Após 1 ano, búfalas maltratadas têm nova vida com ajuda de voluntários e doações: ‘um milagre’, diz veterinário

Há um ano, centenas de búfalas encontradas em situação de maus-tratos em Brotas (SP) comiam até cascas de árvores na tentativa de sobreviver. Muitos animais não resistiram, mas os que conseguiram ajuda de voluntários seguem em recuperação na Fazenda Água Sumida, agora em espaços apropriados, situação muito diferente da flagrada pela Polícia Ambiental em 6 de novembro de 2021.
O g1 visitou novamente a fazenda e conversou com o presidente da ONG Amor e Respeito Animal (ARA), Alex Parente, que com um sorrido estampado no rosto contou sobre o que mudou neste um ano de operação ‘Búfalas de Brotas’. Veja aqui fotos dos animais.
“Só de estar vendo elas [búfalas] assim, esse olhar, nem se compara com o que a gente encontrou aqui, com aquele sofrimento todo. Então, é um sentimento de gratidão à todos que tornaram isso possível, porque não adiantaria nada a nossa força de vontade de estar aqui se não fosse a ajuda de todos, dando condição para que nós estivéssemos aqui, fazendo o melhor por elas. É gratidão por todos que colaboraram para que tenha essa nova realidade aqui na fazenda um ano depois”, disse.
Para um veterinário que cuida dos animais há 7 meses, a operação de resgate e tratamento é um milagre. ‘Quem não acredita em milagre pode olhar pra cá”. (veja mais abaixo). O dono da propriedade responde em liberdade por maus-tratos.
VÍDEO: Resgate das ‘Búfalas de Brotas’ completa 1 ano e presidente da ONG comenta o que mudou
Terror de quando chegou

Durante a conversa, Parente relembrou do momento em que recebeu a denúncia de maus-tratos na fazenda. Na época, morador de Dois Córregos, onde fica a sede da ONG, ele contou que não conseguia acreditar nas cenas que viu quando chegou em Brotas, cidade vizinha.
“Quando eu cheguei em Brumadinho, porque eu também fui ajudar lá, eu me surpreendi de ver o que eu estava vendo. Mas quando eu cheguei aqui eu fiquei mais surpreso ainda, porque era uma coisa inacreditável. Em Brumadinho foi um acidente causado por uma empresa, mas era diferente do que encontramos aqui, porque aqui o fazendeiro podia ter feito qualquer coisa com esses animais a partir do momento que ele não queria mais”, disse.

Uma grande mobilização foi feita com a chegada da ONG ARA e, a partir da ajuda de voluntários, seja com doações em dinheiro ou com trabalho na fazenda, os animais que sobreviveram aos maus-tratos começaram a ter uma história diferente.
Esperança

Mais de 100 bezerros nasceram no local e vivem livres, ao lado de suas mamães búfalas. Apesar do tempo de tratamento, algumas vacas ainda continuam debilitadas e, por isso, o gado foi dividido em dois.
Em um dos pastos estão os bezerros e vacas que ainda necessitam de mais atenção e, em outro, estão os animais mais saudáveis.
“Eu falo que a gente não tem animal recuperado. Por mais gordo que esteja, pode estar no score 5 (avaliação visual da quantidade de gordura no corpo de uma vaca), ele está em recuperação. Os próprios laudos apontaram, lá no início, que muitos não iriam se recuperar, eu mesmo não acreditava, só que até hoje a gente tem bicho, vira e mexe, que está normal, você olha e está beleza e no outro dia não consegue levantar sozinho. Aí começa todo aquele trabalho, você pega, leva pro hospital, fica 2 dias aqui, a gente leva embora pra USP, sabe?”, explicou Parente.

Atualmente, a ONG tem uma parceria com o campus da USP de Pirassunuga e, quando um animal se apresenta um pouco mais debilitado, é levado para a unidade, onde é submetido a um tratamento especializado. Apesar de todos os esforços, a ONG ainda registra óbitos de animais.
Trabalhando na operação há sete meses, o médico veterinário Alan Gomes dos Santos disse vivenciar um milagre ao ver os animais.
“O que foi feito aqui com esses animais nesse um ano de operação foi um milagre. Quem não acredita em milagre pode olhar pra cá. Os animais estão caminhando, como o Alex falou, não tem ninguém recuperado, mas eles estão no processo. Aqui está cheio de vaca que passou 4, 5, 6 dias, 1 mês no hospital, tá cheio de vaca aqui, temos os prontuários para conferência, e agora estão aqui [no pasto], isso pra mim já é uma conquista, já é uma vitória”, afirmou.

Pastejo rotacionado
Ativista da causa animal há mais de 10 anos, Parente só tinha conhecimento do tratamento de cavalos. Ao chegar na fazenda Água Sumida precisou buscar especialização e ajuda para saber qual a melhor forma de tratar o rebanho.

Nesses treinamentos, aprendeu a técnica de pastejo rotacionado na Embrapa, o que ajudou a diminuir os custos mensais com alimentação e proporcionar uma melhor qualidade de vida para os animais.
Com a implantação do pastejo rotacionado, é preciso fazer um planejamento para definir onde cada lote de vaca vai ficar. O objetivo desse sistema é aumentar a eficiência da pastagem, já que é feito um calendário onde sempre haverá partes do pasto sendo usadas e partes em descanso, para que a planta se recupere.

“Eles ficam um tempo em cada piquete porque a fazenda não tem uma área de pasto disponível para todos os animais ficarem durante o ano todo. Mas nesse período de chuva, com as cercas que nós construímos e reformamos, é possível fazer esse pastejo rotacionado”, disse.
O veterinário também acrescentou que existe uma filosofia de gestão. “A gente pensa primeiro em comida, depois sanidade e as outras coisas são consequência. Essa é a base de trabalho aqui. Parece que tudo se resume a comida e sanidade, sim, tudo se resume a comida e sanidade”, explicou Santos.
Investimentos

Para que o pastejo rotacionado fosse implatado, a ONG Ara investiu cerca de R$ 70 mil em construção e reforma de cercas.
Além disso, a ONG investiu na compra de um caminhão, para que não fosse mais necessário pagar o frete de um veículo alugado. Também diminuiu o custo com a compra de alimentos, já que foi adquirida uma ensiladeira e boa parte do processo é feito na própria fazenda.
“Nós fizemos investimentos que hoje a gente tá vendo o quanto foi importante fazer aquilo naquela hora. Eu mesmo tinha medo, o pessoal falou ‘Alex, vamos gastar R$ 70 mil em cerca’, eu falava ‘meu deus do céu, é muito dinheiro pra gente gastar em cerca numa fazenda que não é nossa’, mas se não tivesse gastado esses 70 mil em cerca, ia estar gastando 70 mil por mês para manter esses animais alimentados”, disse.
“Outra coisa que diminuiu o custo foi a gente parar de comprar o material pronto. A gente compra a matéria prima e processa aqui. Graças a essa capacitação que buscamos junto a Embrapa e Governo do Estado, hoje a gente compra cana e milho, processamos e fazemos o silo, pra ficar mais em conta do que comprar o silo em si”, acrescentou.
Arrecadação de doações e prestação de contas
Desde o começo da operação, a ONG conseguiu arrecadar cerca de R$ 2 milhões. Entretanto, boa parte dos recursos já foram gastos para manter o rebanho.

No início, a ONG chegou a gastar quase R$ 90 mil por mês para manter a alimentação dos animais. Neste último mês, os gastos ficaram em torno de R$ 20 mil. De acordo com Parente, todo dia 5 de cada mês, a ONG apresenta uma prestação de contas à Justiça.
Apesar de haver uma decisão judicial que obriga os donos da fazenda a pagarem mensalmente R$ 28 mil para custear parte do tratamento e manejo das búfalas, a ONG nunca recebeu os valores. No início foi determinado o valor de R$ 55 mil, mas a família conseguiu na Justiça que o valor caísse pela metade.
Diariamente, nove pessoas trabalham no trato da fazenda, sendo seis funcionários contratados e três voluntários. Segundo Parente, depois do resgate crítico feito em novembro de 2021, o local recebe voluntários aos finais de semana e em períodos de férias, como julho, dezembro e janeiro.
Em março deste ano, a ONG lançou uma campanha de apadrinhamento dos animais, como uma forma de angariar valores para o custeio dos búfalos. A meta era apadrinhar 1 mil búfalos, mas apenas 400 receberam padrinhos e madrinhas.
Futuro de liberdade

Ainda na briga judicial pela tutela definitiva dos animais, Parente almeja um futuro próximo dos animais, mas longe de qualquer situação de sofrimento.
“Estamos em busca de um local para arrendar, levar os animais. A fazenda é dele, não queremos a fazenda. Queremos os bichos livres, a vida não tem preço”, disse.
Entenda o caso

Em novembro de 2021, após denúncias, a Polícia Ambiental encontrou mais de mil búfalas em situação de abandono em uma fazenda de Brotas.
De acordo com a polícia, os animais estavam em péssimas condições, sem comida e água. Pelo menos 22 deles já estavam mortos.
O responsável pelo local, o fazendeiro Luiz Augusto Pinheiro de Souza chegou a ser multado em mais de R$ 4 milhões e foi preso por maus-tratos, entretanto, saiu da cadeia após pagar fiança. Ele voltou a ser preso novamente em janeiro deste ano e foi solto em junho.
O pecuarista negou maus-tratos, justificou a falta de pasto por conta da estiagem e atribuiu a perda de peso dos animais à idade avançada.

Voluntários se mobilizaram para cuidar dos animais e, liderados por Alex Parente, da ONG Amor e Respeito Animal (ARA), começaram a trabalhar na recuperação dos bubalinos, além de travar uma briga judicial pela tutela do rebanho.
Em dezembro do ano passado, pelo menos 98 carcaças de búfalos foram localizadas e desenterradas por peritos da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp) na fazenda.

Por Ana Marin e Fabio Rodrigues
Fonte: G1