografia computadorizada nos cavalos, e, pelas imagens coloridas, detecta cada área do corpo inflamada e grau dessa inflamação. Esse exame é muito caro. Só os “cavalos ricos” são examinados para a detecção das áreas de inflamação. E o são apenas quando começam os fracassos nas competições, quando eles não têm mais forças psicológicas para obedecer, apesar da dor das puxadas das rédeas em sua face e boca, ou das chicotadas e esporadas. Quando, apesar de toda essa dor, ainda assim o animal não mais obedece, se o “dono” é rico, então o leva para o exame termográfico computadorizado. E o que Lydia Nevzorova encontra é um corpo inflamado da boca às patas, quando não ao ânus (no caso de choques elétricos).

As fotos são impactantes. Na foto de um cavalo sem inflamação alguma, a de um não usado para montaria, a imagem do corpo todo aparece em azul, sem manchas luminosas. Os animais montados e lesados nas patas, nos tendões, na nuca, no dorso, nos flancos, aparecem com as lesões todas em cores de ondas longas, mais vivas, evidenciando os machucados invisíveis ao olho nu. E esses ferimentos internos estão ali todos os dias nos quais o animal é montado e quem o monta não vê. Todos os dias. Cego por seu amor à prática, o equitador nada vê.

É um tormento ter o corpo todo inflamado. E ser usado todo dia para dar a um humano prazeres que só existem à custa dessa dor. E a maldade não é minha, nem do cavalo. E tudo isso sempre foi guardado como segredo, a sete chaves, para que ninguém pudesse abrir os olhos e ver o que está fazendo, quando monta um cavalo. Não está só montando o animal. Está, literalmente, levando-o para mais uma sessão de tortura

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