Ao Açougueiro Vegano: uma resposta ao ataque da National Hog Farmer contra o projeto vegano The Herbivorous Butcher

Em 25 de janeiro, a editora do blog National Hog Farmer (entidade americana que explora porcos para abate) Cheryl Day, publicou um artigo criticando a proposta do The Herbivorous Butcher, um bistrô vegano inaugurado nos EUA que oferece alternativas vegetais à carne e aos laticínios. (aqui: http://nationalhogfarmer.com/blog/vegan-butcher-just-plain-wrong#comment-374041) O principal ponto da argumentação de Cheryl é que o uso da palavra “butcher” (açougueiro ou açougue) seria “antiético” por induzir ao consumo de vegetais que reproduzem o sabor da carne. Isso embora fique claro em todos os momentos, e seja mesmo o principal argumento mercadológico da iniciativa, que os produtos servidos ali são veganos, desprovidos de qualquer ingrediente originado da exploração animal.
Cheryl também alega que não é verdade que a indústria pecuária é mais danosa para o meio ambiente que a agricultura – e para isso lança mão do já conhecido e desmascarado artigo publicado pela universidade Carnegie Mellon, onde se compara o gasto de recursos naturais e a emissão de gases de efeito estufa, por caloria, para a produção de bacon e de alface, sugerindo que a produção de carne é mais sustentável, sem levar em consideração a densidade calórica desses alimentos. (Para ficar claro: alface não é nem nunca será a principal fonte de calorias e nutrientes de uma dieta, simplesmente porque o volume que precisaria ser ingerido para atingir a cota calórica diária necessária é incompatível com a capacidade de ingestão do corpo humano. A inevitável transição da dieta padrão humana, do carnismo atual para o veganismo, se dará elegendo os grãos como fonte principal de nutrientes, já que estes apresentam grande densidade calórica. E a produção destes é, sim, mais sustentável que a produção de carne.)
A autora também lembra que Deus criou os animais para desfrute do homem – sem apresentar provas de que Deus existe de fato, escorregando em mais uma incorreção científica – e que o “direito de escolha” de quem come carne deve ser respeitado, ignorando que quando uma escolha ou preferência pessoal gera uma vítima, não se trata mais de uma questão de escolha e sim de uma questão de direitos.
Cheryl ainda pergunta, ao apontar aquilo que percebe como uma contradição ideológica dos veganos, por que essas pessoas desejariam consumir alimentos vegetais que reproduzem na aparência e no sabor as características dos de origem animal. E conclui que todo o projeto do The Herbivorous Butcher ( aqui: http://www.theherbivorousbutcher.com/) é “simplesmente antiético e errado”.
A reação dos defensores dos direitos animais na própria página do National Hog Farmers foi imediata e arrasadora, repleta de argumentações educadas, lógicas e cheias de informação (pouco restou a Cheryl, em sua raras tréplicas, a não ser colocar-se no falso papel de vítima de desrespeito). O texto infeliz acabou por transformar-se numa oportunidade de debate, e numa demonstração do crescimento da consciência pelosdireitos animais em todo mundo. A baixo, a tradução do artigo e uma das respostas, assinada apenas como Nurse Teri, um dos melhores exemplos de como a lógica do antiespecismo é capaz de desestabilizar os argumentos carnistas:
Vegan butcher, just plain wrong – (Açougue Vegano, simplesmente errado)
by Cheryl Day in National Hog Farmer Blog,
Jan 25, 2016.
“No último final de semana, um açougue de Minneapolis roubou um pouco das manchetes sobre a nevasca na East Coast, causando um grande alvoroço para celebrar a abertura do primeiro açougue vegano. Sim, eu disse “Açougue Vegano”. Então, o que exatamente é isso?
Numa sociedade que parece se esforçar pelo politicamente correto todo o tempo, será que não vemos nada de errado com um estabelecimento de comida livre de carne que se autodenomina um “açougue”? Afinal de contas, por definição, um açougueiro é uma pessoa que colhe (no original, “harvest”) animais e trabalha a carne nos cortes desejados que nós todos amamos devorar. Acho que uma vez que o casal de irmãos proprietários anuncia que “cuidadosamente prepara carnes e queijos alternativos 100%veganos, livres de crueldade, que mantém os melhores sabores, texturas e nutrientes que a maioria das pessoas está acostumada sem impactos negativos sobre a saúde, os animais e o meio ambiente” , a loja se qualifica como açougue. Pessoalmente, como uma amante das palavras, acho que há algum tipo especial de manipulação criativa da linguagem e marketing aí. Ao mesmo tempo, é simplesmente errado e antiético em todos os níveis.
Antes que eu vá adiante, deixe-me enfatizar que eu acredito fortemente que cada pessoa tem o direito de escolher o que come. Se você opta por uma refeição sem carne ou uma dieta sem carne, tudo bem: isso só deixa sobrar mais carne para o resto de nós saborearmos.
Entretanto, alguém tem que me explicar o que é exatamente essa fascinação por criar carne e queijos falsos que parecem precisamente a mesma coisa que os autênticos – esperança de induzir os apreciadores de carne a comerem bacon de tofu? Mesmo? Se carne e queijos são coisas tão ruins, então porque imitá-los? Imitação não é a maior forma de elogio?
Dando uma olhada na lista do menu, usar palavras como salsicha, manteiga, bolonhesa, presunto, peru e queijos contraria a regra da verdade nos anúncios. Provavelmente, o mais preocupante é a gritante mensagem que os donos do The Herbivorous Butcher, Aubry e Kale Walch, estão levando ao mundo, de que proteínas animais são más para nossa saúde e para o meio ambiente. Uma mensagem muito possivelmente trazida das reuniões da organização People for the Ethical Treatment of Animals (PETA) que eles abertamente admitem frequentar.
Apenas pesquisando, cientistas da Purdue University descobriram que incluir proteína de carne de porco com baixo teor de gordura na sua dieta pode ajudá-lo a perder peso mantendo a massa magra, incluindo os músculos. De forma geral, carnes são opções inteligentes e saudáveis para uma dieta balanceada. No recentemente lançado 2015-2020 Dietary Guidelines for Americans, a USDA e o Department of Health and Human Services recomendam que uma variedade dealimentos proteicos, os quais incluem carnes magras, devem fazer parte de dietas saudáveis. Justamente por que os derivados de carne e aves são alimentos nutritivos repletos de proteínas, ferro, zinco e vitamina B, e também de baixas calorias quando selecionadas as carnes magras.
Além disso, pesquisas da Carnegie Mellon University descobriram que o cultivo de frutas e hortaliças demanda usos relativamente mais altos de recursos e gera mais emissões de gases de efeito estufa por caloria quando comparado a carnes e aves. Na verdade, ele aumenta o impacto ambiental em três categorias – energia (aumento de 38%), água (10% mais) e as emissões de GEE (aumento de 6%).
“Consumir alface é cerca de três vezes pior em termos de emissão de gases de efeito estufa do que comer bacon”, afirma o professor Paul Fischbeck. “Vários dos vegetais mais comuns consomem mais recursos por caloria do que você poderia imaginar. Berinjela, aipo e pepinos parecem particularmente ruins quando comparados à carne de porco ou frango. “
No entanto, a parte mais difícil de engolir da pregação do The Herbivorous Butcher é a afirmação sobre “impacto negativo para os animais”. Eu agradeço a Deus todos os dias por ter-nos dado animais e plantas para nutrir nossos corpos. Os produtores de gado tratam os animais que criam com o maior respeito, cuidando deles apaixonadamente dia após dia. Avanços tecnológicos têm permitido à indústria da carne e aves não desperdiçar nenhuma parte do animal.
Finalmente, para membros convictos da PETA como os Walshes, o termo “açougueiro” é frequentemente associado com assassinato, o que está longe do verdadeiro processo de abate (grifo da tradutora: no original, “harvesting”, colheita). Se o termo é tão negativo, eu tenho que perguntar: por que usá-lo como a sua marca?
Resposta de Nurse Teri:
Eu entendo que examinar, questionar e repensar nossas crenças, escolhas e comportamentos pode ser desconfortável. Fazer isso às vezes ameaça nossa própria percepção de identidade. E mudanças são assustadoras para muitas pessoas. Eu também entendo que a maioria das pessoas irá para o túmulo tendo vivido de acordo com um sistema que elas não escolheram, mas foram doutrinadas para viver de acordo, desde o nascimento.
Há 24 anos adotei um estilo de vida que busca evitar danos a outros animais, ao planeta e ao meu corpo, então estou acostumado com piadas, zombarias e ataques defensivo que vêm daquele que pensam que matar outros seres é uma escolha pessoal a ser respeitada e um direito a ser mantido, desde que a vítima não seja humana. Mas às vezes, eu me sinto abalada quando leio sobre o que vai nos corações e mente dos outros. Às vezes eu fico tão triste a ponto de chorar. Às vezes fico furiosa. Às vezes fico enojada. Hoje fiquei de todas essas formas após ler o artigo intitulado Vegan Butcher (Açougueiro Vegano) ridicularizando a escolha de dois irmão americanos de produzir e vender alternativas vegetais a carne e laticínios em seu recém aberto bistrô em Minnesota.
Quer dizer que a prática de matar animais para comê-los agora foi renomeada com o eufemismo “colheita”, um termo historicamente associado com o que nós fazemos quando cultivamos plantações de vegetais? E “abate humano” é a nova descrição marqueteira para matadouro, sendo usado para que os consumidores que se opõem ao tratamento dado aos animais nas fazendas de produção possam aliviar suas consciências ao mesmo tempo em que continuam financiando assassinato e violência. As palavras “humano” e “abate” na mesma expressão são uma contradição, já que não há nada de humano em matar outro ser que quer continuar vivendo.
Mas de acordo com esses mesmos que apoiam a adaptação de palavras para vender morte, não é legal chamar a si próprio de “açougueiro vegano” e gerenciar um bistrô que fatia plantas em lugar de animais. Por que a indústria de laticínios faz objeção à palavra leite aplicada aos leites vegetais? Por que a indústria de ovos tentou forçar legalmente a maionese Just Mayo a não referir-se a si própria, um produto sem ovos, como maionese? Porque os “fazendeiros de porcos” não ficam irritados pelo fato de que os hamburgeres (ham = presunto) não terem presunto neles? Ou que os cachorros quentes não tenham de fato carne de cachorro? Será que o algodão doce é mesmo de algodão? O coquetel Bloody Mary tem de fato sangue na receita? (argh) Ou os biscoitos tipo Oyster (ostra) tem mesmo ostras na composição?
Vamos cair na real. Não é sobre o uso de palavras que estamos debatendo. É sobre a enorme indústria da pecuária percebendo que a mudança está acontecendo em torno deles, e pode ameaçar seus lucros se a nova onda de consumidores esclarecidos continuar a crescer. Isso, combinado com mentes e corações fechados à ideia de que animais não humanos não são objetos e que a atual dieta humana padrão não é sustentável e está destruindo o planeta e a vida nele.
Eles sugerem que há algo incoerente no fato de alguém escolher se abster de comer animais e preferir comer alimentos feitos de vegetais se eles forem preparados de forma a reproduzir as texturas e sabores similares àqueles historicamente encontrados nas receitas que incorporam carne e secreções animais. Mas não há nada de contraditório nas pessoas não quererem participar dos danos e assassinatos a outros seres, enquanto ao mesmo tempo ainda desejam a experiência de saborear alimentos com o mesmo gosto daqueles que elas cresceram comendo. O ponto é que podemos ter ambas as coisas – todo o prazer sem nada da matança.
Como isso pode ser mais incoerente do que alguém tentar fazer cookies com baixo teor de gordura, margarina em lugar de manteiga, refrigerante sem açúcar, substitutos para o sal, cerveja light, ou qualquer outra reinvenção daquilo que comemos que esteja baseada em encontrar uma forma criativa de eliminar o que vemos como negativo e reter aquilo vemos como positivo?
O mais estranho para mim é que diante da questão “Se você pudesse comer alimentos que satisfazem seu paladar, e ainda fossem mais saudáveis, custassem menos, fossem melhores para o planeta e não implicassem a morte de outros seres sencientes, você comeria?”, ainda haja qualquer hesitação na resposta. Ainda que o sabor não seja exatamente o mesmo, mas ainda assim gostoso. Ainda que o sabor exija algum tempo para nos acostumarmos com ele… Será que as considerações sobre o paladar estão mesmo acima de questões de vida ou morte?
[…]
Não há nada de errado em adorar as almôndegas da mamãe mas escolher outras com o mesmo sabor porém feitas de vegetais, tanto quanto não há nada de errado em adorar a torta de maçã que ela faz mas decidir não usar mais banha na receita, já que há alternativas melhores que não são tão ruins para a saúde do coração. E falando de saúde do coração… Um coração sadio é aquele que ama sem discriminação.
Para qualquer um interessado em aprender mais, sugiro assistir ao documentário “Cowspiracy” , para entender melhor por que as mentiras sobre o impacto ambiental de animais agricultura ainda circulam apesar do reconhecimento global de que a pecuária industrial está destruindo nosso planeta mais do que todas as outras causas combinadas.
Para qualquer pessoa interessada em aprender a verdade sobre como 90 bilhões de animais terrestres anualmente são tratados, por favor assistir aos documentários, “Earthlings” (Terráqueos) e “Meet your Meat” (Conheça sua carne).
Para quem procura por outras informações, assistência ou apoio na transição para uma vida que leva os animais fora do menu, fique à vontade para vir a mim a qualquer hora e estarei à sua disposição.
Por Liège Copstein
Fonte: Olhar Animal