Centro de triagem em Goiânia recebe 4,1 mil animais silvestres por ano

Na data de 4 de outubro comemora-se o Dia Mundial dos Animais, incluindo os silvestres e de estimação, em conjunto com a preservação de todas as espécies. A data foi escolhida justamente pelo fato de São Francisco de Assis, o santo padroeiro dos animais e da natureza, ser festejado nesse dia. A homenagem foi pensada e criada pelo ativista da luta em defesa dos animais, o escritor e editor alemão Heinrich Zimmermann, que realizou o primeiro evento dessa natureza em 1925.
A intenção do idealizador era chamar a atenção das autoridades e da humanidade para a questão de preservação da vida de todas as espécies. Mahatma Gandhi, político e ativista pela liberdade do povo indiano, disse: “A grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo com que seus animais são tratados”.
Essa conscientização é importante para alertar a população sobre a extinção de algumas espécies. De acordo com especialistas, o homem é o maior responsável pelo desaparecimento de várias delas. Por esse motivo, existem órgãos que atuam no combate à caça ilegal, ao tráfico de animais selvagens e também na reabilitação de bichos que são recuperados ou resgatados normalmente em estado de saúde deplorável.
Pensando nisso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) abriga, em todo o território nacional, os Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas). Essas unidades são responsáveis por receber, identificar, tratar, marcar, triar, avaliar, reabilitar e dar destinação aos animais silvestres provenientes de fiscalizações, resgates ou entrega voluntária pela população. Além disso, também realizam pesquisas cientificas e trabalhos de educação ambiental.
Em Goiânia, o Cetas está localizado às margens da BR-153, no Residencial Vale dos Sonhos. Leo Caetano, biólogo e analista ambiental da unidade, explica que o Cetas foi pensado com o objetivo de melhorar a destinação dos animais apreendidos, mas que, com o passar do tempo, percebeu-se a necessidade de atender outros animais – resgatados com ferimentos, traumas ou que correm risco de vida. “Temos três tipos de entradas de animais: espontânea, por resgate e por apreensão”, disse.

Caetano revela que chegam à unidade cerca de 4,1 mil animais por ano, a maioria aves, que passam primeiramente por uma triagem. “Após passar pelo reconhecimento, se tiver algum tipo de ferimento, o animal vai direto para o setor de veterinária; caso não tenha nenhuma lesão, ele fica em quarentena ou pode ser destinado de volta à natureza imediatamente”.
Segundo o biólogo, o Cetas não faz resgates, exceto em casos excepcionais de animais que estejam oferecendo grande risco. “Temos forçado os municípios e o Estado a atuar nos resgates por meio dos órgãos competentes, como o Corpo de Bombeiros e as agências municipais do meio ambiente. Não temos equipe suficiente para atender à demanda de animais que chegam ao centro”, avalia.

Leo Caetano pontua que até 2007 o Cetas funcionava dentro do zoológico. Desde então, ganhou uma sede própria, onde funciona atualmente. Ele, no entanto, esclarece que esses centros não são uma “exclusividade” do Ibama: podem ser criados pelo Estado, pelos municípios e também por entidades privadas e organizações não governamentais (ONGs). Em Goiás, o Cetas existe em mais duas cidades: Catalão e Caldas Novas.
O biólogo ressalta a diferença entre o animal silvestre, o doméstico, o nativo e o exótico. Nativos são aqueles que têm ocorrência natural no Brasil, como a arara-canindé, o canário-da-terra, a jiboia etc.; domésticos são os cachorros, gatos, coelho e outros. “Somente os domésticos não precisam de autorização do Ibama para serem criado, assim como não são atendidos pelo Cetas”, explica.
A maioria dos bichos que chegam à unidade apresentam algum tipo de trauma, como uma fratura ou uma pancada, conta Leo. Animais resgatados em áreas urbanas, como macacos, chegam com lesões provocadas por choque elétrico. Também são atendidos animais com doenças, como verminose, infecções bacterianas e doenças virais.
O Cetas ganhou recentemente um espaço físico onde funcionará um centro cirúrgico que será montado com equipamentos de última geração. Entretanto, para o atendimento de casos mais graves, que necessitem de cirurgias urgentes, o centro possui convênios com algumas clínicas veterinárias de Goiânia e com a Universidade Federal de Goiás (UFG), que realizam esses procedimentos mais complexos.

Segundo o biólogo, até o final desse ano, o centro cirúrgico já estará funcionando. Além dos equipamentos, que já estão sendo adquiridos, o Ibama está contratando profissionais qualificados para atender a esses casos. Caetano frisa que tudo, incluindo a alimentação dos animais, é feito com recursos provenientes de conversão de multas aplicadas pelo instituto.
Leo Caetano afirma que o Cetas de Goiânia é o maior do País em estrutura. “Estamos com o centro cirúrgico, que nenhum outro possui – que, aliás, foi uma ideia dos professores da Escola de Veterinária da UFG –, quase em funcionamento. Temos também um laboratório que realiza exames clínicos e estamos terminando de montar outro para fazer exames genéticos e diagnósticos via PCR”.
A permanência dos animais no centro depende da gravidade de cada situação. Alguns animais são devolvidos a seu habitat imediatamente após a avaliação; outros demoram mais de um ano; e alguns passam a morar na unidade. É o caso de Pio, nome de uma onça-parda macho que chegou ainda filhote, há três anos. Contudo, ela ainda não demostra capacidade de viver na floresta. Outra, da mesma espécie, precisou passar por uma amputação de uma das patas.
Caetano reitera que os bichos de mais complexidade para a reinserção de volta à natureza são os papagaios. “Existe um processo de reabilitação que requer muita paciência tanto por parte dos profissionais como dos próprios animais. Muitas vezes, eles chegam com dificuldade para voar, às vezes por maus-tratos ou por estarem muito tempo sem praticar o voo, se relacionando intimamente com o ser humano. Tanto que esses animais são maioria na unidade. É um processo muito lento até fazer o papagaio entender que ele pode voar e ser livre.”

O biólogo explica que qualquer cidadão pode fazer a entrega voluntária de animais. Para tanto, aconselha ao interessado mandar um e-mail para [email protected] comunicando sua vontade de fazer a entrega. Caetano sublinha que isso evitará possíveis dores de cabeça com a fiscalização, caso o tutor seja abordado no trajeto.
Entre os animais que estão em tratamento, estão macacos bugio, prego e guariba, um lobo-guará, duas jaguatiricas, cinco onças-pardas, tamanduás-bandeiras adultos e filhotes, antas, gambás, saguis e muitas araras-vermelhas, araras-azuis, periquitos, papagaios e até urubus.
Alguns tamanduás filhotes chegam resgatados após a mãe ter morrido vítima de atropelamento em rodovias e precisam de cuidados especiais, como leite e ração especial. Para ter ideia, nesses casos o leite oferecido aos tamanduás custa cerca de 100 reais o litro. É leite de gata em pó, que, como explica o biólogo, o único que tem as proteínas necessárias para a sobrevivência do animal. “As despesas aqui são muito altas. A ração que damos para as araras custa 40 reais o quilo”, diz.
Os mais novos pacientes da enfermaria são 12 araras que foram resgatas de traficantes pela Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema). São seis azuis e seis vermelhas, todas ainda filhotes e muito debilitadas por conta da forma como estavam sendo transportadas, em condições insalubres.

Enquanto a reportagem estava no local, uma equipe da Agência Municipal do Meio Ambiente de Senador Canedo estava entregando um periquito que havia sido resgatado na cidade. “Um funcionário do Centro de Zoonoses fez o resgate. Os Bombeiros e a própria população também fazem esses resgates e cabe a nós trazê-los para o Cetas”, conta Marília Antoneli, que é fiscal do Meio Ambiente do município. Marilia diz que constantemente é preciso ir até o Cetas para deixar algum tipo de animal e que a parceria é muito importante.
O servidor público Davi Pires, de 60 anos, também estava chegando para entregar um periquito ainda filhote que havia caído de uma mangueira e quase foi morto pelo cachorro. “O trabalho do Cetas é muito importante, não somente para os animais, mas para todo o cidadão. Eu, por exemplo, nem sabia que esse serviço existia, precisa ser melhor divulgado”, sublinha. Davi relata que, ao ver o pássaro em perigo, não sabia o que fazer, para onde levar. “Tive a ideia de pesquisar na internet e foi quando descobri que existe o Cetas.”
Léo Caetano ressalta que não é fácil manter o centro em pleno funcionamento. Além do trabalho de reabilitação e manejo, tem ainda a parte burocrática. Ele reitera que nunca chegou a faltar alimentação para os animais, porém já teve dificuldades para realizar compras emergenciais, o que gera muitos transtornos. “Hoje compramos tudo em grande quantidade, para evitar faltar”, revela. Em relação a doação de ração pela sociedade, o biólogo lembra que não é comum isso acontecer. “A alimentação oferecida aqui é de ótima qualidade e nem sempre as que vem de doação são assim. Todavia, se a doação for de boa qualidade, nós aceitamos, sim. “
Amma
A Agência Municipal do Meio Ambiente de Goiânia (Amma) é um dos órgãos responsáveis pelo resgate de animais silvestres em situação de cativeiro, em locais públicos, residências e comércios. De acordo com o órgão, somente de janeiro a setembro deste ano, foram resgatados 226 animais silvestres em residências ou estabelecimentos comerciais da capital.
Nos 12 meses de 2022 foram recuperados 455 espécimes, sendo que as orientações chegaram a 118. “Goiânia é uma cidade muito arborizada, repleta de corredores verdes com alimento para a fauna e com mais de 60 parques. Além do mais, temos uma diversidade de árvores frutíferas em canteiros centrais, o que torna o convívio com os animais cada vez mais comum”, pontua o presidente da Amma, Luan Alves.
O resgate só acontece quando realmente há a necessidade, ou seja, se o animal estiver em perigo ou oferecendo risco às pessoas. O presidente da Amma ainda relata que, de janeiro a setembro, também foram realizadas 151 orientações pelo telefone da Gerência de Proteção e Manejo de Fauna, quando o morador é instruído sobre o que fazer em caso que precise de resgate. Não é recomendado ao cidadão fazer essa captura sem o auxílio de profissionais.
De acordo com o Decreto Federal nº 6.514, de 22 de julho de 2008, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécies da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente acarreta em multa de 500 reais por espécime apreendido.
“Quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transportar ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, proveniente de criadouros não autorizados, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade ambiental, incorre nas mesmas penalidades, conforme o artigo 24, inciso lll da legislação”, esclarece Luan Alves.
O órgão informa que todos os animais resgatados são destinados ao Cetas, que posteriormente realiza a soltura desses animais em locais apropriado, considerando os aspectos técnicos das espécies. Moradores de Goiânia podem solicitar o resgate ou receber orientações pelos telefones 161 ou (62) 3524-1422, da própria Amma.
Corpo de Bombeiros
O Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás (CBMGO) também atua no resgate desses animais. Segundo o tenente-coronel Luiz Eduardo Machado Lobo, esse tipo de ocorrência é bem comum e entre os animais que mais são resgatados estão a cobra, a capivara, macaco e aves. O tenente ressalta que, ao realizar o resgate, os profissionais observam se o animal está com algum tipo de ferimento. Se for o caso, são levados para o Cetas; se não, ele é solto imediatamente em uma área de mata mais próxima.
Lobo faz um alerta para que o indivíduo não tente capturar um animal por conta própria. “Orientamos a população para que entre em contato com o 193, para não acuar o animal e não ter nenhum tipo e contato direto com ele. Um animal acuado e estressado se torna muito perigoso, além da possibilidade de transmissão de doenças. O correto é chamar pessoas treinadas para essa finalidade”, recomenda.
Para o bombeiro, esse tipo de ocorrência tem aumentado muito na zona urbana, não porque os animais estão vindo para as cidades, mas o contrário. “A expansão urbana que se aproxima cada vez mais das áreas de vegetação nativa acaba expulsando os animais de seus habitats naturais. Eles saem em busca principalmente de alimentação. Outras situações que contribuem para isso são as queimadas e o descarte inadequado do lixo”, alerta.

O tenente-coronel Lobo adverte para o alto número de animais que sofrem atropelamentos nas rodovias e pede mais atenção aos motoristas. “O motorista precisa se atentar mais para as sinalizações de trânsito que existem em áreas de travessia de animais, por exemplo. Andar dentro dos limites de velocidade ajudará em caso de necessidade de uma frenagem rápida. São algumas precauções que o condutor pode fazer para evitar acidentes que podem causar ferimentos tanto aos animais quanto aos ocupantes do veículo”, aponta.
O profissional ainda informa que, em caso de animais feridos em rodovias, ou que estejam oferecendo riscos tanto para si quanto para os humanos, a pessoa pode ligar no 193 que uma equipe será deslocada para atender a ocorrência o mais rapidamente possível.
Ibama
Segundo dados do Ibama, após triagem, tratamento, recuperação e reabilitação nos Cetas, o órgão pôde promover a devolução para a natureza de cerca de 11 mil animais no ano de 2021. O Instituto possui as chamadas áreas de soltura de animais silvestres (Asas).
Esses locais são propriedades cadastradas pelo Ibama com vistas à reabilitação e à soltura de animais que foram tratados pelos Cetas. Conforme estabelecido na instrução normativa Ibama nº 5, de 13 de maio de 2021, existem quatro tipos de Asas que podem ser cadastradas pelo instituto, a saber:
* Reabilitador sem Asas – propriedade/local que dispõe de estrutura para promover a reabilitação de animais silvestres;
* Asas simples – Asas para soltura direta
* Asas com reabilitação – área para soltura de animais que dispõe de estrutura a serem utilizadas no processo de reabilitação;
* Asas para projetos de experimentação e/ou reintrodução – áreas para soltura de animais nas quais poderão ser realizadas ações planejadas de soltura experimental e de reintrodução de espécimes da fauna.
Proprietários de áreas rurais ou de locais que dispõem de estruturas adequadas para reabilitação de aninais silvestres podem cadastrar suas propriedades como Asas no Ibama. O cadastro não implica custos e o encaminhamento dos animais à propriedade somente será feito mediante o interesse e anuência prévia do proprietário. O proprietário interessado deve procurar o Ibama para receber orientações sobre como realizar seu cadastro.
Por Cilas Gontijo
Fonte: Jornal Opção