Câmara de Florianópolis promove audiência pública sobre Merenda Escolar Vegetariana
Exposição de motivos feita pela pesquisadora Sônia T. Felipe para a adoção da Merenda Escolar Vegetariana (vegana) na rede municipal de ensino.
Por Dr. phil. Sônia T. Felipe
Audiência Pública para debate do Projeto de Lei n. 15203/2013, de autoria do Vereador Afrânio Boppré, que institui o Programa Municipal de Merenda Escolar Vegetariana, realizada no dia 6 de agosto de 2014, no Plenarinho da Câmara de Vereadores de Florianópolis, Rua Anita Garibaldi, 35, Centro, Florianópolis – CEP 88010-500, Fone 48 3027 5700 – www.cmf.sc.gov.br.
O Projeto de Lei n.15203/2013, que institui a merenda escolar vegetariana em Florianópolis, proposto pelo Vereador Afrânio Boppré, vem ao encontro da necessidade das crianças que seguem a dieta livre de alimentos derivados de animais: carnes de qualquer tipo, embutidos de qualquer tipo produzidos a partir das carnes e vísceras animais, ovos e laticínios. Uma merenda vegetariana deve oferecer as proteínas, gorduras, açúcar, minerais e vitaminas de origem exclusivamente vegetal. Essa dieta estritamente vegetal já é seguida ao redor do mundo por milhões de crianças e adultos, inclusive brasileiras e brasileiros.
Há vinte anos afirmava-se, e ainda há quem afirme, que é impossível obter as proteínas e os minerais (especialmente cálcio e ferro) de fontes exclusivas vegetais. No início deste milênio, as Associações Médicas Estadunidenses, a do Coração, do Câncer, do Diabetes e de Nutrologia e Nutrição reconheceram a dieta vegetariana estrita ou vegana como absolutamente segura em qualquer idade, bastando dar atenção à variedade dos alimentos e à riqueza deles em vitaminas, minerais e aminoácidos essenciais. O mito de que precisamos de proteína de origem animal para a construção, renovação e manutenção de nossa massa corporal não se sustenta mais. Também não se sustenta mais a tese de que, iguais aos ratos, os organismos humanos necessitam ingerir 10 aminoácidos essenciais para poder sintetizar os 10 restantes. Ratos precisam ingerir 10 aminoácidos essenciais. Humanos precisam de 8 aminoácidos. E todos estão presentes nos alimentos de origem vegetal. Mas não se sabia disso no início do século XX e passamos por ele com uma crença proteica infundada.
No Brasil, aumenta a cada dia o número de pessoas jovens e de meia idade abolindo de sua dieta os alimentos à base de carnes, ovos e leites animais. E esses jovens constituem as primeiras famílias com uma dieta vegana, têm filhos saudáveis alimentados exclusivamente com grãos e cereais integrais, leguminosas, legumes, oleaginosas, frutos e frutas diversas. Cientes da crescente perda da capacidade de produção da B12, os casais e indivíduos veganos a repõem. Mas a deficiência dessa vitamina não deve ser associada apenas à dieta vegana. Segundo o Médico Nutrólogo Eric Slywitch, mais de 50% das brasileiras e dos brasileiros sofrem da deficiência da B12 sem que sequer o saibam.
Temos um número cada vez maior de crianças chegando à idade escolar sem que tenham se alimentado de produtos de origem animal em toda sua vida. São crianças muito saudáveis, inteligentes e absolutamente normais. Não há deficiência alguma em sua dieta. Os casos midiáticos de mães insanas que se recusam a dar alimentos de origem animal a seus filhos são casos de insanidade mesmo, porque essas mães não dão alimentos vegetais variados nem cuidam dos nutrientes necessários ao desenvolvimento dessas crianças. Mas, diga-se de passagem, crianças desnutridas não são um caso só de insanidade de mães veganas. Elas existem em famílias que fazem seu churrasco todo fim de semana também. Essa é uma questão de ignorância nutricional, não uma questão da dieta vegana.
Em sintonia com o que as Associações Médicas norte-americanas reconheceram na virada do milênio, o Comitê dos Médicos por uma Medicina Responsável encaminhou em 19 de julho de 2012 ao USDA (Departamento de Agricultura Norte-americano) uma petição para que “coloque os interesses das crianças acima dos interesses da indústria de laticínios”. Em uma Petição entregue ao Presidente Barak Obama, os médicos requerem que o leite e todos os seus derivados sejam retirados da merenda escolar de todas as escolas daquele país, pelas doenças e mazelas que a ingestão de leite bovino e laticínios causam às crianças e consequentemente aos jovens e adultos nos quais essas crianças, acostumadas a se alimentar com derivados do leite, se tornarão: diabetes tipo 1, obesidade, cardiopatias, distúrbios e inflamações crônicas do sistema gástrico, alergias, intolerância, agravamento das síndromes do autismo, esquizofrenia e do chamado défice de atenção ou hiperatividade, alguns tipos de câncer, Mal de Parkinson, artrose, artrite reumática, hipercolesterolemia, osteoporose, males que desaparecem ou regridem com a abolição do leite e dos laticínios da dieta dos pacientes, conforme o relatam os médicos Neal Barnard, John McDougall, Caldwell Esselstyn, Colin Campbell e os mais de 6 mil que formam o PCRM nos Estados Unidos. Acompanhando aquela Petição, os Médicos do PCRM encaminharam ao Senado anteprojeto de lei para que seja eliminada do texto de lei que rege a política da merenda escolar a frase: “o leite é um alimento essencial para a saúde das crianças”, pela inverdade dessa afirmação.
Aqui no Brasil, não se fala dos malefícios do leite e dos laticínios para a saúde humana, mesmo que nossa população seja constituída etnicamente da bagagem genética predominantemente intolerante ao leite de vaca, africana, indígena, asiática, que pode alcançar 70% das crianças, e italiana, portuguesa e espanhola, que pode alcançar mais de 50% das crianças. A intolerância digestória à lactose é herdada dos progenitores. E ficar com os alimentos à base do leite presos no estômago, sem que ele o digira, leva muitas crianças a viverem perturbadas, com a agonia dos gases, do estufamento, das cólicas, do intestino preso ou dele solto demais. Retirando-se o leite e seus derivados os sintomas desaparecem. Podemos nos perguntar a que se deve o baixo índice de aproveitamento escolar brasileiro no ranking mundial. Não que a dieta seja um fator exclusivo que responda por isso, mas certamente alimentos que não podem ser digeridos direito perturbam a concentração mental de qualquer adulto. Por que não perturbariam a de crianças? Por outro lado, o leite favorece a formação de muco, e seu açúcar a proliferação de bactérias. As crianças vivem atormentadas com inflamações recorrentes do ouvido, garganta e sinusite.
Seguindo a tendência médica norte-americana, sobre a qual nada se fala no Brasil, a OMS reconheceu a dieta vegana como saudável e apta a ser adotada em qualquer idade. Sintonizado com a OMS, o Conselho Regional de Nutrição da 3ª. Região (São Paulo e Mato Grosso) já reconheceu em 2012 a dieta vegana como saudável e apta a ser adotada a partir dos seis meses de idade, em substituição ao leite materno, sem perda de quaisquer nutrientes.
Em seu relatório de março de 2012, a ONU alerta para a catástrofe causada pela dieta baseada em carnes e leite animal. Em 30 anos não haverá mais florestas para serem derrubadas nem mananciais de água para serem exauridos para criar vacas para extração do leite e outros 56 bilhões de animais mortos anualmente (no Brasil alimentamos e matamos 5 bilhões por ano) para produção de carnes. O planeta sucumbirá à dieta onívora. Para a ONU, a única saída é a adoção da dieta vegana. E não temos tanto tempo assim para nos acostumarmos a um tipo de alimentação nunca antes aprovada, nem pela comunidade médica, nem pelos interesses políticos que regem as políticas de merenda escolar. E nossas crianças veganas são o futuro da vida em nosso planeta, não uma ameaça a ele.
Examinando o texto da Constituição Brasileira encontramos nos artigos 3º, 5º, 6º, 23º, 24º, 26º, 30º, 196º, 220º e 227º a garantia do direito à liberdade de expressão, de consciência e de educação das crianças, no qual se inclui a alimentar, de acordo com padrões morais adotados pela família, desde que regidos pelos princípios da igualdade, liberdade, dignidade e busca da felicidade.
Por outro lado, o direito à saúde e ao atendimento às necessidades nutricionais especiais não deve mais ser exclusivo de crianças diabéticas, celíacas e obesas. As crianças que trazem de casa a dieta vegetariana estrita devem ser atendidas em suas necessidades nutricionais especiais tanto quanto as demais que trazem em seu metabolismo as marcas de outras necessidades especiais.
E, para finalizar, é preciso deixar claro que, ao contrário do parecer contrário dado a esse projeto de lei, a dieta vegetariana estrita não implica em custo adicional algum às escolas, pois feijão com arroz ou com polenta, arroz com legumes, folhas verdes, crucíferas, legumes, tubérculos, frutos e frutas já deveriam fazer parte da despensa de qualquer merendeira escolar. E as crianças veganas alimentam-se disso. Para substituir o leite animal temos no Brasil uma riqueza de oleaginosas e cereais dos quais se extrai leites vegetais riquíssimos em minerais, proteínas e carboidratos. Com esses leites se pode fazer batida de frutas. E com cenoura e batatas, óleo e temperos se faz maionese para compor sanduíches recheados com saladas e pastas leguminosas. Nada que uma merendeira não possa aprender a fazer em meia hora de explicação. Grata pela atenção! [Texto lido na tribuna, na sessão da tarde de 6 de agosto de 2014, Audiência Pública sobre a implantação da merenda vegana para crianças veganas nas escolas do município de Florianópolis].
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