Conselho de Veterinária de MG é criticado em audiência por questionar a realização dos mutirões de castração e vacinação

A atitude do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) de Minas Gerais de questionar a realização dos mutirões de castração e vacinação foi criticada em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A maioria dos participantes da reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável realizada nesta quarta-feira (23/11/22) considerou que o órgão federal, mesmo não tendo competência para interferir em um programa estadual, conseguiu burocratizar essa política pública.
Presidente da comissão e autor do requerimento pela audiência, o deputado Noraldino Júnior (PSC) foi um dos idealizadores dos mutirões. É também quem mais contribui com emendas parlamentares para custear as ações, que já foram assumidas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), que inclusive criou e coordena o programa Castramóvel.
Segundo o parlamentar, os mutirões, que funcionam desde 2016 e foram pioneiros no País, promoveram a castração de 160 mil animais e a vacinação de 104 mil. O deputado afirma que vem sendo perseguido, especialmente por veterinários, apesar do sucesso do programa. Nesse sentido, criticou a ausência na reunião de representantes do CRMV.
Na avaliação de Noraldino Júnior, a resistência por parte da autarquia federal, que baixou a Resolução 367, de 2019, se deve principalmente à ganância e ao corporativismo dos veterinários. Segundo ele, muitos da categoria têm medo de perder receitas, uma vez que são donos de clínicas e pet shops, que cobram para prestar os serviços oferecidos nos mutirões.
Hospital veterinário público
Fazendo um contraponto a esse raciocínio, ele lembrou que na cidade de São Paulo (SP), foi criado o primeiro hospital veterinário público e os veterinários inicialmente se posicionaram de forma contrária. No entanto, com o tempo, observou-se que muitas pessoas que levavam seus animais ao local precisavam de outros atendimentos não gratuitos. Isso levou à criação de várias clínicas veterinárias particulares na região, o que ampliou o volume de serviços dos veterinários.
Por fim, Noraldino Júnior contestou os três argumentos apresentados pelo CRMV para tentar dificultar os Castramóvel. Citou que o órgão critica o fato de os animais só terem acesso a uma dose de vacinação.
“O que é melhor? O animal vacinar uma vez ou nenhuma? O animal que vacina uma vez já tem uma parcela de proteção de, pelo menos, 50%”. – Diz Noraldino Júnior
Ele ainda lembrou que os mutirões focaram na vacinação contra cinomose, parvovirose e ravia.
Outro argumento do Conselho rebatido pelo deputado foi o de que a vacinação em massa de cães e gatos levaria a um número significativo de reações nos animais. “Se adotássemos esse mesmo raciocínio na pandemia, não deveríamos vacinar contra a Covid-19, porque haveria reações em alguns casos”, questionou ele, lembrando que o benefício da imunização suplanta reações adversas em baixo percentual.
Por fim, Noraldino Júnior disse que o CRMV ainda questionou o fato de os animais poderem ser vacinados no chão. “Muitas campanhas de vacinação são feitas na rua, onde o animal é vacinado no chão. Será que só poderia ser vacinado no mármore?”, ironizou.
Mutirões geram mais renda para veterinários
Rodrigo Franco, subsecretário de Gestão Ambiental e Saneamento da Semad também criticou a postura do CRMV, apesar de colocar sua pasta aberta ao diálogo com o órgão. Ele frisou que não há subordinação da Semad à resolução do CRMV, que na sua opinião, burocratiza todo o processo, e que a equipe da secretaria tem total qualificação para avaliar suas políticas públicas. E ponderou que, ao contrário do que aponta a argumentação da autarquia, a ampliação dos mutirões valoriza os veterinários, gerando mais trabalho e serviços para a classe em cada município.
Estimativas
A Semad aponta que Minas Gerais tem entre 5 milhões e 6 milhões de cães e gatos, sendo 30% de rua ou com tutores de baixa renda.
“Atingimos 160 mil animais atendidos. O caminho é longo”, detalhou Diogo Soares de Melo Franco, superintendente de Gestão Ambiental da Semad. Sobre a resolução do CRMV, Diego sustenta que os locais mais carentes são os que têm maior dificuldade para cumprir as exigências. “É comum um município perder recursos por não conseguir atender às regras”, disse. Em sua análise, a resolução mira no ideal, mas é preciso buscar um equilíbrio para que ela não vire uma trava.
Já Renata Ribeiro, veterinária da ONG Ajuda, que promove os mutirões, destacou que o projeto vem sendo lapidado desde sua criação. “No início, fazíamos de 40 a 45 castrações das 9 às 19 horas. Hoje, fazemos entre 90 e cem até as 16 horas, sem perder a qualidade”, comparou. Em 160 mil castrações realizadas, a taxa de óbito é de 0,6%, segundo ela.
A médica ainda garantiu que também tem clínica própria e não vê perda de clientes por causa dos mutirões de castração. “Nós fazemos a conscientização, falamos da importância de se levar o animal ao veterinário. Isso abre portas. Na vacinação é assim também”, atestou.
Diálogo para aprimorar ações é defendido
Ana Liz Bastos, médica veterinária do Instituto de Medicina Veterinária do Coletivo (IMVC) e também conselheira do CRMV, adotou um tom conciliatório. Ela acredita que é possível o diálogo entre o órgão e a Semad, de modo a promover alguns ajustes na resolução e também na execução dos mutirões.
Ciente de que a maioria dos animais não têm acesso à medicina veterinária, a médica vê com bons olhos o Castramóvel e outras ações gratuitas para esse público. Declarou que o IMVC promove capacitação de profissionais para atuar nos mutirões, inclusive para evitar que sejam vítimas de processos éticos por parte do conselho. “O CRMV não tem nenhuma governança em relação à Semad ou outros órgãos, mas em relação aos profissionais, que as vezes atuam sem ética”. Ela completou que atualmente, há 82 faculdades de veterinária em Minas, muitas sem a qualidade adequada que formam profissionais também sem preparo.
Também refletiu que os mutirões não afetam o movimento de clínicas e pet shops. “Os veterinários podem fazer mutirões de castração em suas clínicas. Em Guaxupé (Sul de Minas), isso já existe. Há também clínicas que se mantém com parcerias com prefeituras”, completou.
Manejo populacional
Por fim, defendeu uma política pública mais ampla na causa animal, de manejo populacional. “Fico feliz que a Semad tenha começado algo nesse sentido. O manejo populacional não envolve somente vacinar, castrar e chipar. É preciso fazer o atendimento básico da saúde dos animais”, aconselhou. Na sua opinião, deveria haver unidades básicas de saúde animal, na mesma lógica do SUS.
Seguindo essa linha de raciocínio, Eduardo Roscoe, coordenador do programa de esterilização da ONG Ajuda, disse que o fato de a população carente estar levando seus animais para serem castrados e vacinados tem feito o esboço de um programa educacional. “As pessoas passam a associar esse atendimento à preservação da saúde do animal, entendendo que ele é um transmissor de doenças, quando não é bem tratado”.
Fonte: Assembleia Legislativa de Minas Gerais