Células vivas impressas em 3D abrem caminho para a medicina do futuro e produtos de origem animal sem crueldade
Pesquisadores financiados pela UE estão expandindo as possibilidades da impressão 3D para criar mini órgãos humanos e uma variedade de produtos feitos de tecido vivo, incluindo alimentos.
A impressão 3D percorreu um longo caminho desde seus primórdios nos anos 1980 e é considerada uma ferramenta essencial em muitos processos de manufatura. Agora, no entanto, pesquisadores, como o bioengenheiro italiano Dr. Riccardo Levato, estão levando a técnica em uma nova e empolgante direção.
E se, além de peças de carro e móveis de design assinado, pudéssemos imprimir órgãos humanos ou regenerar tecido humano através da bioimpressão de células vivas?
Levato, professor associado de biofabricação e medicina regenerativa no Centro Médico Universitário de Utrecht e na Universidade de Utrecht, nos Países Baixos, lidera uma equipe de pesquisadores da Bélgica, Itália, Países Baixos, Suécia e Suíça que recebeu financiamento da UE para fazer exatamente isso.
Como parte de uma iniciativa de pesquisa chamada ENLIGHT, que vai de 2021 a 2025, eles estão desenvolvendo um pâncreas em miniatura impresso em 3D feito de células humanas.
Eles esperam que isso possa melhorar a confiabilidade e a precisão dos testes de novas terapias para tratar o diabetes e, talvez, até mesmo um dia levar à possibilidade de órgãos cultivados em laboratório para transplantes em humanos.
Plano vivo
Um dos principais materiais de trabalho desta pesquisa são as células-tronco. Estas são células que têm o potencial de se transformar em muitos tipos diferentes de tecido humano – células musculares, células sanguíneas, células cerebrais – dependendo dos sinais que recebem.
Experimentos iniciais, voltados para apoiar pacientes com diabetes, foram realizados usando células produtoras de insulina cultivadas em laboratório a partir de células-tronco. No entanto, simplesmente transplantar essas células para um pâncreas debilitado fornece apenas um alívio temporário. Segundo Levato, isso ocorre porque as células carecem de suporte adequado.
“Quando você entrega essas células sem estrutura, sem vasculatura, sem material protetor ao redor delas, elas morrerão com o tempo”, disse ele. “O procedimento dura apenas alguns anos e depois é necessário repeti-lo”.
Levato e a equipe do ENLIGHT estão tentando resolver isso por meio da impressão em 3D de tecido humano, células vivas, para formar implantes tridimensionais completos com vasos. Isso é desafiador porque as células vivas são frágeis e não sobrevivem a um processo normal de impressão 3D.
Os pesquisadores enfrentaram isso usando géis ricos em água, chamados bioinks, que transportam e nutrem as células durante o processo de impressão. Eles então precisam ser capazes de orientar o processo de diferenciação celular para que o órgão se desenvolva de acordo com seu “plano” genético. Eles fazem isso usando luz.
Toque de luz
Os pesquisadores do ENLIGHT desenvolveram uma nova técnica de impressão 3D que usa luz para moldar o bioink contendo células, em vez de espremer o material através de um bico como em uma impressora 3D convencional, o que danificaria as células.
“Basicamente, criamos uma espécie de holograma de luz do objeto que queremos imprimir no meio deste material”, disse Levato.
“Onde você tem essa estrutura de luz 3D, o meio se torna sólido e em outros lugares permanece líquido, então você pode simplesmente lavar o excesso. As células ficam presas na forma gelatinosa, que é semelhante à matriz extracelular em um tecido vivo.”
Os pesquisadores então estimulam as células a amadurecerem e se transformarem em células produtoras de insulina, expondo-as à luz de comprimentos de onda específicos.
A equipe está atualmente testando seus implantes em laboratório e os pesquisadores esperam que tais organoides impressos em 3D possam se tornar parte dos procedimentos padrão de desenvolvimento de medicamentos antes do final da década.
No entanto, Levato advertiu que levará um pouco mais de tempo para tornar os organoides bioimpressos adequados para transplante em pacientes humanos.
Livre de crueldade
Uma das vantagens do trabalho da equipe do ENLIGHT é que ele pode reduzir muito a necessidade de testes em animais. Ser capaz de imprimir organoides humanos realistas não apenas melhoraria a precisão dos testes de medicamentos, mas também evitaria o sofrimento de milhões de animais de laboratório.
O dr. Massimo Vassalli, professor de bioengenharia na Universidade de Glasgow, no Reino Unido, está levando o conceito de impressão 3D de tecido vivo em uma direção ligeiramente diferente, mas que também pode potencialmente aliviar o sofrimento animal.
Ele lidera uma iniciativa de pesquisa financiada pela UE em vários países chamada PRISM-LT, que visa desenvolver a impressão 3D de tecidos vivos de forma econômica. Seu trabalho, que vai até 2027, pode ter aplicações relevantes tanto na biomedicina quanto na produção de alimentos.
“O objetivo do projeto é criar uma tecnologia de plataforma para abordar a fabricação de uma gama diversificada de tecidos vivos para aplicação nos setores de saúde e alimentos”, disse Vassalli. “De fato, além dos usos médicos mais óbvios, vemos um grande papel para a bioimpressão 3D na produção de alimentos sustentáveis e limpos”, disse ele.
O desafio, segundo Vassalli, é criar tecidos heterogêneos complexos que imitem fielmente a textura dos materiais vivos. Por exemplo, a carne contém células musculares e células de gordura, mas também células que formam os tecidos conjuntivos.
Para criar carne que tenha a sensação real, os pesquisadores precisam encontrar maneiras de instruir as células-tronco a produzir exatamente o tipo de tecido necessário dentro de uma estrutura pré-definida – e então sustentar o processo ao longo do tempo.
Refinando a diferenciação
Os pesquisadores estão explorando uma abordagem que imita processos simbióticos na natureza. Eles estão misturando bactérias ou leveduras – que Vassalli chama de células trabalhadoras ou auxiliares – com as células-tronco em um bioink de impressão 3D para ajudar a orientar o processo de diferenciação.
“Essas células são bactérias ou leveduras que podem detectar a direção que as células estão tomando e começar a produzir substâncias químicas para ajudar na diferenciação”, disse ele.
A equipe espera ser capaz de criar cubos de tecido em escala centimétrica até o final do projeto, concentrando-se primeiro na impressão 3D de medula óssea para aplicações médicas e em uma amostra de carne marmorizada cultivada.
“A tecnologia de bioimpressão oferece maior flexibilidade no design da composição final do tecido. Isso atende às necessidades de aplicações personalizadas na saúde”, disse Vassalli.
“A produção de alimentos levará mais tempo porque o aumento de escala da tecnologia demandará muita energia. Uma impressora 3D que usamos em laboratório não seria adequada para produzir carne para a população. Existe uma lacuna tecnológica que precisa ser superada”.
A pesquisa neste artigo foi financiada pelo Conselho Europeu de Inovação (EIC). As opiniões dos entrevistados não refletem necessariamente as da Comissão Europeia.
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Por Tereza Pultarova
Fonte: Horizon Magazine