Devastação alimentar e ambiental
Curso de Extensão
Implicações éticas, ambientais e nutricionais do consumo de leite bovino abordagem crítica
[Auditório do Centro de Educação UFSC – 17/5/13]
Devastação alimentar e ambiental
Dr. phil. Sônia T. Felipe
Resumo da sessão anterior: As três principais fontes das dores e do sofrimento de vacas usadas para extração do leite são as inflamações dos quartos, do úbere, dos cascos e os distúrbios digestórios causados pela dieta artificial elaborada para disparar a secreção galactífera, causando-lhes acidose, responsável ao mesmo tempo pela inflamação dos cascos e demais doenças que afetam as vacas. Vimos também que o sistema de manejo, não importa qual seja seu design, não está projetado para deixar as vacas viverem e procriarem de acordo com seu éthos bovino. Está desenhado para render lucros aos extratores e processadores do leite delas. O consumidor de leite e de laticínios deve contabilizar em seu prato não apenas a agonia das vacas, mas também de seus vitelos, condenados ao tormento por 120 dias até serem mortos. Na sessão de hoje trataremos da devastação alimentar e ambiental que a extração e o consumo de leite bovino representam em escala mundial e nacional.
Emissão de gás metano na atmosfera
O gás metano é 23 vezes pior do que o dióxido de carbono para o efeito estufa. Justamente esse é o gás multiplicado no trato digestório do gado alimentado com grãos, cereais e lixo orgânico, em vez de gramíneas. A expulsão do metano ocorre tanto pela boca quanto pelo ânus.
De acordo com Michael Abberton, do British Department for the Environment, Food and Rural Affairs [Departamento Britânico de Meio Ambiente, Alimentos e Negócios Rurais], uma vaca usada para extração de leite expele, em média, “entre cem e trezentos litros de gás metano por dia”. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 54]. Em vez de xingar a vaca, que não é culpada de ter sido forçada a comer o que não pode digerir direito, é preciso questionar o consumo de leite e laticínios, pois esse consumo arruína diretamente o planeta, pelo menos por três vias ligadas entre si:
1. A derrubada das florestas nativas para plantio de grãos e cereais destinados a alimentar essas vacas.
2. O manejo da alimentação das vacas, que as obriga a ingerir o que seu éthos não evoluiu para bem digerir, levando seu sistema digestório a produzir e expelir o gás metano, numa proporção que supera duas vezes pelo menos o que a queima de combustíveis fósseis representa para a destruição da camada de ozônio e acidificação dos oceanos.
3. O depósito de matéria excremental atirada sobre o solo, carreada para as águas de superfície pelas chuvas e enchentes e infiltrada no solo contaminando o lençol freático.
Multiplicando-se o número de vacas ordenhadas no Brasil no ano de 2009, segundo dados da Embrapa [Apud Felipe, Galactolatria, p. 56], num total de 22.435.289 animais, pelo volume de gás metano liberado na atmosfera por vaca, entre 100 e 300 litros diários, o consumo de leite em nosso país naquele ano respondeu pela emissão de um montante entre 818,888 trilhões a 2,456 quatrilhões de litros, com níveis diários de 2,243 trilhões a 6,730 trilhões de litros. Esse é apenas um dos muitos custos ambientais originados pelo consumo de laticínios no Brasil, que os galactocratas não pagam.
Não apenas no processo digestivo, mas também na montanha de excrementos não aerados forma-se o gás metano emitido na atmosfera, resultando na destruição da camada de ozônio. É possível ter ideia do que a galactolatria representa na destruição da camada de ozônio, fazendo-se a estimativa da emissão do gás metano expelido pelas vacas em 2008, nos 10 maiores extratores de leite do mundo, a saber:
Países extratores de leite por ordem extração |
Vacas ordenhadas em 2008 |
1º Estados Unidos |
9.224.000 |
2º Índia |
38.500.000 |
3º China |
12.652.601 |
4º Rússia |
9.221.000 |
5º Alemanha |
4.217.711 |
6º Brasil |
21.198.000 |
7º França |
38.080.000 |
8º Nova Zelândia |
4.347.657 |
9º Reino Unido |
1.909.000 |
10º Polônia |
2.733.130 |
[Cf. Felipe, Galactolatria, p. 54].
Em 2008, o total das vacas ordenhadas nos maiores extratores de leite do mundo foi de 142.083.099. Esse total é de vacas ativas, não contando a parte dos planteis mantida na reserva para reposição das vacas caídas e das que são enviadas para o abate quando fracassam as tentativas de inseminação ou quando sofrem de mastite ou outras infecções recorrentes. O plantel reserva pode ter o mesmo número das vacas ordenhadas, ou mais, se considerarmos as novilhas bem jovens que estão sendo preparadas para a primeira inseminação.
Portanto, para os cálculos a seguir, pode-se praticamente dobrar os números, a fim de incluir a produção do gás metano pelas vacas reserva. Se cada vaca expele entre 100 e 300 litros de gás metano ao dia, a emissão estimada é da ordem de 14 a 42 bilhões de litros diários. Multiplicando-se 100 e 300 litros por 365, temos de 36.500 a 109.500 litros de gás metano, expelido por vaca ordenhada, por ano. O total das emissões das vacas ordenhadas alcançou de 5 a 15 trilhões de litros somente no ano de 2008, nesses dez maiores extratores. Considerando-se as vacas reserva desses mesmos países, os montantes sobem para 10 a 30 trilhões de litros no mesmo ano.
Vimos no parágrafo anterior o montante relativo aos dez maiores extratores de leite do mundo. Mas os restantes rebanhos do mundo, de outras 104.778.665 vacas ordenhadas, também liberam gás metano na mesma proporção. O total mundial alcançou no mesmo ano 246.861.764 de vacas ordenhadas. O montante estimado de gás expelido por elas foi de 24 a 74 bilhões de litros diários, resultando em 8 a 27 trilhões de litros no mesmo ano.
Se considerarmos que também o rebanho reserva emite o gás metano podemos dobrar os números dessa emissão, mantendo de 16 a 54 trilhões de litros de gás metano no ano de 2008. Essa é a contribuição anual que os galactômanos dão ao redor do mundo para diminuir a camada de ozônio que envolve nosso planeta. A galactomania forma uma rede de destruição ambiental organizada pela adicção aos laticínios, em âmbito internacional. Todo consumidor de laticínios faz parte desse projeto. Para cessar a emissão desse gás de efeito estufa, há que abolir o consumo de leite e laticínios. Por essa decisão responde cada consumidor. Pela destruição das chances de continuar a existir vida no planeta, também.
Considerando o peso do rebanho bovino usado para extração do leite ao redor do mundo no total de emissões do gás metano na atmosfera, não temos alternativa ética a não ser abolir da dieta esses alimentos. A principal razão pela qual é preciso fazer isso é o sofrimento dos animais cujo sistema digestório é forçado a expelir tantos gases, e a própria responsabilidade pela ameaça à vida que a dieta centrada nos laticínios representa. Caso contrário, todas as espécies de vida, das vegetais às animais, morrerão, direta e indiretamente, pelo fogo dos raios UV-AB, do sol, que perpassam a camada de ozônio cada vez mais fina por conta do consumo humano de leite bovino. Secas em lavouras, inundações em plantações. Eventos cada vez mais comuns. O planeta avisa há décadas. Os comedores estão surdos e cegos. Os alimentos animalizados não fazem bem para a saúde mental humana. Menos ainda para a saúde moral.
Irresponsavelmente, a Food and Agriculture Organization – FAO, para alegria dos galactocratas, recomenda que os brasileiros dobrem a quantidade de leite ingerido, a fim de “alcançarem os níveis considerados ideais”. Ideal, para quem, mesmo? Para o planeta, a expulsão e a emissão de gases, especialmente do metano, acarreta a destruição da camada de ozônio que protege todas as espécies vivas da radiação solar letal. Para as vacas, a duplicação da demanda por leite acarretará mais dor e sofrimento digestório, circulatório, mamário e podal. Para os galactômanos, o resultado será a dor e o sofrimento causados pelos males que só os afligem por conta de sua dependência casomorfínica.
Numa comparação com a tragédia que seria alimentar humanos com guloseimas, Singer e Mason alertam sobre o que representa para a saúde das vacas alimentá-las com milho. Dá para mantê-las vivas por certo tempo, mas, em hipótese alguma, elas terão saúde e longevidade. Se a ração à base de grãos implica em doenças e mesmo em risco de morte para as vacas, o que dizer da composição descrita por John Robbins e por Schlosser citada na primeira sessão deste curso? Cf. <http://www.pensataanimal.net/pensadores/152-sonia-t-felipe/382-implicacoes-eticas-ambientais-e-nutricionais-do-consumo-de-leite-bovino-uma-abordagem-critica-etica-animalista>.
Singer e Mason descrevem o processo digestivo bovino nos seguintes termos: Quando regurgitam, “os animais produzem gases chamados ‘compostos voláteis’. [A] maior parte desses gases é emitida pela boca, não pelo ânus. Quando há muitas cabeças de gado, o manejo gera muito gás”.
Se alguém quiser saber quanto gás metano é liberado por dia na atmosfera pelas vacas usadas para extração do leite, basta multiplicar o número de vacas por 100 e por 300. Para saber quanto as vacas dessa região liberam por ano, basta multiplicar o resultado anterior por 365 dias. Para saber o montante da responsabilidade pessoal de um galactômano urbano na emissão do gás metano oriundo da extração do leite, é preciso contabilizar o total dos produtos laticínios consumidos por dia, por semana ou por mês, calcular o número de vacas necessárias para fornecimento do leite usado para processar esses laticínios e a emissão diária de gás metano por essas vacas. Toda criança e adolescente deveria aprender a fazer tais cálculos desde o ensino fundamental. Se isso fosse feito, a consciência animal e ambiental dos jovens, dos adultos e dos idosos brasileiros já estaria noutra frequência ética.
Nos Estados Unidos, funcionários do Air Pollution Control District do Vale San Joaquim, que controla a poluição do ar na região, “acreditam que as 2,5 milhões de vacas leiteiras são a maior fonte de poluição do ar […]”. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 56]. O total liberado na atmosfera por aquelas vacas, que representam 27,2% do total do rebanho ordenhado nos Estados Unidos em 2008, é estimado em “100 milhões de toneladas de gás metano por ano, o que representa 20% do total da emissão anual de metano do país”, escreve Keon [Apud Felipe, Galactolatria, p. 56].
Isso significa que o leite e os laticínios originados daquelas vacas, representam um quinto do total de gás metano emitido naquele país. Se o total de emissão de gás metano nos Estados Unidos é de 500 milhões de toneladas ao ano, e um rebanho de dois milhões e meio de vacas responde pela emissão de 20%, o rebanho de 9 milhões e 200 mil vacas responde então pela emissão de 73,6% do total de gás metano liberado na atmosfera por aquele país. Isso quer dizer que o restante das emissões, incluindo toda queima de combustíveis fósseis, dos aviões aos tratores, passando por todos os automóveis e ônibus não soma mais do que 26,4%. O peso do queijo, do iogurte, da vitamina, dos biscoitos, das tortas, dos gratinados na manteiga, das pizzas quatro queijos e de tudo o que contém derivados do leite, na destruição do planeta, é três vezes o do restante da atividade humana. Comer laticínios é praticamente sinônimo de destruição da vida no planeta. Mas quem já ouvira falar desse assunto, até ler este texto?
Ron Schmid escreveu o livro The Untold Story of Milk [A história não contada do leite], no qual revela que, em sua quase maioria, as vacas usadas para extração do leite nos Estados Unidos vivem a maior parte do ano confinadas em estábulos, alimentadas com “dietas científicas”, sem grama fresca, desenhadas com o propósito de “maximizar a produção do leite”. Mesmo na versão não composta com excrementos de galinha ou restos de outros animais triturados, essa dieta científica, adotada naquele país, contém igualmente matéria indigesta para bovinos, quando não, maléfica para sua saúde e bem-estar: “grãos, feijão de soja, restos de padaria (bolos, pão, tortas, massas e até mesmo balas) e tortas de cascas cítricas carregadas de pesticidas”.
Como se não bastasse terem de digerir açúcares e massas, além dos demais dejetos listados por Robbins, as vacas agora voltam a receber como ração bagaços da cana-de-açúcar, o lixo da indústria do álcool. O sistema digestório bovino não evoluiu para digerir e metabolizar esse tipo de matéria. Àquela época, as vacas recebiam bagaços de cana orgânica (não havia pesticidas nos cultivos do século XIX), acumulados nas áreas de produção do etanol. Hoje, segundo Schmid, elas recebem bagaços carregados de resíduos dos químicos empregues na fermentação acelerada da matéria orgânica, matéria carregada de enxofre.
Há mais de um século, a opinião pública tomou conhecimento de que as vacas eram alimentadas com resíduos das fábricas de cerveja, etanol e uísque. O leite que elas produziam era aguado e sem nutrientes relevantes para a saúde dos bebês humanos que o ingeriam e morriam em número assustador. Hoje, na era da informação disponível na rede internacional, os consumidores sequer sabem da dieta de bagaço contaminado com resíduos químicos de todo tipo, dada às vacas.
Enquanto, há um século, era possível ver a pilha de bagaços e as vacas comendo-os, hoje, a indústria de bebidas e de etanol não edifica mais suas instalações em centros urbanos. “Essas leiterias estão fora do alcance das vistas e, pois, fora da mente – tão longe que o olfato não as pode alcançar”, escreve Schmid, “e revelam ainda menos a vinculação entre o que é dado às vacas para comer e a decadência da saúde pública.” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 57].
O médico Virgil Hulse, investigador das sequelas humanas causadas pela ingestão de carnes e leite bovino, escreveu em 1996 o livro Mad Cows and Milk Gates. Em suas palavras, “a ração das vacas nos Estados Unidos contém carne e tecidos de ovelhas doentes, de frangos e de outras vacas”. A carne desses animais forçados a ingerirem e a digerirem carne de outros animais, em outras palavras, forçados ao carnivorismo e ao canibalismo, é “empacotada em embalagens de plástico, etiquetada e colocada à venda nos balcões dos mercados, como inofensivas para o consumo humano. Dessas vacas, 80% sofre com o vírus da leucemia bovina e 50% com o da imunodeficiência bovina – o equivalente animal da AIDS. Tomamos leite e comemos queijos com restos de linfócitos cheios de DNA proviral desses vírus”, alerta Hulse, e “sabe-se que, quando os consumidores ingerem fluídos emitidos por animais ou a própria carne deles, estão correndo riscos, seja lá em relação ao que for que tenha afetado o animal.” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 57]. O Dr. Hulse é cientista de laticínios, pesquisador e epidemiologista do câncer. Ele foi inspetor do leite e dos laticínios na Califórnia por 13 anos, tendo se demitido por não conseguir que suas recomendações fossem seguidas para garantir a limpeza e não contaminação do leite vendido aos consumidores.
A excreção do leite
É preciso considerar o que representa para o planeta a manutenção do sistema de extração de leite animal. De acordo com os dados apresentados por Ron Schmid, uma vaca usada para extração diária de 40 litros de leite, considerando-se o total entre fezes, urina e águas contaminadas pela higienização das instalações onde as vacas são ordenhadas, produz em torno de 530 litros de resíduos por dia [Apud Felipe, Galactolatria, p. 58]. Basta imaginar o que representa, ao cabo de um ano, a produção de leite dessa única vaca, escondida dos olhos do consumidor: 193.450 litros de dejetos. A proporção fica em torno de 1 litro de leite para 13 litros de dejetos. Mas ao adquirir 1 litro de leite ou 1 kg de manteiga (equivalente a 40 litros de leite), o consumidor não adquire o contêiner contendo, respectivamente, 13 litros, ou, 530 litros de dejetos, o equivalente ao que o consumo desse produto de origem animal deixa de rastro sobre o planeta.
Se cada um fizer as contas do próprio consumo de leite e derivados, pode chegar à somatória final do que seus hábitos alimentares privados representam para a devastação animal e ambiental. Concluído o cálculo da ingestão de laticínios, não resta inocência moral alguma. É preciso assumir a responsabilidade pessoal pelos danos que esses alimentos causam às vacas, ao ambiente e à própria saúde.
Segundo Joseph Keon, a vaca comum produz em média 60 kg de excrementos semissólidos por dia [Apud Felipe, Galactolatria, p. 58]. Aqui não estão computados os resíduos líquidos acumulados em função do manejo em confinamento completo, levados em conta no cálculo de Schmid, somente o que é de fato expelido pelos sistemas digestório da vaca, seus excrementos. Ainda assim, se essa vaca produz 40 litros de leite por dia, cada litro de leite representa um litro e meio de excremento. O autor calcula a quantidade de excrementos produzida diariamente por uma vaca, como equivalendo ao de 24 humanos [Apud Felipe, Galactolatria, p. 58].
Contabilizando-se o total de excrementos produzidos diariamente pelas vacas usadas na indústria de laticínios, nos Estados Unidos, 553.440.000 kg, e calculando-se o equivalente de 1/24, temos um total equivalente ao de uma população de 220 milhões de humanos. Nos Estados Unidos, o leite bebido e processado deixa um rastro excremental praticamente equivalente ao dos dejetos excretados pelos norte-americanos.
Se fizermos os mesmos cálculos, no Brasil, multiplicando-se o rebanho de 22.435.289 vacas ordenhadas em 2009, pelos excrementos equivalentes ao de 24 humanos, as vacas brasileiras excretaram o equivalente a uma população de 538.446.936 de pessoas. Somos, portanto, uma população de 200 milhões de pessoas que excretam seus próprios dejetos e mais os de 22 milhões de vacas, por conta da adicção aos laticínios.
Por conta da galactolatria afogamos nosso solo, águas e ares em excrementos animais e ninguém nos dá a somatória excremental de nossa dieta animalizada. Alguma coisa está fora da ordem moral. Multiplicando-se o volume de 60 kg por 365 dias, as vacas brasileiras produzem 491.332.829.100 kg anuais de excrementos, por conta de 29.112.000 toneladas de leite extraído delas, segundo dados relativos ao ano de 2009 [Apud Felipe, Galactolatria, p. 59].
Isso equivale a quase 17 kg de excrementos por litro de leite extraído. O ônus para as vacas, que tiveram que ingerir, digerir e expelir toda essa matéria, e para o planeta, que não evoluiu para dar conta de ingerir e digerir tanto excremento, é imenso. Quem pensa que esses ônus são de graça para os humanos, engana-se. Não inventamos ainda um sistema de impermeabilização do mal. Se o praticamos e estamos no mesmo ambiente, ele reverte também sobre nós. O planeta não tem muralhas contra as ondas sísmicas nem contra quaisquer ondas destrutivas provocadas pelos hábitos alimentares humanos. O que fazemos às vacas e ao planeta, o fazemos a nós mesmos. Apenas o tempo em que o mal aparece pode ser outro. As coisas não revertem sincronicamente. Há um tempo para tudo. Para fazer o mal. Para sofrer o mal feito pelo outro. Para receber de volta o mal feito por conta própria aos outros.
Quando os dados são fornecidos pela Environmental Protection Agency [Agência de Proteção Ambiental] nos Estados Unidos, parte dos excrementos do leite parece evaporar-se. Segundo aquela agência, as vacas usadas para extração do leite, não as que são alimentadas para o corte, produzem 27 bilhões de kg de excrementos por ano, o que daria um total de 2.700 kg de excrementos por ano, por vaca. Considerando-se que, em 2008, o rebanho norte-americano era de 9.224.000 vacas lactantes, o montante não passa de 8 kg de excrementos por indivíduo ao dia.
Entretanto, os tratados de eficiência na extração do leite prescrevem: para cada litro de leite extraído deve-se dar 0,5 kg de comida sólida, 2 kg de forragens e de 5,5 a 8,5 litros de água para a vaca. Se do rebanho estadunidense foram extraídos 86 bilhões de litros de leite em 2008, então essas vacas tiveram que ingerir 43 bilhões de kg de comida sólida, 172 bilhões de kg de forragens e 602 bilhões de litros de água. A soma disso tudo é de 817 bilhões de kg. Como é que os relatórios apresentam apenas 27 bilhões de kg de excrementos? Onde foram parar os 790 bilhões de kg de excrementos resultado daquela ingesta?
Se contabilizarmos 60 kg de excrementos diários por vaca, apontados por Keon, e confirmados, no Brasil, pelo Portal do Agronegócio [Apud Felipe, Galactolatria, p. 59], e multiplicarmos por 9,224 milhões, em 2008, o rebanho norte-americano de vacas usadas para extração do leite excretou 553.440 t/dia. Ao final daquele ano, o volume foi de 202 milhões de toneladas, não de 27 milhões de toneladas. A Agência de Proteção Ambiental americana está nos protegendo de saber quanto excremento sua produção de leite representa para o planeta. Ela esconde nada menos do que algo da ordem de 175 milhões de toneladas anuais de excrementos de vacas lactantes. Em seu relatório ela fala de 27 milhões de toneladas. Mas um rebanho de mais de nove milhões de vacas excreta, no mínimo, 202 milhões de toneladas ao ano.
Os Estados Unidos recusaram-se a assinar o Protocolo de Quioto que ordenou a redução da emissão dos gases de efeito estufa. Vimos que as vacas respondem sozinhas por mais de 70% da emissão do gás metano, ganhando a medalha inclusive na competição com toda a queima de combustíveis fósseis daquele país. Mas a quem a galactocracia engana, escondendo dos galactômanos os resultados devastadores do consumo do leite? À camada de ozônio? Ao restante do planeta? Os galactômanos querem ser mantidos em seu estado de inocência? Mas o planeta e as vacas não assinaram contrato algum para sustentar essa que nada mais é do que uma pseudoinocência.
No sítio dedicado às questões relacionadas com a manutenção das vacas usadas para extração do leite, o primeiro parágrafo do texto, “Notícias: Dejetos bovinos aumentam produtividade em 25%”, afirma:
Muitos produtores não sabem, mas uma vaca que dá 25 litros de leite produz cerca de 60 kg de dejetos por dia. Se todas as vacas da fazenda forem somadas, a quantidade de esterco produzido diariamente é muito grande. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 60].
Em artigo de César Dassie, no mesmo sítio, “Tirando proveito do esterco em confinamento”, temos dados similares:
Para se ter uma ideia, cada animal produz, em média, 50 kg de esterco semissólido por dia. Somando a urina, água desperdiçada e de lavagem de equipamentos, estima-se que o volume de dejetos atinja até 100 kg/cabeça/dia. […] Afinal, num confinamento de, por exemplo, 300 vacas leiteiras, algo em torno de 30.000 kg/dia de dejetos terão de ser coletados, transportados, estocados, tratados e distribuídos.[Apud Felipe, Galactolatria, p. 60].
A produção de excrementos varia conforme o peso da vaca, pois igualmente varia a quantidade de matéria ingerida por ela. Medindo-se os dejetos em metros cúbicos, temos a seguinte variação: um animal jovem, de 68 kg, produz por dia 0,005 m de dejetos. Dobrando o peso, aos 113 kg, o volume de dejetos praticamente dobra para 0,009 m/dia/animal. Com 227 kg, os dejetos do animal sobem para 0,019 m/dia/animal. Com 454 kg, peso médio das vacas lactantes, os dejetos diários sobem para 0,037 m. Se o peso alcança 635 kg, o volume de dejetos sobe para 0,052 m/dia/por animal [Apud Felipe, Galactolatria, p. 60].
Usando os dados oferecidos por Keon, chega-se a uma equivalência de 24 por 1, entre excrementos humanos e de vacas. São necessários 24 humanos para alcançar o total excretado, por dia, por apenas uma vaca. Mas, é bom frisar, Keon apresenta um número bastante tímido, se considerarmos os dados constantes do artigo de César Dassie. Segundo esse autor, do “conjunto de excreções, os elementos sólidos representam a menor quantidade, algo em torno de 25% do total.” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 60]. É preciso considerar que além da matéria seca as vacas recebem forragens em volume quatro vezes maior do que o do alimento seco. Essa quantidade de gramíneas e forragens é necessária para que elas sejam supridas das fibras necessárias à digestão eficiente do restante da alimentação. Assim, não é de espantar que um volume de 100 kg de excrementos diários possa conter 25 kg de sólidos, mantendo o percentual de 25% do total excretado.
Se há algo que sai em tal quantidade, gases, urina e fezes, é porque algo, ração e água, em proporção equivalente, foi ingerido. Uma vaca com produção média, não a top de linha, mas também não a menos “eficiente”, usada para extração do leite, consome no mínimo “40 kg de comida por dia para manter alta a secreção do leite. Isso inclui grama, capim, sorgo, feno, grãos, cereais e outros.” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 61]. Keon não refere, nessa quantidade, quanta água é ingerida pela vaca para hidratar seu sistema digestório e o resto do organismo.
No Brasil, segundo dados fornecidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, 42% das fazendas adotam o sistema de semiconfinamento, cujo retorno por animal é de 22,8 kg de leite por dia. O confinamento completo das vacas usadas para extração do leite é adotado por 41% das fazendas, nas quais o retorno por animal é de 30,5kg de leite por dia. Nas pastagens, sistema adotado por 17% dos empresários do leite, o retorno por animal fica em torno de 17,2 kg de leite ao dia.
Para o cálculo do que escorre escondido no leite e derivados, são empregues os dados fornecidos pelos produtores que adotam os sistemas de semiconfinamento e confinamento completo, nos quais é possível calcular com mais segurança a quantidade de comida seca, forragens e água ingeridas pelos animais ao longo de um dia, e dividir esse montante pelo número de animais para se chegar a um número médio, tanto do consumo de alimentos e água, quanto dos dejetos excretados. Mesmo tomando conhecimento dos números assustadores, poucos galactólatras se preocupam com o destino final de tanto excremento galactogênico, lançado sobre o solo ao redor do planeta.
A quase totalidade desses excrementos fica exposta a céu aberto sobre os campos, esperando uma enxurrada que os carregue para os rios. Não é para menos que, somente nos Estados Unidos, mais da metade dos rios estejam contaminados com dejetos animais, considerados pela Environmental Protection Agency EPA (Agência de Proteção Ambiental), um dos maiores poluentes ambientais. A contaminação ambiental é uma das razões pelas quais os países, antes produtores de animais para consumo doméstico, agora comecem a olhar para o Brasil como fornecedor de carnes, leite e ovos. Eles querem se livrar do excremento, querem economizar suas águas potáveis, querem preservar seus trabalhadores das sequelas do trabalho animalizado. Enfim, querem tudo o que os beneficia, sem abolir de sua dieta os alimentos animalizados. Mas, obviamente, todo excremento e urina desses alimentos animalizados que eles importam de nós ficarão aqui, no Brasil, destruindo a saúde das vacas, do planeta e dos brasileiros. O bônus vai para a conta dos exportadores. O ônus, para a existência de todos os animais submetidos aos interesses galactocráticos.
Na exportação, a matéria cobiçada segue nos navios e aviões. Os excrementos ficam no solo, ar e águas do país exportador. Quando se referem aos milhões de toneladas de carne exportadas, por exemplo, as notícias sobre a balança comercial jamais acrescentam os bilhões de toneladas de excrementos acumulados em nosso território, resultado da excreção diária de todos os animais mortos para o corte de carnes. Os importadores da carne e do leite estão livres da contaminação que os respectivos dejetos representam para os ecossistemas do domicílio exportador.
Também não são citados nos noticiários os trilhões de quilogramas de alimentos consumidos pelas vacas das quais o leite é extraído e pelos demais bovinos mortos pela indústria da carne, nem o montante de água potável que esses animais consumiram. Excrementos, alimentos e água formam o bolo fecal sem o qual não há leites. Mas, ao orgulhar-se de ser um dos maiores produtores de gado bovino, o brasileiro jamais revela o montante do bolo fecal que fica para trás, depois que a carga foi despachada, limpinha, para o domicílio dos importadores.
O Primeiro Inventário Brasileiro de Emissões Antrópicas de Gases de Efeito Estufa – Relatório de Referência dá atenção aos dejetos das vacas usadas para extração do leite em nosso país. Segundo dados fornecidos pela Embrapa Gado de Leite – CNPGL, “os sistemas de manejo de esterco no país estão distribuídos aproximadamente em: 1% – lagoa anaeróbica, 3% – lodo, 45% – pastagem; 20% – esterco seco no local de origem (daily spread); 20% – estocagem sólida e 11% – outros. Para a região Sul, a EPAGRI indica estes percentuais para o manejo de esterco: 5% – armazenamento em poços e fossas (outros sistemas); 75% – pastagem (sem manejo) e 20% – esterco armazenado no local de origem e usado posteriormente como adubo (daily spread)”. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 62].
O excremento bovino não aerado produz uma concentração de amônia superior à encontrada em depósitos de excrementos humanos. Segundo medições comparativas realizadas pela agência estadunidense, Environmental Protection Agency – EPA, a concentração média de amônia nos excrementos bovinos acumulados chega a ser 160 vezes maior do que a dos excrementos humanos, chegando a 200 vezes mais em casos menos frequentes [Apud Felipe, Galactolatria, p. 63].
Quando não seguem para os rios, os contaminantes presentes nos excrementos das vacas infiltram-se nas águas que formam os lençóis freáticos, usadas em algum momento para as necessidades humanas. Os processos de filtragem e decantação empregues para limpar a água e torná-la potável não dão conta de exterminar os patógenos presentes nela, contaminada com excrementos animais. Em 1993, relata Keon, 400.000 pessoas adoeceram e uma centena delas morreu “por exposição, através da água potável, ao patógeno mortal Cryptosporidium. Esse parasita foi rastreado e detectado no esterco bovino.” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 63].
Há cinquenta anos, escreve Keon, as glândulas mamárias de uma vaca secretavam em torno de 1.000 litros de leite por ano. Hoje, chegam a tirar delas até 25 mil litros por ano. Há vacas premiadas das quais são extraídos 35 mil litros de leite por ano, uma média de 95 litros por dia [Apud Felipe, Galactolatria, p. 63]. Segundo Schmid, vacas “altamente eficientes” na conversão de alimentos, hormônios e antibióticos, resultadas de rigorosa seleção genética, podem chegar a produzir 20 vezes mais leite do que seria necessário para alimentar seu bezerro [Apud Felipe, Galactolatria, p. 63]. Inovações em zootecnia levaram a tais resultados, uma brutalidade contra a constituição anatômica e fisiológica das vacas, que rende bilhões a quem as explora, aos galactocratas, e uma existência dorente e sofrente a cada uma delas.
Na alimentação, a mudança mais cruel foi a substituição da dieta herbívora tradicional pela dieta de grãos, cereais, restos triturados de outros animais e excrementos deles. A quantidade de matéria ingerida também aumentou. A ela foram acrescidos aditivos. Na medicina veterinária, o emprego de hormônios e a seleção nos cruzamentos foram mudanças cruciais. Elas garantiram que somente as fêmeas mais “eficientes” (menor custo para o produtor e maior quantidade de leite sendo extraído delas) se reproduzissem [Apud Felipe, Galactolatria, p. 63]. E, no manejo, a escravização do organismo dessas fêmeas, forçadas a se reproduzirem sem descanso por quatro a seis anos de vida, subtraiu-lhes 70% de sua longevidade natural.
Nesse sistema, o estresse físico, emocional e fisiológico das vacas, quando recorrente, as torna suscetíveis a doenças em razão de sua baixa defesa imunológica, inaproveitáveis para os interesses financeiros de quem as explora [Apud Felipe, Galactolatria, p. 64]. O eufemisticamente chamado “descarte involuntário”, o abate de vacas exauridas, permite ao produtor explorar outra, mais jovem, renovando cada vez mais cedo seu plantel.
Segundo estudo comparativo da produtividade das vacas nos 10 principais países produtores do leite, as vacas brasileiras têm uma média de 1,31 toneladas anuais, o que dá uma média de 3,58 litros de leite ao dia. Nessa média provavelmente estão contabilizadas as vacas do plantel reserva. As vacas mantidas em confinamento completo produzem dez vezes esse volume. Mas no cômputo geral do leite brasileiro aquela é a média estimada por animal.
O total brasileiro, no ano de 2008, foi de 27.752.000 toneladas de leite, para um rebanho de 21.198.000 vacas ordenhadas. Se a média de excreção de cada animal ordenhado beira os 60 kg e a produção beira os 3,6 litros por dia, temos 16,6 kg de excrementos para cada litro de leite consumido ou processado. Não estão computados nesses totais os excrementos das vacas secas, que compõem o plantel reserva, apenas os das vacas lactantes.
Quanto maior a concentração da matéria sólida em um laticínio (queijo, manteiga, creme, ricota), maior o volume correspondente de excremento que esse produto deixou como lastro no planeta, sobre o território brasileiro, pois maior é a quantidade de leite usada em sua produção.
Levando a sério esses números, vamos ao cálculo do que jorra escondido junto com o leite e outros alimentos derivados dele, conforme a proporção de 16,6 kg de excremento, para cada litro de leite, e da quantidade de leite necessária para processar cada um dos itens laticínios. Temos, então, o produto, quanto de leite ele consumiu, e quanto de dejetos ficaram depositados no planeta por conta do consumo humano de laticínios.
Vejamos: para produzir 1 kg de manteiga são processados 42 litros de leite. Para produzir esses 42 litros de leite, foram deixados no planeta 697 kg de excrementos. Para produzir 1 kg de queijo duro, são processados 10 kg de leite, deixando no planeta 166 kg de excrementos. Para produzir 1 kg de sorvete, são necessários 24 kg de leite, que deixam no planeta 398 kg de excrementos. Para produzir 1 kg de leite em pó magro, são necessários 22 kg de leite, que deixam no planeta 365 kg de excrementos. Para produzir 1 kg de leite em pó integral, são consumidos 15 kg de leite, que deixam no planeta 249 kg de excrementos [Apud Felipe, Galactolatria, p. 64].
Laticínio 1kg |
Quantidade leite kg |
Quantidade excremento kg |
Ghee |
60 |
996 |
Manteiga |
40 |
660 |
Sorvete |
24 |
398 |
Leite pó desnatado |
22 |
365 |
Leite pó integral |
15 |
249 |
Queijo duro |
10 |
166 |
Segundo dados apresentados por Robert Cohen, obtidos dos relatórios do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – USDA, a média do consumo dos norte-americanos em 1995 foi de 197 kg de vegetais, 60,5 kg de frutas frescas, 96 kg de farinhas e cereais, 95,5 kg de carnes, frango e peixes, e 292 kg de leite e laticínios [Apud Felipe, Galactolatria, p. 65]. Usando os números apresentados por Schmid, segundo os quais 1 kg de leite deixa um lastro de 12 kg de excrementos sobre o planeta, nos Estados Unidos, podemos chegar ao total de 3.504 kg de excrementos, das vacas usadas para a extração desse leite usado no processamento dos laticínios consumidos pelo comedor norteamericano, individualmente. Essas três toneladas e meia de excrementos, relativas ao consumo de apenas um indivíduo em um ano, estão depositadas sobre a superfície do planeta.
Multiplicando-se aquelas três toneladas e meia por 300 milhões de consumidores, o montante sobe para o total de mais de um bilhão de toneladas por ano. Ninguém faz esse tipo de cálculo ao comprar leite, queijo, creme, iogurte ou manteiga. Conforme visto, quanto mais compactadas a proteína e a gordura no produto derivado do leite, mais litros de leite estão embutidos nele, portanto, maior o custo ambiental e o sofrimento animal, considerando-se a quantidade de alimentos que a vaca foi obrigada a ingerir sem poder digerir direito e os dejetos não manejados que esses laticínios vão deixando em sua passagem, do úbere da vaca ao estômago do comedor humano.
Contabilizando-se 60 kg por animal, o total de dejetos produzidos em 2008 [Apud Felipe, Galactolatria, p. 65] pelo rebanho brasileiro, na casa dos 21.198.000 vacas, alcançou 1.271.880 t/dia. Ao final daquele ano, foram dejetadas sobre o território brasileiro 464.236.200 toneladas de excrementos devidos à galactomania. Naquele mesmo ano, a média de consumo de leite foi de 138 litros por pessoa. Seguindo a estimativa de 16,6 kg de dejetos por litro de leite extraído no Brasil, cada consumidor contribuiu para o acúmulo de 2.290 kg de dejetos bovinos em território brasileiro. Além dos cálculos acima, não dispomos de dados precisos sobre o montante dos excrementos oriundos do leite, no Brasil. Esses cálculos foram realizados a partir dos números do rebanho em atividade lactante e das informações fornecidas sobre o volume de excreção e de matéria alimentar consumida por esse rebanho, nos trabalhos já citados.
Alguns consomem até dez vezes mais leite e laticínios do que outros, especialmente quando ingerem laticínios sólidos e semissólidos, não apenas leite líquido. Os sólidos concentram a matéria sólida do leite, correspondendo, em cada litro, de 13% a 15%, dependendo da vaca. Ninguém paga a conta dos dejetos da vaca ao comprar leite, manteiga, queijo, iogurte e sorvete. A proporção entre o leite extraído e os dejetos excretados é descomunal, da ordem de mais de 16 para 1. Não dá para entender, por que alguém ingere um alimento tão carregado de excrementos, a menos que se reconheça que a galactocracia, quer dizer, a propaganda médica tenha feito a cabeça das pessoas a ponto de elas se julgarem atrofiadas para absorção de cálcio, necessitando permanentemente de uma vaca por perto para lhe suprir a demanda natural por esse mineral. A galactomania não é um estado natural da espécie humana, e sim uma construção social de caráter mais impregnante do que a própria religião. Dominado pela dependência causada pelos laticínios, o galactômano perde a capacidade de pensar e calcular por sua própria vontade antes de fazer suas escolhas alimentares e as de seus filhos.
Se, conforme o sugere a Food and Agriculture Organization – FAO, o consumo brasileiro chegasse aos níveis de 215 litros/habitante/ano [Apud Felipe, Galactolatria, p. 66], cada brasileiro teria que responder, em sua consciência, pela devastação ambiental anual correspondente a 3.569 kg de excrementos de vaca, abandonados à própria sorte sobre o território brasileiro. De qualquer modo, se consumimos 76 mil toneladas de leite por dia, no Brasil, nossa cota chega ao montante diário de 1.261.600 toneladas de excrementos bovinos produzidos como dejetos desse consumo. Acrescente-se a esses os dejetos do comedor humano. O planeta não evoluiu para digerir tanto excremento.
Considerando-se o consumo de uma cidade como Florianópolis, arredondando sua população para 450 mil pessoas e tendo como parâmetro o consumo de 140 litros de leite por ano, por pessoa, temos um consumo de 63 milhões de litros de leite por ano. Se, para cada litro de leite ficou um lastro de 16,6 kg de excrementos sobre o planeta, lá onde as vacas são alimentadas, os florianopolitanos respondem por 1, 045 trilhões de litros daqueles excrementos.
Dividindo-se outra vez esse montante pelo número de habitantes, cada morador desta cidade de Florianópolis responde por ano por 2,3 toneladas de excrementos dos laticínios que consome, sem que tenha que ver, cheirar ou se mover em meio a essa montanha excremental, gerada pelo seu leite no café, sua torta, pizzas, sorvete, chocolates, queijo de todo tipo, manteiga, ghee, iogurte e microderivados do açúcar, das gorduras e proteínas do leite, usados pela indústria de processamento de quase todos os demais alimentos.
Para produzir 63 milhões de litros de leite, o planeta teve que fornecer 31,5 milhões de kg de grãos e cereais, pelo menos 126 milhões de kg de forragens, e 535.500.000 litros de água potável dada de beber às vacas. No processamento total do leite e dos laticínios, foram usados 54,684 bilhões de litros de água. Esse foi o consumo florianopolitano em um ano de galactomania. Cada um pode fazer o cálculo em relação à sua cidade. Todos os habitantes das cidades respondem pela devastação dos alimentos e da água e pela excreção causadas pela insistência em alimentar-se de produtos derivados do leite bovino.
Os dados para o cálculo são: 140 litros de leite por pessoa (o leite usado nos laticínios consumidos está nesse volume total anual), x 0,5 kg de comida sólida por litro de leite consumido, mais 2 kg de forragens por litro de leite, mais 8,5 litros de água potável por litro de leite, mais 868 litros de água gastos no processamento industrial em todas as etapas da produção do leite e dos laticínios, mais 16,6 kg de excrementos por litro de leite usado no processamento dos laticínios consumidos. Os habitantes urbanos têm, pois uma assinatura bem forte na destruição do planeta e das chances de continuar a existir algum ser vivo por aqui em poucas décadas. Não há mais tempo para brincar de inocente. Nossa contribuição individual já é alarmante. Quando somamos quase meio milhão de pessoas esse número fica muito mais pesado.
A gula do leite
Vejamos o mesmo cálculo, considerando o consumo de alimentos, por um lado, e, por outro, os dejetos sólidos de uma vaca ingerindo em média 50 kg de comida [Apud Felipe, Galactolatria, p. 66], numa proporção de 10 kg de alimento sólido e 40 kg de forragens, para produção de 20 litros de leite diários [Apud Felipe, Galactolatria, p. 66], e consumo de 38 a 110 litros de água. Para cada litro de leite, são investidos diretamente no animal 0,5 kg de alimento sólido (grãos e cereais ricos em proteínas e calorias), 2 kg de forragens e cinco e meio a oito litros e meio de água. Esses números são médios. Há picos de hidratação e consumo alimentar que podem chegar a três vezes esse volume, dependendo da raça, idade, peso corporal, clima e estação do ano. Há especialistas que falam de 8,5 litros de água para cada litro de leite.
Keon declara que existe nos Estados Unidos algo em torno de 10 milhões de vacas usadas para extração do leite, cada uma contribuindo para a produção média diária de 25 litros de leite ou 9.000 litros por ano. No total, das vacas são extraídos 91 bilhões de litros de leite anuais. Se cada uma dessas vacas come 50 kg de alimentos por dia, somando-se os cereais e as forragens, as 10 milhões, juntas, consomem 500 mil toneladas de alimentos diários.
Comparando-se esse consumo e levando-se em conta que um ser humano ingere 2 kg de alimentos sólidos e semissólidos por dia, o que é dado às vacas norte-americanas poderia alimentar uma população de 250 milhões de humanos, quase 80% da população humana daquele país. Esse cálculo leva em conta apenas o alimento dado às vacas usadas para extração de leite. Se somarmos o alimento dado diariamente aos animais sustentados para a produção de carnes (bois, porcos, galinhas, perus, cabras, ovelhas, cavalos, coelhos, etc.), o consumo de alimentos, desviados do estômago dos humanos para o desses animais atinge proporções estratosféricas.
O rebanho galactífero brasileiro está por volta de 23 milhões de vacas. Se cada uma delas recebe 50 kg de alimentos por dia, isso totaliza 1,15 bilhão de kg de alimentos, que, se fossem cultivados para humanos, poderiam alimentar pelo menos 550 milhões deles. Somos, no Brasil, uma população de 200 milhões de humanos. Cultivamos e damos para vacas alimentos que poderiam sustentar meio bilhão de humanos. Escravizamos humanos para escravizarmos os animais. Derrubamos florestas nativas para transformar essas áreas em campos de monocultura biocidas e produzir milhões de toneladas de grãos, cereais e gramíneas para alimentar as vacas das quais extraímos o leite que, consumido, trará mais uma carga de danos, dessa vez à saúde humana.
A conversão da proteína vegetal em proteína animal realizada pelo metabolismo dos animais é baixíssima, se comparada com a conversão que os humanos podem fazer da proteína vegetal em proteína necessária à sustentação de seu próprio organismo. Só a garantia de lucros para os empresários do agronegócio (grãos, forragens, carnes e leites) justifica tal irracionalidade no emprego de alimentos ao redor do planeta.
Nesse sentido, não se pode dizer que haja escassez de alimentos no mundo. A tese de Malthus caiu por terra com a revolução verde, ocorrida após a Segunda Guerra Mundial. O que há – isso Malthus não poderia ter previsto , é desvio de alimentos para o sistema digestório dos animais não-humanos.
Não bastasse a mágica devastadora que transforma mais de 70% dos grãos e cereais cultivados na Terra em excrementos, essa mágica é a mesma que priva os humanos da valiosa proteína vegetal representada pelos grãos e cereais integrais, leguminosas e oleaginosas, pessimamente convertidas pelo organismo animal em proteína animal. Não bastasse o desperdício inicial, a proteína animal volta a ser desperdiçada quando consumida por humanos já suficientemente providos dela.
Crescemos, desde a década de 50 do século passado, ouvindo que era preciso ingerir 300 g de proteína animal por dia para ter saúde e manter o organismo. Passados 60 anos, os médicos revolucionam a dieta humana, reconhecendo que a necessidade de proteína não requer nenhum alimento de origem animal, e a quantidade varia de 30 a 80 gramas, dependendo do tipo de atividade física e de outras variáveis de cada organismo [ Cf. John A. McDougall, The Starch Solution, 2012, p. 89].
A proteína animal no prato dos abastados, conforme veremos nas sessões 5 e 6, causa-lhes doenças e contribui para a fome dos miseráveis. Ao mesmo tempo, essa mágica perversa devasta florestas nativas para plantação de grãos e cereais ou transformação dessas áreas em pastagens.
Segundo J. T. Reid, a conversão de proteína vegetal em proteína animal, nos animais consumidos pelos humanos, é da seguinte ordem: galinhas, usadas para produção de ovos, gastam 77% da proteína que lhes é dada, disponibilizando nos ovos apenas 23% do total da proteína recebida. Os frangos, usados para corte, gastam 83% da proteína que lhes é dada na ração, convertendo apenas 17% na carne. O porco consome 88% da proteína ingerida, convertendo apenas 12% na carne. E o boi, cuja carne é a mais consumida, consome 96% da proteína que lhe é oferecida na ração, devolvendo na carne apenas míseros 4% da proteína ingerida [Apud Felipe, Galactolatria, p. 68]. Não é absolutamente irracional uma dieta padrão como essa?
Já no final da década de setenta do século XX, Shurtleff e Oayagi apresentavam percentuais semelhantes, no cálculo da conversão da proteína vegetal em proteína animal, a saber: para cada 100 g de proteína vegetal ingerida pela vaca, 23 g retornam no leite. A galinha retorna 22 g de proteína nos ovos e 22 g na carne. Os suínos e bovinos retornam 12 g e 7 g, respectivamente, nas carnes. A devastação da proteína ingerida, que não retorna na mesma quantidade nos alimentos animalizados deve-se ao calor gerado no organismo dos animais para digerir a proteína vegetal recebida e manter seu próprio metabolismo equilibrado ao longo do processo digestivo [Apud Felipe, Galactolatria, p. 68].
Embora sejam muitas as variáveis que definem a quantidade de comida e água ingerida por vaca, veterinários e zootecnistas têm uma base sobre a qual calculam a alimentação delas. Segundo Brito, Nobre e Fonseca, à vaca deve ser oferecida quatro vezes mais água do que alimento sólido. Os autores são enfáticos: “Dos animais domésticos, a vaca leiteira é a que mais sofre com a privação de água. Primeiramente, pela grande excreção no leite; depois, pelo fato de seu corpo conter, em média, de 55 a 70% de água.” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 68].
Infelizmente, conforme bem o reconhece o Primeiro Inventário Brasileiro de Emissões de Gases de Efeito Estufa – Relatórios de Referência, quando se trata dos dados acima, não se dispõem, no Brasil, de registros detalhados sobre “as características desses animais, em termos de peso, consumo de alimento, taxas de digestibilidade, consumo de energia e outros parâmetros necessários ao conhecimento dos rebanhos existentes no país.” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 68].
De qualquer modo, tendo por base os parâmetros apontados pelas fontes internacionais e os apontados por alguns especialistas brasileiros é possível fazer cálculos, ainda que imprecisos, para se obter uma imagem do que se consome, ao se ingerir leite e seus derivados.
Um litro de leite consome, no mínimo, ½ kg de alimento seco ou comida sólida (grãos e cereais), 2 kg de forragens e de 5,5 a 8,5 litros de água. Tomando por referência esses dados, podemos calcular o alimento (sólido e forragens) e a água embutidos em cada um dos principais laticínios consumidos largamente ao redor do mundo, a saber:
Laticínio 1 kg |
Leite litros |
Grãos e cereais kg |
Forragens kg |
Água litros 5,5 a 8,5 |
Ghee óleo manteiga 1 kg |
60 |
30 |
120 |
330 a 510 |
Manteiga 1 kg |
42 |
21 |
84 |
200 a 320 |
Sorvete 1 kg |
24 |
12 |
48 |
60 a 96 |
Leite em pó magro 1 kg |
22 |
11 |
44 |
55 a 88 |
Leite em pó integral 1 kg |
15 |
7,5 |
30 |
38 a 60 |
Queijo 1 kg |
10 a 12 |
5 |
20 |
55 a 66 85 a 102 |
Comparando-se o consumo de aproximadamente 1½ kg de cereais, frutas, grãos, legumes e verduras diários (dieta vegana), e a dieta de um comedor que consome ½ kg de queijo em sete dias, o galactômano come através do laticínio mais 2,5 kg de cereais nobres e 10 kg de forragens, comida dada à vaca, para que ela produza o leite necessário para fazer ½ kg de queijo. O consumo de queijo, tomando-se como exemplo uma fatia por sanduíche diário, ao longo de uma semana, torna-se assustadoramente devorador de alimentos, equivalendo a pelo menos dezessete almoços de 700g no prato, comparando-se, o peso dos grãos e cereais dados às vacas e o dos alimentos dos quais os humanos se servem no almoço, nos balcões de autoatendimento.
Não há dieta mais devastadora para o planeta do que a dieta galactômana. Todas as áreas hoje cultivadas com grãos e cereais destinados à alimentação dos animais que serão abatidos e especialmente às vacas usadas para a extração do leite poderiam ser cultivadas com uma diversidade de alimentos vegetais que supririam completamente as necessidades calóricas e proteicas dos humanos, sem necessidade de fazer esse alimento passar pelo sistema digestório dos animais para, malmente, ser transformado em matéria proteica destinada à alimentação humana. O sistema galactólatra devasta a saúde das vacas e vitelos, as florestas naturais, os cereais, grãos e água potável, lança montanhas de excrementos no planeta e não favorece a saúde humana. Em qual lógica ele se baseia?
Poder-se-ia objetar que o queijo concentra muita proteína, valendo a pena queimar grãos e cereais nobres para transformar seu teor de proteína em proteínas do leite, concentradas finalmente no queijo. Infelizmente, conforme veremos nas sessões 5 e 6, o organismo de boa parte dos humanos não está preparado para digerir, metabolizar e aproveitar de modo satisfatório as proteínas lácteas animais, em especial a caseína e seus peptídeos.
Mesmo sendo apenas estimados, esses números nos dão ideia da inconsequência que domina a mente dos comedores que seguem a dieta padrão preconizada pelo agronegócio, desde a revolução verde. Essa revolução, inspirada pelo belicismo dominante nas décadas de 60 e 70 do século XX, que inventou uma maquinaria para matar e ficou sem ter o que fazer quando a guerra acabou, determinou também, com o mesmo espírito biocida, que fossem virados de ponta cabeça os hábitos saudáveis da alimentação animal e humana tradicionais.
Ao impor aos animais alimentos que a evolução de seu sistema digestório não previu que eles devessem digerir, assimilar e metabolizar, grãos e cereais, por exemplo, e ao convencer o comedor humano a consumir cada vez mais derivados do leite bovino, desconsiderando completamente o sofrimento animal, a devastação ambiental e os riscos para a própria saúde humana representados por essa ingestão, a revolução verde realizou uma interferência agressiva na saúde das vacas, dos ambientes naturais onde as vacas são exploradas e dos humanos transformados em galactomaníacos. Segundo o cientista e médico Dr. Virgil Hulse, na Introdução de seu livro Mad Cows and Milk Gates, 10% do genoma humano já está alterado pelos alimentos animalizados, carregados de DNA pro e retroviral oriundos dos animais comidos ou usados para extração do leite.
A produção de alimentos de origem animal é biocida em todos os sentidos, desde o uso de agrotóxicos nas culturas de grãos, cereais e forragens destinadas aos animais, até o abate de cada um desses bilhões de indivíduos. No caso das carnes, mata o animal para extrair o butim. No caso do leite, extrai o butim primeiro, exaure o animal e, caso a vaca não morra de esgotamento, é levada para o abate assim que não dá mais lucro extrair leite dela.
A Food and Agriculture Organization – FAO assedia o consumidor latino-americano com a propaganda de que se deve ingerir pelo menos 215 litros de leite por ano. No Brasil, levando-se em conta a média per capita, o consumo está em torno de 136 litros por ano, um aumento de 36% em relação ao que era consumido entre 1980 e 1994 [Apud Felipe, Galactolatria, p. 70].
Segundo dados do Ministério da Saúde e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a recomendação de ingestão anual, para crianças até 10 anos, é de 146 litros. Jovens de 10 a 19 anos são orientados a ingerir 256 litros de leite por ano. Para adultos, dos 20 anos até o final da vida, a recomendação fica em torno de 219 litros por ano [Apud Felipe, Galactolatria, p. 70].
Se o consumo de leite e laticínios seguir o padrão da FAO, cada indivíduo, no Brasil e no mundo responderá pela devastação direta de 730 kg de grãos e cereais transformados em excrementos jogados sobre o planeta, escondidos no leite consumido nos dez primeiros anos de sua existência. Considerando-se que uma criança come, digamos, 250 g de alimentos em um almoço, o leite consumido nos padrões sugeridos pela FAO para as crianças na faixa etária até os 10 anos corresponde a outros 292 almoços, por ano.
Os indivíduos de 10 a 19 anos respondem pelo consumo indireto de 1.280 kg de grãos e cereais que foram transformados em excrementos, em razão do consumo de leite ao longo dessa segunda década de vida. Se calcularmos 350 g de comida por almoço, em média, cada jovem consome o equivalente a outros 365 almoços por ano, em função do leite que consome, seguindo os índices da FAO. E os adultos de 20 anos para cima respondem a cada ano pelo consumo de 109,5 kg de grãos e cereais, digeridos pelas vacas para que se possa extrair delas o leite que consomem. Considerando-se um prato com 350 g de comida, adultos nessa faixa etária comem, além do seu almoço regular, outros 312, ao longo de um ano, equivalentes ao alimento nobre dado às vacas para produzirem o leite do qual são processados os laticínios.
Nesse cálculo não estão contabilizados os kg de forragens dados aos animais nesses 10 anos, exigindo milhões de hectares fantasmas para seu plantio ao redor do mundo. Obviamente, mais uma vez, esses cálculos são médios. Há quem coma mais e quem coma menos. Há quem tome mais leite e coma mais laticínios e há quem não tome leite nem coma laticínio algum, por exemplo, os veganos, os intolerantes à lactose, os alérgicos às proteínas do leite.
De fato, somos capazes de compor a cadeia de 20 aminoácidos que formam as proteínas necessárias à construção e manutenção das células de nosso corpo usando cereais, grãos, frutas, oleaginosas, leguminosas e verduras, fornecedores dos 8 aminoácidos essenciais. Os demais são sintetizados pelo organismo, não requerendo sua ingestão direta. Os alimentos de origem vegetal não deixam atrás de si a montanha de excrementos deixada pelos alimentos de origem animal.
Um quilograma de leite não equivale a um quilograma de alimento sólido, pois a parte sólida do leite não passa de 13% a 15% de seu volume total. Mais uma vez, usando-se os 15% de matéria sólida presente em um litro de leite como base de cálculo, sendo o resto dele, 850 ml de água, temos 500 g de cereais e grãos nobres fornecidos à vaca, convertidos em apenas 150 g de alimento sólido, portanto, uma conversão negativa, de mais de 3 para 1, em termos de volume, equivalendo a áreas de terras sendo cultivadas para uma inversão do volume de matéria alimentar que desperdiça comida ao redor do planeta.
A galactocracia, que determinou o conteúdo da dieta ocidental, está influenciando também os padrões orientais e nativos ao redor do planeta. O império do leite só se sustenta porque não arca com os custos da devastação ambiental que sua atividade produz, nem com os custos morais do sofrimento animal, nem com os custos financeiros do tratamento das doenças humanas galactogênicas, quer dizer, associadas ao consumo de leite e laticínios.
Damos milho, soja, sorgo, mandioca, alfafa, cevada e outras matérias alimentares às vacas, para extrair de seu úbere, de cada 1.000 ml, 150 ml de matéria sólida, gordura e proteínas que poderiam ser obtidas digerindo-se diretamente os cereais e grãos dados a elas. Esse sistema insensato de conversão proteica move mais de 20 bilhões de reais por ano no Brasil, contabilizando-se apenas a venda de leite feita diretamente pelos extratores, e outros 20 bilhões na compra e venda dos insumos e maquinário para as instalações e processamento do leite. Nesse cômputo não entraram as vendas dos produtos laticínios no atacado e no varejo.
Segundo Leovegildo Lopes de Matos, os animais alimentados na Europa consomem a produção agrícola de cereais cultivados no terceiro mundo, equivalente a sete vezes a área da Europa Ocidental [Apud Felipe, Galactolatria, p. 72]. Conforme o autor, o
[…] Reino Unido tem dois ‘hectares fantasmas’ [termo usado para designar o cultivo de cereais para alimentar animais em terras onde esses animais não vivem] para cada hectare cultivado pelos seus fazendeiros, e a Holanda cultiva 2 milhões de hectares, mas importa produtos de 15 a 16 milhões de hectares para alimentar seu povo e seus animais. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 72].
O USDepartment of Agriculture – USDA [Departamento de Agricultura dos Estados Unidos] estima o consumo médio de cada indivíduo, naquele país, somando-se queijos, iogurte e manteiga, em torno de 300 kg de laticínios sólidos por ano [Apud Felipe, Galactolatria, p. 72]. Estimando-se o leite embutido nesses 300 kg de iogurte, queijo e manteiga, em 2.000 litros, e usando-se a média norte-americana, citada por Schmid, de 12 kg de excrementos para cada litro de leite, o consumo de laticínios sólidos de cada americano representa 24 toneladas de excrementos, por ano, deixados no planeta. Com tal consumo, só a população estadunidense lança anualmente sobre o planeta um montante de sete bilhões de toneladas de dejetos bovinos, originadas do consumo de leite. Ao longo da vida de um único consumidor, quanto isso representa, em termos de sofrimento das vacas e vitelos, devastação das florestas para cultivo dos grãos e cereais fornecidos a elas, acúmulo de dejetos e emissão de gás metano na atmosfera?
Caso o mesmo indivíduo consuma essa quantidade de laticínios por 50 anos, o montante sobe de 24 toneladas anuais para 1.200 toneladas em meio século de consumo de laticínios. Se multiplicarmos 1.200 t por 300 milhões de indivíduos, no tempo de vida deles, terão deixado atrás de si a montanha de 360 bilhões de toneladas de dejetos de vacas lactantes, sobre o planeta, por conta de sua galactomania. Não dá para crer que a produção de um alimento que produz tanta sujeira seja benéfica para o planeta e seu consumo benéfico para a saúde humana.
Na conversão da proteína dos grãos, cereais e leguminosas em proteína de leite, o sistema digestório e metabólico das vacas dá sumiço em 78% da proteína vegetal ingerida. Os humanos podem digerir muito bem a proteína vegetal, poupando dor e sofrimento às vacas, usadas como máquinas digestórias para esse fim. Se a questão é a abolição da fome no mundo, é absolutamente irracional fornecer 100 g de proteína vegetal para a vaca, sabendo-se que seu leite devolve apenas 22 g de toda aquela proteína [Apud Felipe, Galactolatria, p. 73].
Por outro lado, é preciso tomar consciência da extensão do planeta usada para cultivo de grãos, cereais e leguminosas destinados à alimentar as vacas. Segundo Mason e Singer, 70% do milho produzido nos Estados Unidos, 94% da aveia, 52% de cevada, 74% do sorgo e mais de 90% da soja não exportada, são destinados à alimentação dos animais [Apud Felipe, Galactolatria, p. 73]. Antecipando a convicção de Singer e Mason, já em 1976, Shurtleff e Oayagi haviam alertado:
[…] esse sistema de desperdício transforma a abundância do planeta em escassez. Além disso, o estilo americano de dieta abastada surge como a principal causa da fome no mundo e das doenças degenerativas, tais quais as do coração, câncer, diabetes e obesidade. [Apud Felipe, Galactolatria, p. 73].
Dada à ineficiência na conversão da proteína vegetal pelos animais, e dado que o organismo humano está apto para digerir esses alimentos e aproveitar suas gorduras, proteínas, açúcar, cálcio e vitaminas em proporções maiores, não é possível continuar a defender a produção de animais para alimentar humanos, a menos que não se queira resolver o problema da fome no mundo, ou que se queira devastar o planeta com os gases e excrementos dos ruminantes forçados à dieta baseada em cereais, cultivados à custa da devastação das florestas nativas que asseguravam a biodiversidade sobre a crosta terrestre.
Se obedecêssemos à FAO e ingeríssemos, por ano (descontando-se os dois primeiros anos de vida, quando o bebê se alimenta de leite materno e consome menos leite bovino), os litros de leite estipulados por ela como desejáveis (146 até os 10 anos; 256 dos 10 aos 20 anos; e 219 dos 20 anos em diante) [Apud Felipe, Galactolatria, p. 73], e considerando a média de vida da população brasileira, estimada pelo IBGE em 73 anos de idade, cada brasileiro teria que ingerir ao longo de sua vida 15.335 litros de leite.
No Brasil, cada litro de leite deixa para trás de 10 a 20 kg de excrementos. Tomemos a proporção mínima, de 10 kg de dejetos para cada litro de leite, para que possamos fazer um cálculo aproximado do que esse consumo representa em nosso país. Ao longo da nossa vida, deixaríamos um montante de aproximadamente 153 toneladas de excrementos bovinos, trazidos para a superfície do planeta por conta da nossa compulsão por laticínios, nossa galactomania estimulada pela FAO e ditada pelo agronegócio estadunidense. Uma população de 200 milhões responderia por 30 trilhões de toneladas de dejetos de vacas lactantes, no período de sua existência.
Há injustiça, imperceptível mesmo ao “olho que vê” (Jorge Amado), do consumidor galactômano, entre consumidores de produtos lácteos, carne e ovos, em centros urbanos, onde nada disso é cultivado, e trabalhadores das regiões produtoras, obrigados a arcarem com o manejo das doenças e do sofrimento dos animais, a devastação das florestas para virarem lavouras de monocultura de grãos e cereais e a devastação ambiental causada pelos excrementos e pela emissão de gás metano e o abate e corte dos animais na esteira da produção industrial [Ver o documentário Carne Osso].
A mesma injustiça existe entre os países produtores e exportadores de leite e laticínios e os países importadores, desobrigados de cheirarem os resíduos líquidos e sólidos das vacas, de administrarem a montanha de excrementos, de consumirem suas reservas de água potável no processamento de laticínios e na manutenção das vacas e instalações, de emitirem gás metano para a atmosfera, e de lesarem trabalhadores nas esteiras da produção. Nos países produtores de leite e laticínios, os trabalhadores rurais arcam com os males decorrentes desse tipo de exploração dos animais, que acabam por afetar sua saúde também. Quem importa o leite e seus derivados não importa os excrementos nem cede a água e o alimento dado às vacas, apenas recebe o líquido branco embalado e pasteurizado. Nenhum importador ou consumidor de leite é convocado a defrontar-se com a imundície que esse alimento deixa atrás de si no processo de extração e produção. Ninguém é desafiado a avaliar e a julgar, sob a perspectiva ética e econômica, seu próprio consumo. Os dados ficam bem guardados, a salvo das vistas e da consciência dos galactômanos. Quando se fala do leite na mídia, é sempre relacionado a algum escândalo de adulteração do leite, como se todo o leite vendido já não houvesse sido suficientemente adulterado pelo manejo ao qual são submetidas as vacas.
Dados referentes ao ano de 1994 indicavam que o rebanho bovino feminino usado para extração de leite contribuía para gerar 13,5% de gás metano, no Brasil. Segundo o Primeiro Inventário de Emissões Antrópicas de Gases de Efeito Estufa, o total estimado de emissões, em 1995, foi de 1.288,15 Gg. Em 1986, a estimativa era de 1.087,75 Gg. As emissões de metano por todos os animais que produzem fermentação entérica (bovinos, bubalinos, ovinos, caprinos, equinos, muares, asininos e suínos), perfizeram em 1995 o total de 9.551,80 Gg, enquanto em 1986 elas eram de 7.914,75 Gg, um aumento de 17% nas emissões [Apud Felipe, Galactolatria, p. 75].
Com tais estimativas, podemos ter uma ideia do que escorre invisível do leite e laticínios consumidos. Aquela torta maravilhosa, o sorvete delicioso, a pizza quatro queijos irresistível, os legumes refogados na manteiga ou no ghee e tantas outras comidas das quais os galactólatras não querem abrir mão, são fonte de imensa devastação ambiental, silenciada publicamente. Está na hora de sair da zona confortável da inocência. Alimentos de origem animal estão no topo da hierarquia poluente. Seus consumidores também.
Uma lagoa de excrementos inunda as refeições de pelo menos dois bilhões de humanos ao redor do planeta, consumidores rotineiros de leite e derivados. Mas a última coisa que a propaganda laticínica admite mostrar aos comedores é justamente a montanha de excrementos que a fissura por laticínios produz. Em vez disso, falar de excrementos é tido como de mau gosto. A galactomania (adicção ao leite) faz-se acompanhar da coprofobia (aversão ao excremento). Temos certa urgência em vencer as duas formas de sustentação ideológica desse sistema que está a levar o planeta à ruína, a espalhar a fome ao redor do mundo, a tirar a saúde dos animais e a destruir a saúde e a longevidade de muitos humanos.
Seria o consumo de leite e de laticínios tão elevado, se fosse baixada uma lei ordenando que o consumidor, ao comprar o litro de leite, a manteiga, o ghee, o iogurte, o sorvete, a torta, levasse para sua casa um contêiner com os excrementos equivalentes ao consumo desses produtos? Prevendo a impossibilidade de o cidadão armazenar tantas toneladas de excremento em casa, a proposta pode ser melhor formulada: ao comprar 1 litro de leite ou de manteiga, o cidadão pagaria uma taxa equivalente para que o produtor administre esse excremento lá onde o leite é extraído. Com a elevação do preço, o consumo de produtos lácteos seria drasticamente reduzido. O planeta seria poupado. As vacas não seriam mais forçadas a darem leite vinte vezes acima do que sua capacidade fisiológica suporta. Os galactômanos ficariam mais saudáveis. Cada consumidor desassinaria o contrato de consumo de um produto com tal envergadura excremental e gasosa, nefasto para o meio ambiente e, com isso, desassinaria também o contrato galactômano que o torna coautor do sofrimento das vacas e vitelos. Mas, daí, as farmácias venderiam menos remédios.
Todos tremem de medo frente à possibilidade de o planeta nos sacudir para fora dele com terremotos, tsunamis, ciclones, vulcões, desabamentos, avalanches de lama, inundações e secas. Mas, ao sentar-se à mesa, ninguém dá a mínima importância para o gás metano, expelido pelas vacas na cadeia produtiva do leite e dos laticínios servidos em seu prato, devastadores da camada de ozônio.
A sede do leite
Conforme já referido nesta sessão, o leite é um grande consumidor de água potável. Segundo Acácio Sânzio de Brito e colaboradores, uma “vaca em lactação consome 62,5 litros diários de água; vacas e novilhas no final da gestação, 50,9 litros; vacas secas e novilhas gestantes, 45,0; novilhas em idade de inseminação, 48,8 litros; fêmeas desmamadas até a inseminação, 29,8 litros; bezerros lactantes em baias, 1,0 litro; e bezerros lactantes (a pasto), 11,2 litros” por dia [Apud Felipe, Galactolatria, p. 77]. Mas, conforme alertam os autores, as “necessidades diárias de água variam de acordo com a espécie e o tipo de exploração. […] Vacas leiteiras, de 38 a 110 litros. Vacas em lactação, até 140 litros” por dia [Apud Felipe, Galactolatria, p. 77].
Segundo a Embrapa, “as vacas consomem 8,5 litros de água para cada litro de leite produzido. Quando a temperatura ambiente se eleva, nos meses de verão, o consumo de água aumenta substancialmente.” [Apud Felipe, Galactolatria, p. 77]. É bom lembrar que, quanto mais água ingerida, maior o volume de excrementos acumulados, pois as fezes e a urina ficam misturadas ao serem excretadas.
A vaca precisa ingerir até 8.500 ml de água para cada litro de leite extraído dela. Este litro de leite extraído conterá 850 ml de água. Analogamente ao que acontece ao alimento dado a elas, cuja conversão de proteína vegetal em animal é baixíssima, o mesmo acontece com a água, cuja conversão em leite é da ordem de 10 para 1, em média. As pessoas podem não beber muita água, mas se consomem laticínios consomem indiretamente imensa quantidade dela. Esse desperdício de água potável estagna no “ponto cego moral” do consumidor.
Em 2008 foram extraídos ao redor do mundo 578.450.488.000 litros de leite de vaca [Apud Felipe, Galactolatria, p. 77]. Se, para cada litro de leite extraído, foram bebidos 8,5 litros de água potável, segundo dados da Embrapa, a produção láctea consumiu do planeta aproximadamente 5 trilhões de litros de água. Dividido esse volume por 365, temos um consumo de 13,7 milhões de litros de água por dia, o que daria para hidratar 7 bilhões e meio de humanos. O leite bebe toda essa água, sozinho.
Portanto, se há escassez de água potável para consumo humano onde há criação de vacas para extração de leite, tal escassez se deve à galactomania. O rebanho brasileiro, de quase vinte e cinco milhões de vacas lactantes, por exemplo, consome pelo menos dois bilhões de litros de água potável por dia. Isso equivale ao consumo de um bilhão de humanos ingerindo 2 litros diários.
A população humana brasileira é de 200 milhões de indivíduos. As vacas bebem a água que daria para saciar a sede de cinco vezes essa população. Estamos falando apenas da água bebida, não da água necessária para a higiene das vacas e limpeza das instalações em geral. Consequentemente, esses dois bilhões de litros de água serão generosamente devolvidos pela vaca na forma de urina, a cada dia. Quem administra esse líquido malcheiroso? O solo, os rios, o ar e as águas do planeta, que não evoluíram para beber urina. A acidez mata os oceanos, os lagos, as lagoas e os rios. A extração e consumo do leite animal é um projeto biocida.
O California Farm Bureau Federation estima que, “se for considerada a necessidade de água de toda produção e processamento”, 250 ml de leite gastaram 217 litros de água [Apud Felipe, Galactolatria, p. 77], o equivalente a 868 litros de água para cada litro de leite vendido no varejo. Esse volume inclui as águas usadas ao longo de toda cadeia produtiva do leite: consumo individual de cada vaca, água usada para higienizar as instalações onde elas são confinadas para a extração do leite, água usada nas instalações onde o leite é processado e empacotado. Se esses números têm algum sentido, então, ao consumir qualquer laticínio, o galactômano está consumindo:
Tipo laticínio 1 kg |
Água dada às vacas litros 8,5 litros por litro de leite |
Litros de leite necessários |
Grãos e cereais 0,5 kg por litro de leite |
Forragem 2 kg por litro de leite |
Água todo processo 868 litros por litro de leite |
Ghee |
510 |
60 |
30 |
120 |
52.080 |
Manteiga |
357 |
42 |
21 |
84 |
36.456 |
Sorvete |
204 |
24 |
12 |
48 |
20.832 |
Leite pó desnat. |
187 |
22 |
11 |
44 |
19.096 |
Leite pó integr. |
127 |
15 |
7,5 |
30 |
13.020 |
Queijo |
85 a 102 |
10 a 12 |
5 a 6 |
20 a 24 |
8.680 a 10.416 |
Calculemos 300 kg de laticínios consumidos pelo indivíduo estadunidense ao ano, estimando que esses laticínios sólidos contêm 2.000 litros de leite. Se para cada litro de leite produzido 868 litros de água foram gastos, então, além da água consumida diretamente, cada galactômano consome outros 1.736.000 litros de água anualmente. Em 2008, por sua vez, a média do consumo de água do brasileiro galactômano ficou em 119.784 litros de água, escondida nos 138 litros de leite consumidos. Multiplicando-se esse número por 200 milhões, chegamos ao volume aproximado de 24 trilhões de litros de água, gastos no processamento do leite e dos laticínios.
Se calcularmos o consumo de água embutida nos laticínios consumidos em uma cidade com 450 mil habitantes, a uma média de 138 litros de leite por ano, cada cidadão consumiu 1.173 litros de água (dada à vaca) e 119.784 litros de água usados no processamento dos laticínios ingeridos. Somando-se então o total de habitantes desta cidade de Florianópolis, por exemplo, damos às vacas a cada ano 527.850 milhões de litros de água, e desperdiçamos no processamento dos laticínios consumidos nesta cidade o equivalente a 53,902 bilhões de litros de água. Cada um pode calcular o que sua cidade consome de água escondida no consumo de laticínios, do seguinte modo: tome 138 litros de leite por pessoa, por ano, multiplique por 8,5 litros de água. Esse é o consumo de água por pessoa, escondida nos laticínios que ela consume por ano. Multiplique os 138 litros de leite por 868 litros de água, usada no processamento dos laticínios. Feitos esses dois cálculos preliminares, basta agora multiplicar cada um deles pelo número de habitantes de sua cidade e terá o montante de água gasta na dieta galactômana de seus conterrâneos.
Conforme alerta Keon, um “exército numeroso de vacas requer um grande negócio de comida para produzir tanto leite”. Seguindo o raciocínio, chegamos às regiões do planeta desflorestadas para cultivo dos grãos e cereais usados para alimentar esse gado. Ainda há humanos penando de fome e desnutrição. Enquanto isso, as terras férteis do planeta “não estão disponíveis para o cultivo de alimentos para [eles], porque são usadas no cultivo de alimentos para vacas.” [Keon, Apud Felipe, Galactolatria, p. 78].
Não há falta de alimentos no mundo. Mas, pelo processo de animalização do alimento humano, há um desvio imenso de proteínas e calorias para o organismo de animais, mortos para virar alimento rotineiro na dieta de apenas ¼ da população humana mundial. O consumo de carnes e leite é uma das marcas da desigualdade entre os humanos, além de marcar a absoluta desigualdade de direitos entre esses e os não-humanos. Países que exportam carnes e leite empacotam neles água, cereais, leguminosas, forragens, solo e ar. Contudo, nos navios que partem levando a matéria morta, ou a secreção mamária das fêmeas bovinas, não são despachados os excrementos equivalentes àquela exportação.
Assim, ficamos com os excrementos, a terra devastada, os rios a escoarem dejetos, o ar pestilento e as lesões cancerígenas na pele, causadas pela penetração dos raios solares ultravioletas alfa e beta através da camada de ozônio cada vez mais tênue, destruída pela emissão do gás metano produzido pelo consumo de laticínios. Os grãos e cereais ricos em proteínas não são dados de comer aos humanos e sim às vacas. Os importadores, obviamente, importam-se apenas em adquirir as carnes, queijos e leite, não os excrementos. Os empresários, por sua vez, embolsam os subsídios e os lucros, mas não pagam pelo sofrimento que causam às vacas e vitelos, nem pela devastação das águas, do solo e do ar. O consumidor, ao pagar menos de dois reais pelo litro de leite, ou menos de 10 reais pelo kg de queijo, não paga o custo real dessas matérias animalizadas que compõem sua dieta. Dessa trama rígida não nos libertaremos enquanto mantivermos os padrões dietéticos onívoros galactômanos atuais.
Podemos nos perguntar: como é possível que a real natureza de um alimento que, para ser produzido, consome quase 70% dos cereais nobres cultivados no mundo, dejeta excrementos e resíduos em tal magnitude, emite gás metano e consome toda essa água, permaneça invisível e, portanto, fora de nossa consciência? Como é que se forma o ponto cego moral em nossa mente, que não nos permite ver o que comemos? Trataremos desse assunto na sessão 7.
O “olho que não vê”, afinal, está olhando para onde? Somos o tipo de animal que se autoproclama privilegiado por possuir racionalidade. Essa não se resume à habilidade (embora a inclua), de fazer cálculos e avaliar a diferença entre o benéfico e o maléfico. Duvidar dos números acima seria uma razão para explicar como é que continuamos a consumir leite e derivados, se esse consumo, desnecessário para nossa saúde, tem tais implicações, tanto do ponto de vista do sofrimento animal, quanto do ponto de vista da devastação alimentar, hídrica e ambiental. Esses números, ainda que sejam apenas estimativas, não apontam para mais, e, sim, para menos, porque ainda não se tem um registro minucioso dos custos morais e ambientais da produção de leite. Se os tivéssemos, os números com certeza subiriam.
Mas, em vez de julgar que perdemos de vez toda decência, ou que nossa consciência é perversa, é bom tomar ciência de que o consumo de leite e laticínios deve-se à maciça propaganda medicinal feita nos meios de comunicação, jornais, revistas e livros de nutrição, cuja influência sobre o consumidor não pode ser subestimada. Para obstruir o sentido da visão de uma pessoa, basta incidir um raio de luz em sua retina. Enquanto fita a luz, ela perde a visão. A propaganda medicinal do leite faz mais ou menos a mesma coisa com os galactômanos: mantêm-nos fitando “os benefícios do leite”, principalmente o alto teor do cálcio, que de fato não é nem um pouco benéfico, conforme veremos nas sessões 5 e 6. Ao fixarem o olhar no ponto que os estimula, os consumidores não podem ver o que a produção de leite representa para o futuro de sua saúde e do planeta, nem o quanto já destruiu a saúde e o bem próprio das vacas.
A propaganda assedia os comedores já configurados como galactômanos, forjando em suas mentes o ponto cego cognitivo e moral que não permite que os dados expostos acima possam alcançar os neurônios responsáveis pelas escolhas alimentares. O comedor galactólatra continua a servir-se da mesma comida que lhe foi oferecida pela mãe, a empregada, a escola, a lanchonete, o restaurante, proclamada na televisão como saudável, sem efeitos colaterais. Todas essas fontes que influenciam o galactômano omitem o lastro excremental do leite e seus derivados. Por isso, o consumidor crê que tais escolhas são suas. Elas são escolhas cegas, não suas.
Até o presente, não há um trabalho científico sequer, atual, mostrando que os nutrientes em nome dos quais o leite é idolatrado não podem ser encontrados em nenhum alimento de origem vegetal, com exceção da vitamina B12. Mas, segundo o médico nutrólogo Dr. Eric Slywitch, sua deficiência afeta hoje em torno de 53% da população brasileira, que, bem o sabemos, não é constituída majoritariamente de veganos [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 81]. Se todo mundo consome laticínios e ainda assim sofre da deficiência da B12 em maior percentagem do que a deficiência dessa vitamina entre os veganos, que estão conscientes da necessidade de sua reposição, isso desqualifica os laticínios como fonte segura de reposição da B12 no organismo humano. Os livros de nutrição, escritos por profissionais médicos, especializados em alimentação vegana, estão aí, afirmando justamente que os nutrientes mais conhecidos do leite (açúcar, gordura, proteína, cálcio) são bem assimilados pelo organismo humano quando ingeridos diretamente das fontes vegetais [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 81].
[Para citar passagens deste texto use a referência completa disponível no rodapé. Obrigada]
FELIPE, Sônia T. Devastação alimentar e ambiental. Palestra apresentada no Curso de Extensão: Implicações éticas, ambientais e nutricionais do consumo de leite bovino – uma abordagem crítica. Florianópolis: UFSC, Auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 17 de maio de 2013, das 18:45 às 21:30. 22 p.
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