As mães chimpanzés são como nós: fazem o luto, cuidam e tiram tempo ‘pessoal’
Cuidados infantis 24 horas por dia durante um ano. Amamentação até aos cinco anos de idade. Uma relação intensa e prolongada que dura mais de uma década.
Soa familiar? Tal como as mães humanas, os chimpanzés investem imensos recursos na criação dos seus descendentes, que podem viver até aos 40 anos na natureza. Embora as comunidades de chimpanzés – que variam desde as florestas tropicais do Uganda até às florestas de savana da Tanzânia – sejam diversas, com as suas peculiaridades e comportamentos, todas partilham as mesmas fundações: laços poderosos entre mãe e filho.
Nos últimos anos, novas investigações têm desvendado a maternidade nos chimpanzés, ao mesmo tempo que fornecem informações valiosas sobre esta espécie em extinção.
Devido à destruição de habitat, caça e doenças, as populações de grandes símios tiveram um declínio de pelo menos 70% – passando de cerca de um milhão de indivíduos em 1900 para os cerca de 172.000 a 300.000 da atualidade. Aprender mais sobre as suas relações sociais pode fortalecer os esforços de proteção da espécie, ajudando os conservacionistas a compreender quais são os fatores, como o tamanho do habitat, que as comunidades de chimpanzés precisam para prosperar.
Existe algo sobre os laços entre os chimpanzés “que na realidade é quase indescritível, como nas relações amorosas humanas”, diz Rachna Reddy, pós-doutoranda na Universidade de Harvard que observa estes animais na natureza há anos.
Eis algumas descobertas que estão a mudar o que sabemos sobre as mães chimpanzés – e a revelar como são parecidas connosco.
Laços mãe-filho
As fortes relações entre mãe e filho têm sido documentadas por várias gerações de primatólogos, mas só no ano passado é que um estudo mostrou que estes afetos não são apenas encantadores – provavelmente são a norma.
Rachna Reddy e o coautor Aaron Sandel passaram três anos a observar como 29 adolescentes e jovens adultos machos da comunidade de chimpanzés Ngogo do Parque Nacional de Kibale, no Uganda, interagiam com outros chimpanzés. Os chimpanzés macho não viam as suas mães com a mesma frequência com que estavam habituados, mas quando os seus caminhos se cruzavam, os filhos procuravam as mães e cuidavam delas durante longos períodos, provavelmente repetindo comportamentos da sua infância.
Alguns tinham ligações de grande proximidade: “Cerca de um terço dos machos adultos eram basicamente os melhores amigos das suas mães”, diz Rachna.
Este tipo de relação duradoura entre mãe e filho provavelmente é transversal aos outros grupos de chimpanzés. Mas entre os mamíferos é altamente invulgar, já que a maioria dos machos abandona o seu grupo de nascimento quando atinge a maturidade. Nos chimpanzés, são as fêmeas que encontram um novo grupo, razão pela qual os amigos mais próximos de uma chimpanzé fêmea são provavelmente os seus próprios filhos.
Mesmo que os jovens machos não abandonem a família, enfrentam uma transição difícil: entrar na hierarquia social dos machos adultos.
O estudo também descobriu que as mães desempenham um papel crucial nesta fase de transição, defendendo os seus filhos durante os conflitos com machos mais velhos, para além de os reconfortarem através do toque.
Cuidados pessoais de mães chimpanzés
Sean Lee, cientista de pós-doutoramento na Universidade George Washington, tem reavaliado a sabedoria convencional sobre a vida quotidiana das fêmeas chimpanzé.
Por exemplo, os cientistas assumem há muito tempo que as mães chimpanzés não são muito sociáveis porque passam demasiado tempo com os filhos.
Mas através de conjuntos de dados mais abrangentes – e mentes abertas – Sean e os seus colegas descobriram que as mães chimpanzés passam pelo menos tanto tempo de qualidade com outros adultos como os seus famosos parentes, os bonobos.
Para um estudo que foi publicado no início deste ano, Sean e os seus colegas gravaram o comportamento de amamentação de bonobos na República Democrática do Congo. Os investigadores compararam depois essas observações com décadas de dados sobre chimpanzés do Parque Nacional de Gombe Stream, na Tanzânia.
A equipa observou a quantidade de tempo que cada espécie passava a realizar várias atividades, como comer, viajar, cuidar da aparência e brincar.
As mães chimpanzés passavam mais tempo com os seus bebés – e menos tempo com outros chimpanzés – do que os bonobos. Mas as mães chimpanzés passavam pelo menos tanto tempo quanto os bonobos em atividades sociais de qualidade, como a cuidar da aparência e a brincar.
“Era exatamente o oposto do que estávamos à espera”, diz Sean. Estas descobertas mostram que “as mães chimpanzés continuam a precisar de interação social e do seu tempo social – e têm-no”.
Luto em união
As investigações sobre chimpanzés em cativeiro também podem oferecer alguns conhecimentos sobre o comportamento dos seus parentes selvagens.
Moni, uma das chimpanzés de nível hierárquico mais baixo da sua comunidade no Royal Burgers’ Zoo, nos Países Baixos, teve dificuldades para se relacionar com os outros 14 chimpanzés no seu recinto, e por vezes ficava a olhar para os chimpanzés de quem queria cuidar.
“Ela não sabia realmente ser um chimpanzé”, diz Zoë Goldsborough, doutoranda na Universidade de Utrecht que passou meses a observar Moni e a sua comunidade.
Numa manhã, Zoë e a sua colega, Kayla Kolff, descobriram um bebé nado-morto no recinto e perceberam que Moni tinha escondido que estava grávida.
A comunidade de chimpanzés estava invulgarmente silenciosa naquele dia. Mas em vez de evitarem Moni como de costume, os chimpanzés sentaram-se ao lado dela, beijaram-na e ofereceram os seus dedos para ela segurar ou colocar na boca.
Os investigadores já sabiam que os chimpanzés provavelmente faziam o luto, mas a experiência de Moni pode ser a primeira evidência documentada de que os chimpanzés – pelo menos em cativeiro – consolam os sobreviventes de uma perda, diz Zoë, primeira autora de um estudo recente sobre este tipo de comportamento.
Embora o afeto intenso dos outros chimpanzés por Moni tenha durado apenas algumas horas, a sua perda pode ter ajudado na sua integração no grupo: agora é uma chimpanzé de nível médio com vários parceiros de cuidados.
A consciência da própria mortalidade era encarada como algo que “separava animais e humanos”, diz Zoë, mas as investigações mostram que os chimpanzés sentem uma dor intensa – uma de muitas emoções que partilhamos com os nossos parentes símios.
Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com
Fonte: National Geographic