Casos de maus-tratos contra animais aumentam 115% em um ano em Ribeirão Preto, SP

Casos de maus-tratos contra animais aumentam 115% em um ano em Ribeirão Preto, SP

A protetora Ellen Formagio, de 32 anos, tem um feito que vai levar para sempre: em três anos, resgatou aproximadamente 100 animais, a maior parte de cachorros em situação de maus-tratos pelas ruas de Ribeirão Preto.

Dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), obtidos pelo ACidade ON por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que os casos de maus-tratos a animais cresceram 115,3% na cidade, entre janeiro a novembro de 2017, na comparação com o mesmo período de 2018.

Foram 41 registros de ocorrências no total e a maior parte (seis) ocorreu no Quintino Facci II, na zona Norte (veja infográfico). O período compreende os 11 meses de cada ano, pois a solicitação foi feita em dezembro do ano passado, cujo mês ainda estava em curso.

É com revolta que Ellen se lembra de quando soube, em maio do ano passado, que a cadela Fafá estava amarrada a uma cerca nas proximidades da Coordenadoria do Bem-Estar Animal (CBEA), na zona Norte. Não bastasse essa situação, que durou uma semana, Fafá amamentava seis filhotes, todos abandonados com a mãe.

“Ela já estava em pele e osso, definhando, com muitas escoriações e não conseguia sair porque estava amarrada e os filhotes mamando o tempo todo, um estado deplorável”, conta.

Ellen lembra que Fafá já não tinha mais condições de amamentar, pois estava com anemia profunda e foi necessária até uma transfusão de sangue.

“Demorou bastante tempo para se recuperar, os filhotes nós conseguimos doar todos e ela continua aqui comigo por ser um animal mais adulto e mais difícil de conseguir adoção”, diz.

Doar a Fafá talvez seja algo que Ellen veja como uma última opção, pois passou a considerar a cadela como a xodó da casa (assista ao vídeo).

Há três anos, a protetora tem se dedicado a um hotel que hospeda pets, mas que também acolhe animais vítimas de maus-tratos. Até a semana passada, eram aproximadamente 50, a maior parte nessa condição.

“Eu acho que faltam políticas públicas em primeiro lugar e conscientização, porque tem que começar na escola. Às vezes, as pessoas não fazem por mal, pois não têm recursos e não conseguem castrar esses animais. Vem uma ninhada de dez cães ou dez gatos, aí ela abandona”, comenta a protetora, ao dizer que uma castração em clínica particular tem custo aproximado de R$ 400.

Desafios

A Coordenadoria do Bem-Estar Animal (CBEA), da Prefeitura de Ribeirão Preto, afirma que um dos principais desafios é a conscientização da população para a castração dos animais.

A coordenadora, Carolina Vilela, diz que, somente com a castração é que pode evitar a superpopulação e, como consequência, o abandono e maus-tratos.

“Passamos para população que a castração é fundamental para evitar o abandono, doenças e aumento populacional. A CBEA, em parceria com a Secretaria da Educação, realizará eventos de conscientização nas escolas municipais sobre guarda responsável”, comenta.

Ribeirão dispõe do Programa de Castração Animal que atendeu, em 2017, a 1.268 animais entre cães e gatos e outros 1.742, em 2018.

Segundo a CBEA, por mês são realizados em média 200 procedimentos gratuitos. Esse número representa, de acordo com o órgão, um volume maior do que era realizado no Castramóvel, serviço paralisado na cidade.

A CBEA, afirma que não possui dados sobre a demanda de animais aguardando castração. Um levantamento feito por comissões da Câmara de Vereadores, no entanto, apontou que Ribeirão Preto teria cerca de 100 mil gatos e cachorros vivendo nas ruas.

Além da opção sem custo disponibilizada para animais cujos donos são carentes, também é oferecida a castração ao custo de R$ 50, realizada em clínicas veterinárias conveniadas com o município.

Carolina conta que a CBEA também atua no recolhimento de animais abandonados em vias públicas. “Muitas vezes esses animais sofreram maus-tratos, possuem doenças ou foram atropelados. Eles são cuidados, vacinados, castrados e disponibilizados para adoção”, explica.

Sobre o caso da cadela Fafá, cujo resgate ocorreu nas proximidades da Coordenadoria pela protetora Ellen, a prefeitura informou, por meio de nota de imprensa, que “todos os animais que são deixados nas imediações da CBEA são acolhidos e recebem todos os cuidados que necessitam”. O órgão diz que recebeu 63 notificações de abandono em 2018.

Um cavalo à beira da morte

Vitório é o nome com o qual um cavalo foi batizado após ser resgatado em um terreno no Branca Salles, zona Oeste de Ribeirão, em janeiro deste ano (portanto, fora da estatística bordada no início do texto).

O caso mobilizou uma força-tarefa e envolveu até um contrato de doação com o dono do animal para que o equino recebesse cuidados urgentes e extremamente necessários.

“O dono já tinha ido até atrás de uma retroescavadeira para enterrar o Vitório. Para o dono, como já não dava para puxar carroça, o cavalo não tinha mais valor. Como estava magro, desnutrido, com a doença do carrapato, conforme o dono batia, o pelo saía do couro”, lembra a protetora Janaína Abigail Lorenzoni Gimeses, 39.

Ela conta que foi necessário até fazer um apoio para que Vitório ficasse em pé e evitasse que sua saúde fosse ainda mais debilitada.

Após permanecer por uma semana no mesmo terreno em que foi encontrado à beira da morte e receber cuidados veterinários, o cavalo conseguiu voltar a andar e pôde ser levado com o auxilio de um caminhão até um sítio na região de Ribeirão.

“A gente luta com eles até a última chance mesmo, como nesse caso do Vitório. Hoje, ele já engordou uns 30 quilos e é mais do que se eu ganhasse na loteria”, ressalta a protetora.

Janaína conta, que somente em 2018, resgatou seis cavalos e uma mula em Ribeirão, todos os animais vítimas de maus-tratos.

A protetora opina que os animais de grande porte deveriam possuir um microchip de identificação para que o Poder Público tivesse controle.

“Nossa lei precisa mudar e o ser humano só sente quando põe a mão no bolso, com multas para maus-tratos. O dono do animal deveria ser obrigado a registrar a venda em cartório, por exemplo. Amanhã, se esse animal aparecer jogado em algum lugar, com o microchip você chegaria do primeiro ao último proprietário para responsabiliza-lo criminalmente”, diz.

O cavalo Vitório mobilizou uma força-tarefa e já engordou 30 quilos após o resgate (Fotos: Arquivo pessoal)
O cavalo Vitório mobilizou uma força-tarefa e já engordou 30 quilos após o resgate (Fotos: Arquivo pessoal)

Caso de polícia

Com a extinção da delegacia para atendimento das ocorrências de maus-tratos a animais em Ribeirão Preto, no ano de 2017, os casos passaram a ser encaminhados para as delegacias da área onde ocorreram os fatos.

Segundo a Polícia Civil, por meio de nota de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), a descentralização visa dar mais agilidade nas apurações policiais.

E esse fato, de acordo com a SSP, pode explicar o aumento das denúncias entre 2017 e 2018. “A conscientização das pessoas e o número cada vez maior de denúncias, consequentemente, aumenta o número de registro de ocorrência”, diz a polícia.

As ocorrências podem ser registadas em qualquer delegacia do município e também por meio da internet, na Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (Depa).

A SSP informa que desde a data da criação da Depa, em dezembro de 2016, e o final de 2018, foram registradas 18.099 denúncias.

Situações em flagrante devem ser comunicadas à PM (Polícia Militar) por meio do telefone 190.

Caso Manchinha vira revolta nacional

Um dos casos mais recentes de maus-tratos a animais e de grande repercussão na mídia nacional foi a morte do cachorro Manchinha, em Osasco, na Grande São Paulo.

Um segurança do hipermercado Carrefour foi responsabilizado pela Polícia Civil pela agressão que resultou em hemorragia e levou o cão à morte em novembro do ano passado.

A empresa chegou a afastar o segurança, que responde em liberdade pelo crime de abuso e maus-tratos a animais.

À época, o hipermercado declarou à imprensa que reconhecia “que um grave problema ocorreu em sua loja” e que não ira se eximir de responsabilidades.

Manchinha era um cão de rua e vivia nas proximidades do estabelecimento, onde ganhava carinho e alimentos de clientes e funcionários.

Morte do cão Manchinha por suspeita de maus-tratos revoltou ativistas (Reprodução)
Morte do cão Manchinha por suspeita de maus-tratos revoltou ativistas (Reprodução)

‘O agressor de animais é um potencial agressor de pessoas’, aponta a psicóloga Danielle Zeoti

“Quando uma pessoa é agressiva com animais, ela tem o potencial de ser agressiva com pessoas em outras situações da vida. Esse foi um estudo comprovado através de um livro publicado no Brasil, em 2013, que se chama Maus-tratos contra animais e pessoas, desenvolvido por um chefe da Polícia Militar, que analisou 643 acusações em todo o País entre 2010 e 2012 por maus-tratos de animais. Ele encontrou uma correlação dessas pessoas com outros crimes. Um estudo realizado nos Estados Unidos fez o contrário: eles analisaram um serial killer e observaram que a maioria tinha histórico de agressão contra animais. Então, podemos observar que a violência quando se instaura conta um animal, há um risco potencial de haver contra pessoas. Por isso, é importante se pensar nesse dado porque a prevenção e o combate à violência contra animais não precisam ser uma briga ideológica ou de solidariedade, que tem que afetar apenas uma camada da sociedade, tem que ser uma bandeira levantada por todos, uma preocupação de segurança pública mesmo, porque é prevenção de violência contra pessoas também. O perfil de um agressor de animais se assemelha ao de um psicopata. Hoje, chamamos de transtorno de personalidade antissocial, o que chamávamos antes de psicopatia ou de sociopatia. São pessoas que sentem prazer, especialmente, em causar o sofrimento alheio. Se sentem poderosas quando isso acontece. Raramente sofrem de ansiedade, não têm medo de serem pegos, não sentem culpa ou remorsos pelos seus atos. Há uma onipotência muito grande em pensar tudo isso. São pessoas controladoras, dominadoras, sedutoras, na maior parte inteligentes.
Um outro estudo aqui no Brasil mostrou que a maioria das pessoas que cometem agressão contra animais são homens, assim como há uma prevalência maior de psicopatia em pessoas do sexo masculino e de meia idade, de 40 a 45 anos. Então, há uma correlação importante ao agressor de animais e o de pessoas. O que não quer dizer que todas as pessoas que cometem agressão contra animais são serial killers ou psicopatas. Mas, com certeza, há traços do transtorno de personalidade antissocial”

Por Ricardo Canaveze | ACidadeON/Ribeirao

Fonte: A Cidade ON

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