‘Clonar animais é matar muitos outros’, diz especialista em bioética

‘Clonar animais é matar muitos outros’, diz especialista em bioética
Kelly Anderson, que clonou a própria gata. Imagem: Kelly Anderson/Reprodução

Clonar um animal de estimação não é mais ostentação de super-ricos. Se na década passada o serviço chegou a custar mais de US$ 100 mil, hoje é possível copiar um gato em laboratório por US$ 30 mil (R$ 160 mil) e um cachorro por US$ 50 mil (R$ 265 mil). Não é exatamente barato, mas mais gente vem recorrendo à clonagem para “ressuscitar” seus companheiros.

Essas pessoas podem argumentar que manter nossos melhores amigos por perto não tem preço. Ou que a conexão deles era muito especial para acabar. Mas as justificativas desconsideram o lado mais sombrio da indústria: animais sofrem e morrem em nome de um único clone.

Fêmeas anônimas, invisíveis, vivem como cobaias em laboratórios, em condições desconhecidas. São submetidas a sucessivos procedimentos cirúrgicos invasivos, para retirada de óvulos e implantação de embriões. Passam por diversas gestações e fetos mortos. Bebês “defeituosos” ou com problemas de saúde também têm destino incerto.

Na primeira clonagem de cão do mundo, 1.095 embriões (com óvulos das fêmeas) foram transferidos cirurgicamente a 123 mães de aluguel —mas só três gestações vingaram. Uma sofreu um aborto e duas tiveram filhotes. Um deles morreu de complicações respiratórias semanas após o nascimento.

O último era Snuppy, que nasceu em 2005 e faleceu em 2015, do mesmo câncer que vitimou o cão a partir do qual foi clonado.

“Você pode amar muito seu pet, mas quer que diversos animais sofram e até morram para tê-lo de volta?”, diz Robert Klitzman*, professor de bioética da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e um dos principais ativistas contra a clonagem.

Ele falou com Tilt.

Tilt – Qual sua opinião, do ponto de vista ético, a respeito da clonagem de animais de estimação?

Robert Klitzman – A clonagem de pets levanta muitas e sérias questões éticas.

O grande problema é que, para produzir um cachorro clonado saudável, cerca de 20 cães precisam passar pela fertilização in vitro, com aproximadamente dez engravidando, para dois filhotes nascerem —e um deles provavelmente terá grandes deformidades e morrerá.

Os próprios processos de fertilização e de gestação causam estresse para a saúde dos cachorros, como acontece com as mulheres humanas.

Ou seja, criar um animal clonado saudável significa gerar sérias tensões, sofrimento e até morte para outros animais.

Há dados sobre outras espécies?

Temos poucos dados disponíveis sobre clonagem de animais, mas pesquisas mostram que, por exemplo, transferir mais de cem embriões de cavalos de polo para os úteros de éguas resultou em apenas três potros vivos.

A taxa já é baixa, e muitos animais clonados morrem pouco tempo depois de nascer, devido a anormalidades.

Em um estudo de porcos, metade dos bebês nascidos vivos morreram nos primeiros meses, por causa de vários problemas. Entre bois, ao transferir 2.170 embriões, 106 nasceram, 24 dos quais morreram logo após o parto.

O que acha do caso da Kelly [contamos nesta reportagem especial], que passou cinco anos para clonar sua gata Chai?

O fato de que houve um número não revelado de tentativas até conseguir o clone sugere a presença dos problemas que mencionei. Também me preocupa o significado de uma “tentativa malsucedida”.

Suspeito que muitos gatos tiveram de passar pela fertilização e pela gestação, com todos os riscos envolvidos, e alguns que nasceram tinham grandes problemas e morreram pouco após o parto.

Em resumo, muitos animais sofreram no processo, o que destaca os prejuízos que a clonagem de pets causa.

E o clone em si, acredita que atende às expectativas dos tutores?

Então, outro problema é que as pessoas enlutadas pela morte de um animal querem cloná-lo para continuar a relação próxima que tinham. Mas parte do que fazia esta conexão especial eram as experiências compartilhadas.

O animal clonado pode até ser fisicamente idêntico ao que morreu, mas não compartilhou estas experiências. O que realmente valorizamos, ou deveríamos valorizar, em nossos companheiros não é somente a aparência.

Os tutores esperam um pet com a mesma personalidade do anterior. Mas isso não pode ser totalmente previsto pelo DNA. Os ambientes do útero e dos primeiros meses de vida também podem afetar o comportamento e até aparência. O novo animal não será idêntico.

Seriam os pets clonados um novo (e egoísta) produto de luxo?

Essencialmente, sim, já que muitos animais sofrem e podem morrer para satisfazer o desejo de um tutor.

Mas este desejo pode ter sido mal orientado, devido ao momento do luto e à esperança de que o clone seja exatamente igual.

O que acha de tanto dinheiro estar sendo gasto desta maneira?

Não posso dizer que as pessoas deveriam ser legalmente impedidas de clonar seus pets, mas deveriam estar cientes dos detalhes envolvidos: que muitos animais irão sofrer e alguns podem morrer no processo para produzir uma cópia daquele animal. Que ele não será um clone “psicológico” e que há muitos cães e gatos maravilhosos e saudáveis presos em abrigos, precisando de um lar.

É realmente muito difícil, eticamente, justificar a clonagem de um animal de estimação.

Mesmo assim, vemos mais empresas oferecendo seus serviços globalmente…

Eu acredito que muitas empresas se aproveitam dos desejos, sonhos, anseios e medos das pessoas, e nem sempre revelam todos os detalhes e limitações de seus produtos.

“O comprador que se preocupe” [“Let the buyer beware”] é um velho ditado. Acho que seria ótimo se as empresas fossem obrigadas a revelar o fato de que um grande número de animais pode morrer para produzir um clone saudável.

A clonagem traz algum avanço para a ciência?

Acredito que não.

Se o sofrimento de animais levasse a importantes benefícios para os humanos —como desenvolver uma cura para o câncer—, poderia-se concordar que os danos são justificáveis. Mas se o benefício é apenas a potencial satisfação de um tutor em ter um clone, então todo o sofrimento e as mortes de animais são muito mais difíceis de justificar e levantam grandes preocupações éticas e morais.

Inclusive, ideias de clonagem humana foram abandonadas há tempos, em todos os países desenvolvidos.

*Robert Klitzman é autor de diversos livros de bioética, incluindo “Designing Babies: How Technology is Changing the Ways We Create Children”, no qual aborda os riscos e benefícios da fertilização in vitro entre humanos.

Fonte: Plantão dos Lagos

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