Discriminações interespecíficas e intraespecíficas: por que a comparação precisa ser feita

Discriminações interespecíficas e intraespecíficas: por que a comparação precisa ser feita

Luciano Carlos Cunha1

Este artigo foi publicado originalmente na revista Synesis, e deve ser citado como CUNHA, L. C. Discriminações interespecíficas e intraespecíficas: por que a comparação precisa ser feita. Synesis, v. 13, n. 2, p. 148-173, ago/dez 2021. Disponível em: http://seer.ucp.br/seer/index.php/synesis/article/view/2080/3230.

Resumo: O especismo pode ser definido como a discriminação contra quem não pertence a determinada(s) espécie(s). Frequentemente, objeta-se comparar o especismo com discriminações que afetam humanos, como o racismo, o sexismo e o capacitismo. Também são frequentes as objeções à comparação entre as consequências do especismo (por exemplo, a exploração sobre os animais não humanos) com as consequências de discriminações sobre humanos (como a escravidão humana ou o holocausto). Neste artigo discuto três tipos de objeções a essas comparações: (a) a de que elas não deveriam ser feitas porque algumas pessoas poderiam se ofender com elas; (b) a de que os casos comparados não são análogos e; (c) a de que essas comparações poderiam ser contraproducentes no combate ao especismo. Defenderei que: (a) não existem boas razões para alguém se sentir ofendido com tais comparações; (b) os casos comparados são análogos e que; (c) essas comparações são essenciais não apenas para se explicar o que é o especismo, mas para combatê-lo, bem como para se combater outras formas de discriminação.

Palavras-chave: Especismo. Discriminação. Princípio da Igual Consideração.

1. Introdução

Frequentemente, objeta-se a comparar a discriminação contra os animais não humanos com discriminações que afetam humanos. Em outras vezes, objeta-se a comparar as consequências dessas formas de discriminação (como utilizar os termos “escravidão animal” e “holocausto animal”). Por exemplo, Cohen (1986, p. 867), Francis & Norman (1978, p. 527) e Watson (1992, p. 119) consideram essas comparações ofensivas aos humanos.

Tais comparações recebem três tipos principais de crítica: (a) a alegação de que elas não deveriam ser feitas em respeito aos que se ofenderiam com elas; (b) a alegação de que os casos comparados não são análogos e; (c) a alegação de que elas podem ser contraproducentes na defesa dos animais. Neste artigo defenderei que: (a) não existem boas razões para alguém se sentir ofendido com tais comparações; (b) esses casos são análogos e que; (c) essas comparações são essenciais não apenas para se explicar a discriminação sobre os animais não humanos, mas para combatê-la, bem como para se explicar a noção de discriminação em geral e para se combater outras formas de discriminação.

O artigo seguirá o seguinte roteiro. O item 2 apresenta definições das noções de discriminação e de tratamento injusto, bem como detalha o princípio da igual consideração. O item 3 apresenta o conceito de especismo. O item 4 discute algumas das principais defesas do antropocentrismo. O item 5 lista as comparações que são por vezes tomadas como ofensivas. O item 6 discute se o fato de haver quem se ofenda com tais comparações é suficiente para se concluir que elas não deveriam ser feitas e/ou que são inadequadas. O item 7 discute a alegação de que tais comparações são ofensivas porque há humanos que já foram comparados a animais não humanos pejorativamente. O item 8 discute a alegação de que as comparações não são adequadas porque os casos comparados não são exatamente iguais. O item 9 discute a alegação de que os termos “escravidão” e “holocausto” não deveriam ser utilizados em referência à exploração animal porque esses não seriam os sentidos originais desses termos. O item 10 discute a afirmação de que tais comparações são inadequadas porque seres mais racionais seriam, alegadamente, capazes de sofrer em maior grau. O item 11 defende que há dois aspectos em que os casos comparados são realmente distintos, mas que isso não torna a analogia inadequada. O item 12 discute se fazer tais comparações poderia ser estrategicamente contraproducente na defesa dos animais não humanos. O item 13 apresenta as conclusões.

2. Discriminação, tratamento injusto e princípio da igual consideração

Neste item serão definidos alguns dos conceitos centrais utilizados neste artigo. Existe uma discussão sobre qual a definição mais adequada desses conceitos que, por questões de espaço, não será abordada aqui. As definições adotadas, contudo, são amplamente utilizadas nesse debate e, mesmo que haja alguma disputa sobre elas, o presente item visa apenas esclarecer como os conceitos centrais abordados no artigo serão utilizados.

Comecemos pela noção de discriminação. Discriminar contra alguém é desfavorecê-lo injustamente2. Assim, uma discriminação acontece não diante de todo e qualquer tratamento desfavorável mas, quando esse tratamento desfavorável é injusto.

Dada essa definição, a próxima pergunta importante é: sob quais condições alguém é desfavorecido injustamente? Adotarei aqui o seguinte critério: alguém recebe um tratamento desfavorável injusto quando é desfavorecido de modo tendencioso, e isso acontece quando a decisão que o prejudica viola o princípio da igual consideração. Vejamos:

O termo princípio da igual consideração fará referência ao princípio que afirma que o que deveria importar em nossas deliberações morais é a magnitude dos prejuízos/benefícios em questão, e não sobre quem esses prejuízos/benefícios recairão (SINGER, 2002, p. 30). Por exemplo, se afirmo que diante da escolha entre favorecer A ou B, devo favorecer A porque ele seria mais prejudicado caso não fosse favorecido, então, isso implica que, se em outra situação for B quem seria mais prejudicado se não fosse favorecido, então eu deveria favorecer B. Caso eu continue a favorecer A no segundo caso hipotético, estarei sendo tendencioso a favor de A e, portanto, estarei discriminando contra B.

É possível existirem exceções justificadas a essa conclusão? Por exemplo, imaginemos outra situação onde A está mais ferido do que B, mas isso aconteceu porque A tentou assassinar B, que é inocente (por descuido, A caiu de uma janela alta ao tentar matar B). Suponhamos que concordemos que, nesse caso, mesmo B estando menos ferido, devemos priorizar ajudá-lo. Ao contrário do que poderia parecer inicialmente, a justificativa para essa exceção não viola o princípio da igual consideração: pelo contrário, depende de tal princípio. Isso é assim porque a exceção é justificada justamente porque a ação de A violou anteriormente o princípio da igual consideração. Além disso, essa exceção está sujeita ao princípio da igual consideração: se fosse B quem estivesse mais ferido por tentar matar A nas mesmas condições, seria justificável priorizar atender A, e assim por diante.

Outro caso que poderia parecer à primeira vista como uma exceção ao princípio da igual consideração mas que é, na verdade, uma aplicação do mesmo, é o seguinte: imaginemos que A está levemente mais ferido do que B (agora, ambos inocentes) e que, com uma mesma quantidade de recursos conseguiríamos, ou para melhorar muito pouco a situação de A, ou melhorar significativamente a situação de B. Caso alguém escolha melhorar a situação de B porque possui a meta “causar o maior bem possível”, isso é compatível com o princípio da igual consideração, pois tudo o que o princípio exige é que, se a possibilidade de causar o maior bem possível fosse ajudando A, então é A quem deveria ser ajudado. Curiosamente, o princípio também é compatível com a meta de sempre priorizar ajudar quem está pior, mesmo que com isso o bem produzido seja menor. Se alguém tem essa meta, em nosso exemplo ajudará o indivíduo A. Novamente, tudo o que o princípio prescreverá é que, se fosse B quem estivesse mais gravemente ferido, é ele quem deveria ser ajudado. Ou seja, o princípio da igual consideração é um princípio formal (e não, substancial): ele não determina uma meta específica a ser adotada; determina apenas que, seja lá qual meta for adotada, não há justificativa para se dar um peso distinto ao bem de cada indivíduo afetado pela decisão3.

Existem duas maneiras básicas pelas quais o princípio da igual consideração é violado. A primeira é quando prejuízos/benefícios de magnitude similar em indivíduos distintos recebem peso distinto. Por exemplo, se afirmo que o sofrimento de -50 de A gera razões de determinada força para ser aliviado e que o sofrimento de -50 de B gera razões mais fracas para ser aliviado, então estou discriminando contra B, pois estou agindo tendenciosamente a favor de A. Já a segunda é uma forma mais “escancarada” de violação do princípio: quando prioriza-se o nível de prejuízo/benefício menor. Por exemplo, imaginemos que tenho de escolher, ou uma situação onde A recebe um dano de -2, ou uma situação onde B recebe um dano de -50. Se dou maior importância ao dano menor que A receberia, então estou a discriminar contra B, pois então estou a desfavorecê-lo tendenciosamente.

A forma mais conhecida de discriminação é o racismo. O racismo acontece quando membros de determinada(s) raça(s) são desfavorecidos injustamente, isto é, quando os prejuízos/benefícios aos quais estariam sujeitos recebem um peso menor, em comparação a níveis de prejuízos/benefícios similares em membros de outras raças (ou, em casos mais “escancarados”, quando recebem um peso menor mesmo em comparação a níveis de prejuízos/benefícios menores em membros de outras raças).

Assim sendo, o que torna determinado tratamento uma forma de discriminação é ser uma violação do princípio da igual consideração. O que distingue uma forma de discriminação da outra é o critério utilizado para agrupar aqueles que sofreriam a discriminação. Por exemplo, o racismo é baseado no critério da raça, enquanto o sexismo é baseado no critério do gênero ou sexo; o idadismo no critério da idade; o especismo no critério da espécie e assim por diante. Contudo, todas as formas de discriminação são análogas no sentido de serem igualmente violações do princípio da igual consideração4.

3. Especismo e práticas especistas

A partir da década de 1970, na filosofia moral, vários autores começaram a defender que os animais não humanos sofreriam uma discriminação análoga ao racismo, denominada de especismo5. O especismo pode ser definido como o tratamento desfavorável injusto contra quem não pertence a determinada(s) espécie(s) (ALBERSMEIER, 2021, p. 5; HORTA, 2010, p. 244;. HORTA & ALBERSMEIER, 2020, p.3). A forma mais comum de especismo é o especismo antropocêntrico, que desfavorece tendenciosamente quem não é membro da espécie humana. O especismo antropocêntrico acontece quando prejuízos/benefícios em animais não humanos recebem menor importância, em comparação a prejuízos/benefícios de magnitude similar em humanos, ou quando recebem menor importância mesmo em comparação a prejuízos/benefícios menores em humanos.

Por exemplo, o uso de um animal em uma tourada é um caso claro onde o prejuízo maior sobre o animal não humano recebe um peso menor do que prejuízos menores sobre os humanos uma vez que, se a tourada é realizada, o animal não humano recebe um sofrimento intenso e perde a vida e, se a mesma não é realizada, os humanos continuam com um nível de bem-estar acima daquele que o animal não humano ficaria se a tourada fosse realizada.

Ao contrário do que poderia parecer inicialmente, o uso de animais na alimentação também é, geralmente, um exemplo de caso onde o prejuízo maior recebe um peso menor: se os humanos consomem os animais, estes perdem a vida (e, no sistema moderno intensivo de criação, também sofrem intensamente desde o momento do nascimento até o momento da morte6); se os humanos não consomem os animais e possuem opção de comida vegetal, ficam em uma situação melhor do que ficariam os animais se fossem consumidos.

Apesar de a imensa maioria dos casos de especismo envolver priorizar os interesses humanos mesmo quando os animais não humanos seriam claramente mais prejudicados, dada a definição de discriminação como violação do princípio da igual consideração, o especismo também acontece quando os prejuízos/benefícios sobre os animais não humanos recebem um peso menor, em comparação a prejuízos/benefícios de magnitude similar em humanos. Assim, uma maneira simples de testar se uma atitude que afeta animais não humanos é especista é imaginar se ela seria aceitável se causasse um nível de prejuízo similar em um humano. Nesse sentido, a exploração animal (seja lá se visar fomentar interesses menores humanos ou interesses similares) é especista, uma vez que não seria considerado aceitável causar danos similares a humanos. Contudo, as práticas especistas vão além da exploração animal. Por exemplo, se alguém mantém que não deveríamos ajudar um animal não humano que está a sofrer por causa da fome, mas que deveríamos ajudar um humano se estivesse a sofrer de fome em intensidade similar, então esse alguém está a desfavorecer tendenciosamente o animal não humano e, portanto, está a ser especista7.

4. Modos tradicionais de se defender o antropocentrismo e as respostas a essas defesas

Vários autores tentaram defender que há justificativa para se dar um peso maior (ou mesmo, peso somente) ao bem dos humanos e que, então, o antropocentrismo não seria uma forma de discriminação e, portanto, não seria especismo.

Por vezes, a validade de uma posição antropocêntrica é simplesmente postulada, sem ser oferecido nenhum argumento adicional para defendê-la8. Um exemplo é a afirmação “os humanos importam mais simplesmente porque pertencem à espécie a qual pertencem”. Obviamente, esse raciocínio é circular, pois, o que está em discussão é exatamente se é ou não relevante o pertencimento a determinada espécie para questões de consideração moral. Em outras vezes, o antropocentrismo é defendido alegando-se que os humanos possuem certas características metafísicas9 (por exemplo, possuir uma alma imortal ou serem membros da espécie escolhida por deus). Um problema central com esse tipo de argumento é que apela a critérios cuja verificação de se alguém os cumpre ou não é impossível de ser feita.

Visando evitar esses problemas, vários defensores do antropocentrismo apelam para características empiricamente verificáveis que (supostamente) apenas os humanos (e todos os humanos) possuiriam que (alegadamente) justificariam o antropocentrismo. Por vezes, as características citadas são capacidades10 (racionalidade, agência moral, linguagem, autonomia, senso de justiça, cultura, capacidade de reivindicar e respeitar direitos etc.). Em outras vezes, tomam a forma de relações11 (políticas, de solidariedade mútua, de poder etc.).

Uma resposta a essas defesas do antropocentrismo é o argumento da sobreposição das espécies12. O argumento aponta que, seja lá qual a característica eleita para tentar justificar o antropocentrismo, há humanos que não a possuem (nem na realidade, nem em potencial). Tomemos como exemplo as capacidades cognitivas complexas. Existem humanos que, devido a uma condição específica congênita, jamais desenvolverão tais capacidades ao longo da vida. O argumento da sobreposição das espécies conclui que, se a falta daquelas capacidades ou relações em certos humanos não pode justificar tratá-los pior do que outros humanos (muito menos poderia justificar desconsiderar completamente o seu bem), então, a falta daquelas capacidades ou relações nos animais não humanos tampouco pode justificar tratá-los pior do que os humanos (muito menos poderia justificar desconsiderar completamente o seu bem).

Outra resposta às defesas do antropocentrismo é o argumento da relevância13, que afirma que a razão pela qual devemos levar o bem dos humanos em conta é simplesmente porque são passíveis de serem prejudicados e/ou beneficiados (e não, porque possuem uma série de capacidades ou relações) e que isso implica, então, que temos exatamente as mesmas razões para dar consideração moral a todo e qualquer ser capaz de ser prejudicado e/ou beneficiado, independentemente de espécie. O argumento da relevância defende, assim, que o critério adequado de consideração moral é a senciência, pois ser senciente significa ser capaz de ter experiências que podem ser positivas ou negativas e, portanto, implica em aquele organismo ser alguém (e não, algo), que seria passível de ser prejudicado e/ou beneficiado.

5. Comparações por vezes mal vistas

Considere as seguintes atitudes: (1) afirmar que o especismo é análogo a formas de discriminação que afetam humanos (racismo, sexismo etc.); (2) utilizar, em defesa dos animais não humanos, argumentos que comparam animais não humanos e humanos em suas capacidades cognitivas (como faz o argumento da sobreposição das espécies); (3) sugerir que as práticas especistas são análogas a práticas cujas vítimas são humanas (por exemplo, utilizar as expressões “holocausto animal” e “escravidão animal”).

Essas comparações costumam receber três tipos distintos de crítica: (a) a de que, independentemente de serem ou não comparações adequadas, é moralmente errado fazê-las porque algumas pessoas se sentem ofendidas com elas; (b) a de que as comparações não são adequadas por haver diferenças moralmente relevantes entre os casos comparados e que, (c) mesmo se as comparações forem adequadas, já que algumas pessoas se ofenderiam com elas, os defensores dos animais estariam perdendo aliados em potencial (isto é, ainda que não haja nada de moralmente errado com tais comparações, fazê-las não seria uma boa estratégia).

Nos itens a seguir, serão discutidas várias formas desses três tipos de crítica.

6. Se alguém se ofender com tais comparações, deveria ser proibido fazê-las?

Antes de discutirmos se há algo de equivocado naquelas analogias, é importante separar duas questões. Uma, é se deveria ser permitido fazer aquelas analogias ou não. Outra, é se as analogias são inadequadas e/ou ofensivas. Alguém poderia pensar que a resposta para a primeira pergunta depende da resposta para a segunda. Isto é, poderia pensar que, se uma analogia for inadequada ou ofensiva, então não deveria ser permitido fazê-la. Mas, não há que necessariamente ser assim. Poderia ser defendido que, em uma sociedade democrática, deveria ser permitido expressar ideias inadequadas ou tolas (e até mesmo ideias que ofendam) porque só assim haveria a oportunidade de se explicar o que há de errado com essas ideias.

Outra razão importante para permitir expressar ideias que inicialmente parecem inadequadas, tolas ou ofensivas é que, apesar dessa aparência inicial, é possível que essas ideias estejam corretas. Só saberemos se são corretas ou não se for permitido expressá-las. Uma coisa é permitir alguém expressar uma ideia e depois explicar o porquê de a mesma ser equivocada. Outra coisa é tentar impedir alguém de expressar a ideia. É possível que alguém tente impedir que se expresse uma ideia justamente por recear que ela se revele correta.

Assim, independentemente de tais comparações serem equivocadas ou não, parece haver razões de peso para permitir fazê-las. Discutiremos agora se tais comparações são, de fato, equivocadas. Se não forem, temos razões não apenas para permitir fazê-las, mas também para pensar que é importante fazê-las. Uma razão inicial para se pensar que são adequadas é que, como vimos nos itens 2 e 3, o princípio da igual consideração implica que o especismo não apenas é injusto, mas tão injusto quanto qualquer outra forma de discriminação.

Uma objeção a essa conclusão afirma que, como o princípio da igual consideração prescreve levar em conta os interesses de todos os afetados, se alguém se sente ofendido com certa comparação, devemos levar sua preferência em conta e que, portanto, o princípio prescreverá não fazermos tal comparação. Essa é uma maneira completamente equivocada de se entender o princípio da igual consideração. O princípio prescreve dar igual peso a todos os interesses semelhantes. Isso não implica necessariamente atender a todos os interesses considerados. Mesmo levando em conta o prejuízo que alguém teria se certa comparação for feita, isso teria de ser pesado em relação aos prejuízos que teriam lugar para outros indivíduos caso a comparação não seja feita. E, caso fazer a comparação resultar em impedir sofrimento e mortes, certamente o princípio da igual consideração prescreveria fazê-lo, mesmo que isso resulte em algumas pessoas se sentirem ofendidas com a comparação.

Se o mero fato de alguém se sentir ofendido com certa comparação ou crítica fosse suficiente para tornar errado fazê-la, então quase nenhuma comparação ou crítica poderia ser feita, pois quase sempre há quem se sinta ofendido. O fato de alguém se sentir ofendido não implica automaticamente que tenha justificativa para se sentir ofendido. Os racistas e sexistas também se sentem ofendidos com a defesa de que humanos deveriam receber igual consideração independentemente de raça e gênero. Mas, não parece que isso implique que, então, seja errado lutar pela igualdade racial ou de gênero. Se as pessoas pensam diferente no caso da defesa da igual consideração para animais não humanos, isso é simplesmente um caso de especismo, onde um interesse menor de humanos (não ouvir certa comparação) recebe maior peso do que o sofrimento e as vidas dos animais não humanos.

Poderia ser objetado que uma diferença importante é que, no caso da defesa da igualdade para os animais não humanos, quem se sente ofendido pode pertencer a grupos humanos discriminados. Contudo, isso nada diz sobre se essas pessoas têm ou não justificativa para se sentirem ofendidas. Por exemplo, imaginemos que um homem se sinta ofendido com a reivindicação de que as mulheres deveriam receber igual consideração, e que esse homem não só pertença a um grupo discriminado, como ele próprio sofreu discriminação a vida inteira. Não parece que isso torne errado reivindicar que as mulheres recebam igual consideração. Isso sugere, então, que o fato de alguém pertencer ao grupo x ou y, ou o fato de ter sofrido ou não discriminação, não diz nada sobre se tal pessoa tem ou não justificativa para se sentir ofendida com certa afirmação. Assim, o que é crucial é perguntar se há esse tipo de justificativa. A seguir, discutiremos algumas das mais comumente endereçadas.

7. O argumento da comparação pejorativa

Poderia ser argumentado que as vítimas humanas de discriminações são frequentemente comparadas pejorativamente com animais não humanos e que, por isso, essas pessoas têm justificativa para se sentirem ofendidas com a comparação entre especismo e discriminações que afetam humanos. Um problema com esse argumento é que a comparação feita pelos defensores dos animais tem um sentido oposto daquela feita pejorativamente. Aliás, os defensores dos animais estão a explicar o motivo pelo qual não faz sentido tentar diminuir alguém comparando-o com um animal não humano. Geralmente, quem acredita que comparar alguém a um animal não humano é humilhante o faz por acreditar que os animais não humanos são seres inferiores que deveriam receber pouca (ou mesmo nenhuma) consideração. O que os defensores dos animais estão a apontar é que é injusto não apenas excluir os animais não humanos da consideração moral, mas também dar-lhes uma consideração menor. Assim, quando defensores dos animais comparam humanos e não humanos, estão a comparar seres que, em seu entender, devem receber igual consideração. E, claramente, não estão a defender que os humanos recebam uma consideração menor do que já recebem, e sim, que os animais não humanos recebam uma consideração maior do que recebem.

O mesmo tipo de confusão acontece quando alguém se sente ofendido com o argumento da sobreposição das espécies. Algumas pessoas se ofendem porque o argumento afirma que, se a falta de certas capacidades (por exemplo, capacidades cognitivas complexas) em certos humanos não pode justificar tratá-los pior, então, a falta dessas capacidades nos animais não humanos não pode justificar tratá-los pior. Segundo algumas pessoas, isso é ofensivo porque compara humanos que não possuem capacidades cognitivas complexas a animais não humanos, e isso seria rebaixar os humanos. Contudo, a confusão envolvida aqui é não perceber que quem está a rebaixar, junto com os animais não humanos, também os humanos que carecem de capacidades cognitivas complexas, é quem defende que, para alguém ser moralmente considerado, tem de possuir certas capacidades cognitivas complexas. E esse é exatamente o alvo da crítica do argumento da sobreposição das espécies. O que os defensores dos animais propõem não é que os animais não humanos e os humanos que carecem de certas capacidades recebam uma consideração menor do que os humanos que possuem aquelas capacidades. Em vez disso, defendem que todo ser capaz de ser prejudicado e/ou beneficiado deveria receber igual consideração, independentemente de suas capacidades. Portanto, a acusação de que o argumento comparar esses humanos a animais não humanos seria rebaixar os humanos não procede, uma vez que o objetivo do argumento é justamente elevar a consideração dada a ambos, a ponto de que recebam tanta consideração quanto receberiam os humanos que possuem aquelas capacidades.

Sobre a acusação de que fazer essas comparações seria trivializar o sofrimento e as mortes das vítimas humanas, Sztybel (2006, p. 125) observa que geralmente acontece o contrário: algumas pessoas se sentirem ofendidas com a comparação porque trivializam o sofrimento e as mortes dos animais não humanos. Isto é, a explicação principal para algumas pessoas se sentirem ofendidas é o próprio especismo. Assim, Sztybel (2006, p. 130) defende que a comparação pode ajudar a enfatizar a gravidade de nossa opressão sobre os animais.

8. O argumento de que as discriminações não são exatamente iguais

Outro argumento defende que a justificativa para se sentir ofendido com analogias entre a discriminação sobre os animais não humanos e discriminações sobre os humanos é simplesmente o fato de cada discriminação não ser exatamente igual à outra, nem suas consequências. Contudo, mesmo que isso seja verdade, é insuficiente para se concluir que há justificativa para se sentir ofendido com tais analogias. Afinal de contas, se as distintas discriminações e suas consequências fossem exatamente iguais, não seria necessária nenhuma analogia. A analogia é necessária justamente porque elas mantêm elementos em comum, ainda que possuam diferenças (por exemplo, todas elas são violações do princípio da igual consideração, ainda que afetem indivíduos que são membros de grupos distintos). Para uma analogia ser adequada, os casos comparados não precisam de ser iguais. Aliás, não podem ser iguais. Do contrário, não seria uma analogia, e sim, um relato de repetição de caso.

Além disso, para alguém se sentir ofendido com determinada comparação entre discriminações, é necessário pensar que os casos comparados não são igualmente graves. Se alguém pensasse que os casos são igualmente graves, mas que não são suficientemente semelhantes para fazer sentido a analogia, poderia considerar a analogia fraca, mas não faria sentido se ofender com ela. As pessoas se sentem ofendidas se são comparadas a seres que elas próprias consideram inferiores. Contudo, uma vez que o objetivo da analogia é justamente explicar por que esses seres devem receber igual consideração (e não são, portanto, inferiores), então não há justificativa para se sentir ofendido com a comparação. Aliás, o fato de existirem pessoas que se sentem ofendidas com a comparação é uma oportunidade para se explicar o que é o especismo, uma vez que elas se sentirem ofendidas é um caso de especismo.

Suponhamos que alguém afirme que racismo e sexismo são análogos, no sentido de serem ambos violações do princípio da igual consideração e serem igualmente injustos, com a diferença que suas vítimas pertencem a grupos distintos. Para alguém se sentir ofendido com essa comparação, precisa acreditar que uma forma de discriminação não é tão injusta quanto a outra (isto é, precisa ser, ou racista, ou sexista). Da mesma maneira, quando é afirmado que o especismo é análogo ao racismo e ao sexismo (no sentido de serem todos violações da igual consideração e serem igualmente injustos), para alguém se sentir ofendido com a comparação, precisa ser especista. No caso, o que estaria acontecendo é uma metadiscriminação: manter que certas discriminações são mais injustas do que outras, ainda que todas sejam violações em mesma medida do princípio da igual consideração.

Poderia ser objetado que, mesmo que o especismo seja análogo às discriminações sobre humanos, as consequências de cada forma de discriminação são muito distintas. Contudo, a exploração animal (uma consequência do especismo) possui similaridades o bastante com os regimes de opressão sobre humanos a ponto de a analogia ser adequada. Por exemplo, vários autores compararam a exploração animal com o holocausto, dentre os quais estão Coe (1995, p. 72-73), Fox (1990, p. 242), Gold (1995, p. 37), Regan (1987, p. 76-77), Ryder (1991, p. 40) e Sapontzis (1987, p. 86). O livro de Charles Patterson “Eternal Treblinka” (2002) é inteiramente dedicado a fazer essa comparação. Peter Singer (2004, p. 27-105) relata em detalhes as similaridades entre a experimentação animal e os experimentos nazistas. Jasper & Nelkin (1992, p. 61) observam que a comparação já era feita antes de o termo “especismo” ter sido cunhado por Richard Ryder em 1970, observando que em 1966 as instalações de uma criação de cães para serem usados em experimentos foram descritas pela revista Life como um “campo de concentração para cães.”

A comparação várias vezes foi feita por autores judeus. Isaac Bashevis Singer, ganhador do prêmio Nobel de literatura de 1978, em sua obra “Enemies: a Love Story”, escreveu: “In relation to animals, all people are Nazis; for the animals, it is an eternal Treblinka” (SINGER, Apud PATTERSON, 2002, p. 181). Na obra “The Penitent”, escreveu: “when it comes to animals, every man is a Nazi” (SINGER, 1983, p. 39).

Edgar Kupfer, sobrevivente do campo de concentração de Dachau, após ser libertado, escreveu em uma barraca que servia como hospital:

I refuse to eat animals because I cannot nourish myself by the sufferings and by the death of other creatures. I refuse to do so, because I suffered so painfully myself that I can feel the pains of others by recalling my own sufferings (KUPFER, apud GOLD, 1995, p. 25)

David Sztybel (2006, p. 97-132), filho de sobreviventes do holocausto, observou 39 paralelos entre o holocausto e a exploração animal. Dentre os principais, estão: a prática de tatuar números, retirando as vítimas da condição de indivíduos (p. 103, 112, 113); a prática de experimentação sobre as vítimas, incluindo experimentos feitos por mera curiosidade (p. 107-108); apontar para os potenciais benefícios das experiências, apesar do sofrimento das vítimas (p. 103); indiferença dos pesquisadores em relação ao sofrimento das vítimas (p. 104); o cheiro típico de carnificina próximo a um abatedouro e a um campo de concentração (p. 105); uso de tecnologia para aumentar a eficiência em matar (p. 106, 114); a busca por pureza de raças, como na criação comercial de cães (p. 106); denominar as vítimas de “pragas” (p. 108); a prática de caça de refugiados e de animais selvagens (p. 109); o uso das peles das vítimas para confeccionar objetos (p. 109); transformação dos restos mortais das vítimas em barras de sebo (p. 109); trabalho escravo (p. 110); uso das vítimas para entretenimento de seus exploradores (p. 110); confinamento e aglomeração das vítimas sem condições mínimas de bem-estar (p. 110); separação de mães/pais e filhos (p. 111); mortes por inanição (p. 111); cadáveres das vítimas sendo amontoados em valas (p. 112); quantidades gigantescas de vítimas (p. 112); proibição de se documentar o que acontece dentro dos locais de exploração (p. 112); institucionalização da prática exploratória por meio de um aparato jurídico (p. 113); o transporte das vítimas ser feito em condições de aglomeração, sujeira, exposição ao clima, e sem receberem água ou comida (p. 114); conivência de boa parte da sociedade (p. 114); negação por parte dos exploradores de que o sofrimento das vítimas ocorra (p. 115); uso do termo “tratamento humanitário” para designar práticas que causam sofrimento e morte às vítimas (p. 116); uso de termos “suavizadores”, como “eutanásia” para casos de assassinato (p. 117) e as vítimas serem muitas vezes mortas sendo queimadas vivas (p. 119).

Os exemplos anteriores dizem respeito somente às semelhanças entre a exploração animal e o holocausto. Contudo, paralelos com a escravidão humana poderiam também ser traçados (como, por exemplo, o status das vítimas como itens de propriedade e o trabalho forçado). Em ambos os casos, as consequências são relevantemente similares a ponto de a analogia fazer sentido. E, como vimos, mesmo que as consequências fossem muito diferentes, a analogia ainda faria sentido porque formas de discriminação, por si só, são análogas no sentido de violarem igualmente o princípio da igual consideração.

9. O argumento etimológico

Por vezes, a comparação entre a exploração animal com a escravidão humana ou com o holocausto é criticada alegando-se que um termo só deveria ser utilizado em seu sentido original. Segundo essa posição, o termo escravidão só deveria ser utilizado em referência ao regime de trabalho forçado e de status de itens de propriedade dos afrodescendentes pelas mãos dos europeus e de seus descendentes, e o termo holocausto deveria ser utilizado somente em referência ao massacre de judeus, eslavos, homossexuais e outros grupos praticado pelo regime nazista. Isso seria assim, no entender do argumento, porque esse seria o sentido original daqueles termos.

Há dois problemas graves com o argumento. O primeiro, é que ele é um caso da chamada falácia etimológica, que consiste em confundir o significado em uso de um termo com o seu significado original. Um exemplo clássico de falácia etimológica é alguém afirmar que a palavra “setembro” não deveria ser utilizado em referência ao nono mês porque, originalmente, referia-se ao sétimo mês (uma vez que os meses julho e agosto foram criados posteriormente). A mudança de sentido ao longo do tempo aconteceu com muitas outras palavras. Como veremos a seguir, “escravidão” e “holocausto” são duas delas.

O segundo problema é que a objeção não funciona nem em seus próprios termos, pois, se devêssemos utilizar as palavras apenas em seu sentido original, então a palavra “escravidão” não poderia ser utilizada em referência ao regime de trabalho forçado e de status de itens de propriedade sobre afrodescendentes. O termo “escravo” (em inglês “slave“) surgiu no início da idade média, quando eslavos da Europa Central e da Europa Oriental eram frequentemente escravizados pelos mouros da Península Ibérica e do norte da África (JANKOWIAK, 2017, pp. 169-172). Posteriormente, o termo passou a designar qualquer regime de trabalho forçado.

Curiosamente, se só pudéssemos utilizar os termos em seu sentido original, então o termo “holocausto” só poderia ser utilizado como comparação ao massacre de animais não humanos. O termo “holocausto” envolve intrinsecamente uma comparação com a exploração animal (SZTYBEL, 2006, p. 97). Como observado por Sax (2000, p. 56), o termo “holocausto” originalmente denotava um sacrifício hebreu no qual o animal inteiro era dado a Yahweh para ser consumido pelo fogo. Em épocas posteriores, várias décadas antes do massacre dos judeus pelos nazistas, o termo já era empregado em referência a assassinatos em massa de membros de determinado grupo. Por exemplo, Crowe (2008, p. 1) observa que o termo foi utilizado em 1895 pelo New York Times para descrever o massacre de cristãos armênios pelos muçulmanos do Império Otomano. Sztybel (2006, p. 97) observa que, ao contrário do que se poderia pensar à primeira vista, uma forma de exploração animal é que primeiro se tornou uma metáfora para o que aconteceu com os judeus nas mãos dos nazistas.

Além disso, se for mantido que o único uso adequado de um termo é com o seu sentido original, então o mesmo argumento poderia ser utilizado por um racista para defender que tratar afrodescendentes como itens de propriedade não seria escravidão, uma vez que as vítimas não são eslavas. Nesse caso, seria facilmente percebido que a estratégia semântica em questão visa tentar tornar a escravidão mais aceitável, uma vez que a escolha por outro nome poderia não ter o mesmo impacto negativo que teria o termo “escravidão”. Por exemplo, se em resposta ao racista fosse proposto, no lugar do termo “escravidão”, a utilização de um termo que tornasse ainda mais nítida a injustiça envolvida em tal ato, muito provavelmente o novo termo também não seria aceito por quem não aceita o termo “escravidão”.

Igualmente, alguém poderia sugerir que a exploração animal não deveria ser comparada à escravidão ou ao holocausto alegando uma preocupação com o sentido original dos termos, mas a motivação real ser a sua crença de que os animais não humanos são seres inferiores. Tal motivação ficaria evidente se o nome que sugerisse no lugar fosse mais “suave”, que enfatizasse que a exploração animal não é algo tão grave14.

Assim, pelas razões expostas acima, não há porque limitar o uso dos termos “escravidão” e “holocausto” somente a casos onde as vítimas são humanas.

10. O argumento de que os seres mais racionais sofreriam em maior grau

Poderia ser objetado que as discriminações sobre humanos afetam seres com maiores capacidades cognitivas, o que implicaria em um sofrimento maior. Por exemplo, sofreriam por recordação/antecipação de eventos negativos em maior grau do que os animais não humanos.

É possível que isso seja verdadeiro em vários casos. Contudo, também é possível que, em outros casos, alguém sofra mais justamente por ter menores capacidades cognitivas. Por exemplo, normalmente crianças pequenas e animais não humanos sofrem mais ao receberem uma injeção ou medicamento, justamente por não entenderem que o que se visa com isso é ajudá-los. Além disso, seres que possuem um sentido temporal de si, apesar de poderem sofrer por recordação ou antecipação de eventos negativos, também podem ter o seu sofrimento presente aliviado por recordação ou antecipação de eventos positivos. Por outro lado, seres que não possuem essa capacidade, ou que a possuem de maneira muito limitada, não possuem esse recurso para terem o seu sofrimento presente aliviado (ROLLIN, 1989, p. 144; FARIA, 2016, p. 11)

Além disso, na maioria dos casos, um menor grau de racionalidade implica em uma maior vulnerabilidade. É por essa razão que os cuidados e a proteção necessários para com um bebê ou para com um humano vítima de alguma doença ou acidente que afete suas capacidades cognitivas são muito maiores do que para com um humano adulto normal.

Assim sendo, parece que não existem razões para se pensar que a exploração animal é menos injusta do que seria se fosse feita sobre humanos que possuem capacidades cognitivas similares às dos animais não humanos. E, dado o que foi argumentado nesse item, isso pode revelar que as consequências de tal exploração são ainda piores do que comumente se pensa.

11. Dois aspectos em que os casos comparados são distintos

Como observado por Sapontzis (1987, p. 84-85), há dois aspectos em que as consequências do especismo são diferentes das consequências de qualquer forma de discriminação contra humanos vigente atualmente. Assim, há dois aspectos nos quais a analogia entre o especismo e discriminações contra humanos não funciona. Contudo, isso se dá por razões opostas daquelas frequentemente alegadas para se dizer que tal analogia é inadequada.

O primeiro aspecto é que a quantidade de vítimas do especismo é gigantescamente maior do que a quantidade de vítimas das discriminações que afetam humanos somadas. Por exemplo, somente para consumo, são mortos anualmente em nível global algo entre 1 e três trilhões de animais não humanos (FAO, 2010; MOOD & BROOKE, 2010). As mortes de humanos em nível global no período entre 1950 e 2019 variaram entre 45 e 58 milhões ao ano15. Suponhamos, para efeito de argumentação, que a quantidade de mortes anuais de humanos fosse maior: 60 milhões de mortes anuais. Esses números dizem respeito a mortes de humanos por toda e qualquer causa, e não apenas as mortes de vítimas de discriminações. Mesmo concedendo esses pontos, 60 milhões representam apenas 0,006% de 1 trilhão e apenas 0,002% de 3 trilhões.

Além disso, há uma enorme quantidade de animais na natureza padecendo de uma vida de sofrimento intenso que os humanos poderiam ajudar, e não o fazem por causa do especismo16. A estimativa para a quantidade desses animais em um dado momento é de 10 quintilhões (TOMASIK, 2019). Comparemos esses números com o total da população humana mundial, concedendo para efeito de argumentação que a população de humanos já tivesse chegado em 8 bilhões de habitantes. A população humana representaria 0,00000008% da população de animais não humanos. Se fizéssemos uma analogia com o período de um ano, a população humana equivaleria a apenas 0,02 segundos.

O segundo aspecto é que e os níveis de sofrimento individual de que padecem os animais não humanos são geralmente maiores do que aqueles dos quais padecem atualmente os humanos vítimas de discriminação. Por exemplo, os animais que nascem nas granjas industriais muitas vezes passam uma vida inteira sem poder se mover, são amontoados juntamente com vários outros em uma única gaiola, tem de viver em meio a fezes, possuem seus bicos cortados e são castrados sem anestesia, são muitas vezes cozidos vivos, triturados vivos, têm suas peles arrancadas ainda vivos, e, no caso dos peixes, a descompressão faz muitas vezes seus órgãos internos explodirem17. Obviamente, existem humanos que sofrem discriminação e, como resultado, são altamente prejudicados. É possível até mesmo que, em determinados casos, alguns humanos estejam em uma situação tão ruim quanto a dos animais nas granjas industriais. Contudo, o tratamento padrão que hoje é amplamente aceito para com os animais não humanos não é o tratamento padrão amplamente aceito para o caso dos humanos. Isto é, os animais não humanos se encontram, geralmente, em uma situação pior do que aquela na qual se encontram geralmente os membros da espécie humana.

Uma possível objeção seria afirmar que não é possível comparar qual situação é pior. Segundo essa objeção, não faz sentido dizer que, por exemplo, um animal não humano que nasceu em uma granja industrial e passou a vida inteira sem poder se mover e depois será fervido vivo está em uma situação pior do que um humano que foi discriminado por conta da cor da sua pele no ambiente de trabalho. Um problema com essa objeção é que, se não fizer sentido fazer comparações sobre quem está em uma situação pior, então teríamos de igualmente negar que faça sentido dizer que um escravo está em uma situação pior do que um senhor de escravos. Poderia ser objetado que apenas quem passa pela situação é quem realmente sabe o quão ruim ela é, e que, como não experimentamos na pele ser vítima de cada discriminação que os humanos sofrem, não podemos imaginar o que é ser vítima dessas discriminações. Embora isso seja verdadeiro em certa medida, poderia ser respondido que igualmente nunca estivemos na pele de um animal não humano em uma granja industrial. Isso não significa que estimativas razoáveis sobre qual situação é pior sejam impossíveis de serem feitas. Mesmo que cada pessoa só consiga experimentar diretamente o seu próprio sofrimento, há um teste simples que pode nos ajudar a descobrir, de duas situações, qual é a pior. O teste consiste simplesmente em imaginar se gostaríamos de passar de uma dessas situações para a outra. Embora existam muitos humanos que estejam em situações terrivelmente ruins, não parece que haja humanos que desejem trocar de lugar com os animais não humanos que estão, por exemplo, em uma granja industrial, justamente porque a situação desses animais é ainda pior do que a sua. Assim, esse teste simples mostra que é possível fazer comparações razoáveis sobre quem está em uma situação pior.

Desse modo, há dois aspectos que sugerem que a analogia não funciona completamente. Com base nisso, poderia ser dito que, embora todas as formas de discriminação sejam igualmente injustas por violarem igualmente o princípio da igual consideração, as consequências de cada forma de discriminação produzem quantidades de vítimas distintas, que se encontram em situações de sofrimento de magnitudes distintas. Poderia ser defendido de maneira imparcial, de acordo com o princípio da igual consideração, que quanto piores as consequências de uma forma de discriminação, mais urgente é combatê-la, seja lá qual for a discriminação. Certamente, se a quantidade de vítimas do especismo fosse menor do que a quantidade de vítimas de outras discriminações, ou se os animais não humanos não se encontrassem geralmente em uma situação pior do que a situação típica dos humanos, faria sentido defender que não é tão importante combater as consequências do especismo. Contudo, no mundo real esses parâmetros apontam na direção oposta. Assim, temos razões para dar uma grande importância a tentar mudar a situação dos animais não humanos, não porque são animais não humanos, mas porque trata-se da questão que envolve a maior quantidade de vítimas, que geralmente se encontram na pior situação18. Aliás, a quantidade de animais não humanos em uma situação de sofrimento intenso é tão vasta que teríamos de chegar nessa conclusão mesmo se violássemos o princípio da igual consideração e atribuíssemos um peso várias vezes maior ao bem dos humanos.

12. O argumento do “perigo estratégico”

Por vezes, a razão endereçada para se condenar comparar discriminações interespécies e intra-humanas é de cunho estratégico. Nesse sentido, o que se quer dizer é que fazer tais comparações, devido à possibilidade de soar ofensivo a algumas pessoas, poderia prejudicar a luta pelos animais não humanos. Isto é, nesse sentido seria como dizer: “é verdade que especismo e outras formas de discriminação são análogas, mas, não deveríamos dizer a verdade porque dizê-la pode ser contraproducente em relação à meta de ajudar os animais19“.

A possibilidade de existirem pessoas que se sentiriam ofendidas com a comparação (e isso gerar rejeição à proposta de consideração pelos animais) é algo a ser levado em conta, mas não é suficiente para se concluir que, então, necessariamente a estratégia é contraproducente. O que teria de ser feito para avaliá-la enquanto estratégia é comparar dois cenários (um onde a comparação não é feita e outro onde a comparação é feita), levando em conta a quantidade de rejeições e aceitações em cada um deles. Por exemplo, é possível que, apesar da quantidade de pessoas que rejeitariam considerar os animais se a comparação for feita, a quantidade de pessoas que aceitariam considerá-los (ou que abraçariam a causa com mais empenho) se a comparação for feita seja maior do que se a comparação não for feita. Isto é, é possível que, colocando-se os prós e contras desses dois cenários na balança, fazer tal comparação ainda seja uma estratégia eficiente (ou até mesmo muito eficiente), mesmo que gere alguma rejeição.

Na ausência de estudos estatísticos que nos digam a probabilidade do que ocorreria em cada um desses cenários, o que é possível fazer é listar fatores que poderiam sugerir uma tendência ou outra. Assim sendo, a seguir estão listadas algumas razões para se pensar que fazer essas comparações tem potencial para ser uma boa estratégia na luta contra o especismo.

A primeira dessas razões é que é muito mais fácil que as pessoas entendam o que é o especismo se a explicação fizer uma analogia com outras formas de discriminação bastante conhecidas. Imaginemos, por exemplo, que a noção de discriminação ainda não existisse, e que alguém fosse a primeira pessoa a tentar combater uma discriminação. Certamente, essa pessoa teria muito mais dificuldade em explicar para os interlocutores qual é realmente o problema com o tratamento em questão. Assim, o fato de termos como “racismo” e “escravidão” serem bastante difundidos torna mais fácil explicar, respectivamente, o que é o especismo e a condição de itens de propriedade dos animais não humanos, por exemplo.

A segunda dessas razões é que o racismo, o sexismo e outras formas de discriminação intra-humanas têm sido, de modo crescente, reconhecidos não apenas como injustiças, mas, injustiças graves. O mesmo vale ainda em maior grau para a escravidão humana e para o holocausto. Assim sendo, essas analogias são úteis não apenas para se explicar o que é o especismo e quais são suas consequências, mas, para mostrar o quão graves e injustas são. Comparando-se um cenário onde é defendido que os animais não humanos deveriam receber alguma consideração moral, mas não uma igual consideração, com um cenário onde se faz uma defesa da igual consideração (que viria implicada na rejeição do especismo), é mais provável que, nesse segundo cenário, surjam pessoas que passem a defender os animais por compreenderem o quão injusto é o especismo. Nesse sentido, um exemplo histórico é o fato de que um movimento social amplo defendendo a abolição da exploração animal (e, mais recentemente, a ajuda aos animais que vivem em ambientes selvagens20) só surgiu após a década de 1970, devido à influência de autores que utilizaram o conceito de especismo e defenderam o princípio da igual consideração. Até então, o que existia era um movimento que visava apenas melhorar as condições dos animais explorados, mas raramente questionava a moralidade de utilizá-los como recursos, em primeiro lugar.

A terceira dessas razões é que fazer a comparação (sobretudo utilizando o argumento da sobreposição das espécies e o argumento da relevância) pode ajudar a desfazer alguns equívocos comuns em relação ao princípio da igualdade. Uma consequência provável disso seria não apenas uma melhora na situação dos animais não humanos, mas também uma melhora no entendimento de qual é o problema com as discriminações intra-humanas. Por exemplo, como observado por Singer (2002, p. 26-30), um dos equívocos comuns em relação ao princípio da igualdade é a crença de que ele descreve que todos os humanos são iguais (por exemplo, em capacidades). Como vimos, o princípio não faz nada disso. Em vez disso, prescreve dar igual consideração aos interesses similares de cada indivíduo afetado por nossas decisões (independentemente de suas capacidades). Devido a aquele entendimento equivocado, algumas pessoas acreditam que, por exemplo, se ficar provado que existem diferenças entre raças ou gêneros em relação a alguma capacidade, então que estaria justificado o racismo e o sexismo. Isto é, há uma confusão entre igualdade factual e igualdade moral.

Nesse sentido, o argumento da sobreposição das espécies é uma ferramenta para desfazer esse equívoco, pois mostra que, se não há justificativa para se dar uma consideração menor aos humanos que carecem de certas capacidades, então obviamente que o princípio da igualdade não está a descrever que todos os humanos têm iguais capacidades (aliás, é um fato que esse não é o caso). Assim, ao contrário do que algumas pessoas receiam, a defesa dos animais não humanos por meio do argumento da sobreposição das espécies, justamente por fazer uma comparação direta com humanos que carecem de certas capacidades, poderia aumentar ainda mais a consideração moral por esses humanos, ao enfatizar que o grau de consideração que alguém deveria receber não deve depender de suas capacidades.

O argumento da relevância, igualmente, ajudaria no entendimento de que o que está em jogo em questões de consideração moral é a possibilidade de alguém ser prejudicado e/ou beneficiado, independentemente de ter ou não determinada capacidade. Assim sendo, os argumentos normalmente utilizados em defesa dos animais não humanos, curiosamente, poderiam ajudar a se ter uma compreensão melhor da igualdade entre humanos. Contudo, não há razões para se esconder que esses argumentos implicam a igual consideração de todos os seres sencientes, independentemente de espécie. Aliás, seria muito difícil combater o especismo se evitássemos de expor o que ele é e quais as implicações de se rejeitá-lo.

13. Conclusão

Partindo da noção de discriminação como um tratamento desfavorável injusto, este artigo defendeu que todas as discriminações possuem como elemento comum violarem o princípio da igual consideração. Foi defendido também que do princípio da igual consideração segue-se que o especismo é tão injusto quanto qualquer outra forma de discriminação. Também foi defendido que as comparações entre as consequências do especismo e as consequências de formas de discriminação que afetam humanos contém elementos em comum o suficiente para a analogia ser completamente adequada, mesmo que haja particularidades em cada caso.

Desse modo, fazer uma analogia entre o especismo (e suas consequências) e outras formas de discriminação (e suas consequências) é não apenas adequado, mas uma ferramenta importante para se entender o que é o especismo e o quão injusto é, bem como para se entender melhor a injustiça envolvida em outras formas de discriminação. Assim sendo, tais comparações parecem ser uma estratégia promissora em defesa dos seres sencientes em geral, independentemente de espécie.

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Notas

1 Doutor em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina. Coordenador das atividades da Animal Ethics no Brasil (www.animal-ethics.org). Email: [email protected]

2 Sobre a definição do conceito de discriminação, ver Lippert-Rasmussen (2006).

3 Para uma formulação detalhada do princípio da igual consideração, ver Singer (2002, p. 25-35). Uma das razões para se reconhecer o princípio da igual consideração como critério para distinguir quais decisões são ou não tendenciosas é que sua aceitação não depende da aceitação prévia de uma visão específica de ética, e nem mesmo de uma corrente específica de ética (como o consequencialismo ou a deontologia, por exemplo): é compatível com as principais teorias normativas da ética contemporânea,. Isso é assim porque o princípio não prescreve uma forma específica de se determinar a ação correta (é compatível com várias dessas formas). Não é, portanto, um princípio substancial (como são os princípios da utilidade, do maximin, do igualitarismo, do prioritarismo etc.), e sim, um princípio formal, que estabelece uma pré-condição para que um princípio substancial seja aceitável. Sobre a compatibilidade do princípio da igual consideração com várias teorias da ética normativa, ver Cunha (2020).

4 Para uma lista de fatores comuns a todas as formas de discriminação, ver Horta & Albersmeier (2020, p. 3)

5 Ver, por exemplo, os trabalhos de Singer (2002, 2004), Ryder (1991) e Sapontzis (1987).

6 Para um relato detalhado, ver Singer (2004, p. 107-177).

7 Para uma discussão sobre deveres positivos em relação aos animais não humanos, ver Cunha (2018, cap. 7).

8 Exemplos são as posições de Diamond (1991) e Gaita (2003).

9 Exemplos são as posições defendidas por Harrison (1989) e Reichmann (2000).

10 Exemplos são as posições defendidas por Carruthers (1992), Frey (1980), Leahy (1991) e Scruton (1996).

11 Exemplos são as posições defendidas por Naverson (1989), Scanlon (1998) e Wenz (1998).

12 Esse argumento pode ser encontrado em Ehnert (2002), Horta (2014), Singer (2002, p. 85) e Wilson (2005).

13 Para uma explanação detalhada desse argumento, ver Horta (2018).

14 É uma prática comum no caso das explorações (sobre humanos e não humanos) a utilização por parte dos exploradores de termos que camuflem o prejuízo para as vítimas. Na exploração animal, termos como “abate”, “eutanásia” e até mesmo “colocar para dormir” são utilizados no lugar de “assassinato”, “matança” e “extermínio”. Além disso, termos como “bem-estar” e “humanitário” são muitas vezes utilizados para se referir a práticas que em nada beneficiam as vítimas. Sobre esse ponto, ver Regan (2006, 93-100).

15 Estatísticas disponíveis em https://ourworldindata.org/births-and-deaths

16 Para uma análise detalhada da questão dos animais na natureza, ver Cunha (2018) e Faria (2016).

17 Para um relato detalhado sobre cada uma dessas formas de exploração animal, ver Singer (2004, p. 107-177).

18 Uma razão adicional seria o fato de que há muito menos pessoas preocupadas em tornar menos pior a situação dos animais não humanos do que há pessoas trabalhando em causas que ajudam humanos.

19 É importante levar em conta que existe a possibilidade de uma objeção apresentada como estratégica ser, na verdade, uma objeção moral. Quando esse é o caso alguém acredita que a comparação é inadequada, mas, tenta convencer o interlocutor de que fazê-la não alcançará a meta que ele visa atingir (no caso, melhorar a situação dos animais). Uma maneira de se descobrir se é realmente uma objeção estratégica é perguntar se, caso a comparação se revelar uma boa estratégia, a pessoa ainda teria objeções a fazê-la. Se sim, a objeção não é estratégica.

20 Sobre as transformações no movimento de defesa animal nos últimos anos, ver Dorado & Horta (2014).

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