Cuidar de animais: em sua companhia, e longe deles
Segundo o Novo Aurélio, a palavra “cuidado” tem origem no latim: cogitato, no sentido de pensado, imaginado, meditado, previsto, calculado, suposto. Alguns substantivos revelam outros sentidos do termo: atenção, precaução, cautela, diligência, desvelo, zelo, encargo, responsabilidade.
Quando as feministas se referem à ética do cuidado, em inglês caring ethics, estão a lembrar a necessidade moral de dar atenção ao objeto do zelo, respondendo diligentemente e de forma preventiva pelo bem inerente a ele, procurando impedir que sofra danos quando esses podem ser evitados por decisões morais cautelosas.
Na ética prática contemporânea, o discurso corrente em defesa dos direitos animais não tem conseguido barrar a prática institucionalizada de extermínio de suas vidas, seja em escala industrial para produção de alimentos, seja nos laboratórios de pesquisa para testes de químicos supostos venenosos à saúde humana e de animais não-humanos. Nada de “cuidado” com a vida alheia. Nada de “meditação” sobre o bem inerente que a vida dos outros representa para eles, ainda que da nossa perspectiva suas vidas não pareçam valer coisa alguma.
Da perspectiva crítica, no entanto, a vida é considerada um bem não hierarquizável. Para que se possa compreender isso, é preciso que pensemos com zelo no que representaria para nós perdermos a vida através de um gesto alheio, um gesto que poderia ter sido contido, desviado, não planejado, mas não o foi. Usando nosso senso ético, desaprovaríamos qualquer gesto alheio que visasse ceifar nossa vida, ou que tivesse o propósito de tirar de nós o bem-próprio, para que alguém se beneficiasse disso. Entendendo que tais ações não podem ser aprovadas moralmente por nós, caso fôssemos vítimas delas, acabamos por reconhecer que o mesmo vale para ações que nós podemos praticar tendo outros como as vítimas delas. Nossa racionalidade não nos permite ter dois pesos e duas medidas.
Mas, a tradição moral deu um jeito de acomodar nossa consciência, ao dizer-nos que podemos fazer contra os animais aquilo que não aprovamos que seja feito contra nós, porque o formato no qual a vida se manifesta, no caso deles, não é o mesmo do nosso, e, ainda mais, o nosso formato é superior e mais valioso do que o deles.
Quando submetemos animais aos nossos cuidados, via de regra o fazemos tomando como parâmetro nosso sentido do que é bom para nós, e aplicando-o ao que fazemos por eles. Se eles vivem em nossa companhia, tendemos a esperar que aprendam conosco como viver bem. Jamais pensamos que para tê-los em nossa companhia precisamos estudar sua natureza observando-os em suas interações espontâneas. Com relação aos que vivem bem, longe das vistas e do domínio humano, quando os aprisionamos fazemos com ele o mesmo que fazemos há milênios com os chamados “animais de estimação”, ou “animais de companhia”: forçamos sua natureza a tal ponto a adaptar-se à nossa visão do que seja a vida boa, que ao final das contas temos em nossa companhia apenas seus corpos, destituídos de seu espírito específico. Consumimos carcaças de animais mortos, e cuidamos de carcaças vivas de outros. De qualquer modo, em ambos os casos os destituímos do espírito que os movia quando vivos. Ao matar e aprisionar animais, não nos apropriamos apenas de seus corpos. Destruímos sua alma. Afinal, quando dizemos que “amamos” os animais, do que é que efetivamente gostamos tanto?
Fonte: ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais
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