Carne produzida a partir de células sai do laboratório

A fabricação de alimentos tem passado por uma reformulação com novas tecnologias promissoras.
Por que é importante: O que comemos e como o fazemos tem enormes implicações para a saúde da humanidade e do planeta em que vivemos. Carne e peixe cultivados a partir de células podem contribuir para um suprimento alimentar mais sustentável, mas ainda enfrentam desafios científicos, regulatórios e de consumo.
O que está acontecendo: No início da semana passada, a startup Eat Just, com sede em São Francisco (EUA), fez a primeira venda comercial de um produto de frango cultivado em laboratório para um restaurante em Cingapura, que se tornou o primeiro governo a aprovar carne cultivada para consumo humano.
O panorama geral: A Eat Just é só uma das várias startups que produzem proteína animal, não pelo abate de animais ou pelo uso de ingredientes vegetais que imitam o sabor da carne, mas pelo crescimento de células animais.
- Winston Churchill previu em 1931 que dentro de 50 anos “escaparemos do absurdo de criar um frango inteiro para comer o peito ou a asa, cultivando essas partes separadamente em um meio adequado.”
- Churchill errou por 32 anos: o farmacologista holandês Mark Post fez o primeiro hambúrguer a partir de células do mundo em 2013.
Avanço rápido: Post cofundou sua própria startup de carne baseada em células, a Mosa Meats, que no início deste mês anunciou uma rodada de financiamento de US$ 75 milhões, que será empregado em parte para lançar uma linha de produção em escala industrial para seu produto de carne moída cultivada.
- Existem pelo menos 60 startups de carne baseada em células em todo o mundo, de acordo com a consultoria Lux Research, e o capital de risco para o setor atingiu US$ 314 milhões em 2020, mais de 100 vezes maior do que quando Post fez seu hambúrguer em 2013.
- Pelo menos oito startups estão construindo ou operando plantas-piloto de produção para tentar baixar o preço de produção. A produção da carne cultivada ainda custa US$ 400 a US$ 2,000 o quilo, em comparação com o preço atual ao consumidor de US$ 4 para 450 g carne moída convencional nos EUA.
Contexto: O caso da proteína animal cultivada se baseia em dois pilares: reduzir a crueldade contra os animais e diminuir a pressão do planeta.
- Aproximadamente 70 bilhões de frangos, 1,5 bilhão de porcos, 550 milhões de ovelhas, 460 milhões de cabras e 300 milhões de bovinos são mortos a cada ano para atender à crescente demanda mundial por carne, enquanto a pesca global está sob extrema pressão.
- Os produtos de carne animal têm, de longe, o maior impacto no planeta e no clima por caloria, em comparação com outras fontes alimentares.
Sim, mas: Existem centenas de milhões de pessoas em todo o mundo que conseguem atender às suas necessidades nutricionais sem carne. Eles são chamados de vegetarianos e muitos deles questionam a necessidade de carne baseada em células em um mundo com muitos vegetais.
- É um argumento justo, mas não há como negar que, à medida que a renda aumenta no mundo em desenvolvimento, “as pessoas em geral tendem a gravitar em torno da carne, queiramos ou não”, diz Kate Krueger, a especialista técnica do novo concurso de inovação em carnes e frutos do mar alternativos, Feeding the Next Billion, da XPRIZE.
O problema: Produzir um corte adequado de carne com base em células, como uma bisteca, requer a construção de suportes ou andaimes 3D para as células, o que continua complicado, e as empresas precisam ir além do soro fetal bovino inicialmente usado como fator de crescimento.
- “Eu simplesmente não acho que isso acontecerá nos próximos cinco anos”, diz Ryan Pandya, CEO da Perfect Day, uma startup que usa fermentação para produzir proteínas do leite de origem animal.
- Um estudo concluiu que, devido ao consumo de energia necessário para aumentar a carne cultivada, sua pegada de carbono poderia ser várias vezes maior que a do frango convencional, embora isso presuma que as empresas não usarão fontes de energia mais limpas.
- A rotulagem será a chave para a aceitação futura do consumidor, como mostra a atual saga sobre rotulagem de OGM (organismos geneticamente modificados), e alguns nomes na indústria de carne convencional pressionaram os governos para impedir que empresas de carne baseadas em células usassem os termos “carne” ou “aves”.
- “É importante que os consumidores saibam o que [os rótulos] significam e não confundam o produto com o que ele não é”, diz Lou Cooperhouse, CEO da BlueNalu, que está desenvolvendo frutos do mar baseados em células.
O resultado final: Ainda estamos a anos de alcançar totalmente a visão de Churchill, mas a carne baseada em células continua a ser o tipo mais promissor de tecnologia sustentável, uma que potencialmente nos permite ter nosso bolo (ou hambúrguer cultivado, neste caso) e comê-lo também.
Por Bryan Walsh / Tradução de Ana Carolina Figueiredo
Fonte: Axios
Nota do Olhar Animal: A preocupação com a sustentabilidade da exploração animal é algo bem egoísta se dissociada da Ética. De forma geral, pessoas que se norteiam exclusivamente pela sustentabilidade não hesitam em continuar explorando, impondo sofrimento e dor aos animais, se isso for ambientalmente sustentável. Ou seja, não se importam com os interesses dos animais desde que sua própria existência esteja garantida.