Ela fundou 4 santuários para salvar animais selvagens

Ela fundou 4 santuários para salvar animais selvagens

Minha mãe diz que eu sempre amei animais, mas não me lembro bem disso quando era novinha em Melkbosstrand perto da Cidade do Cabo nos anos 1970”. 


Lara estudou publicidade mas trocou o mundo corporativo pelo curso de Turismo quando conseguiu um trabalho em um alojamento de luxo 5 estrelas próximo do Kruger Park na África do Sul. Ali, o amor pela vida selvagem brotou nela e também foi ali que ela conheceu Tony, seu companheiro há 25 anos.

A paixão pelos animais, fez com que eles criassem do zero três santuários para resgatar animais vítimas do tráfico, pet ilegal, zoos e até laboratórios, na região rural conhecida como The Crags, a poucos quilômetros de Plettenberg Bay. Lara e o marido queriam fazer algo pelo animais, estavam preocupados com o tráfico que aumentava gradativamente no local rico em vida selvagem em função da natureza abundante do lugar.

Em 1998, eles fundaram o primeiro santuário chamado Monkeyland (dedicado aos macacos), em seguida veio o Birds of Eden (para os pássaros) e por fim o Jukani Wildlife para os felinos. No ano passado, ele conseguiu angariar recursos para criar mais um santuário de macacos, uma vertente do Monkeyland em Ballito, Kwazulu Natal, (Província costeira mais ao norte do país).

O Monkeyland foi o primeiro santuário de primatas no mundo a reunir multi-espécies vivendo livremente juntas em uma floresta, onde os visitantes através de tours educativos podem observá-los em seu habitat natural. 

“Sempre houve uma necessidade de ajudar os animais. Eles não têm voz e é preciso falar em nome deles. Todos os animais que eu via – fora dos Parques Nacionais – viviam em gaiolas e jaulas pequenas e apertadas. Era triste vê-los assim e Tony e eu sabíamos que poderíamos fazer algo por eles, queríamos melhorar suas vidas, para que eles pudessem viver em ambientes naturais que se aproximasse de seu habitat natural. Isto é, em ambientes florestais. Foi assim que nasceu o Monkeyland, onde tudo começou” revela Lara Mostert. 

Um santuário para cada espécie

Lara explica que todos os animais selvagens em cativeiro precisam de ajuda. O Birds of Eden foi idealizado porque muitas pessoas tinham pássaros como animais de estimação (em pequenas gaiolas) mais até do que macacos. “Havia uma necessidade de ajudar essas aves criadas em cativeiro, para voltar a voar livremente. Os pássaros têm asas para voar – faz parte da natureza deles. Os seres humanos tiram esse direito deles quando os prendem. Então, nós tentamos melhorar suas vidas”

E de fato Lara conseguiu, dando um espaço de 2.3 hectares de floresta e a liberdade de voar para mais de 3.500 aves de 280 espécies. Já o santuário dos felinos foi criado em função de uma necessidade que surgiu quando um parque de vida selvagem teve sérios problemas financeiros. 

“Os grandes felinos (leões, leopardos etc) são alvo de um negócio inescrupuloso na África do Sul e frequentemente acabam no mercado das fazendas de caça enlatadas” denuncia ela.  As fazendas ‘enlatadas” se refere a um comércio abusivo de animais selvagens, em que caçadores pagam uma fortuna para caçar felinos em fazendas particulares.

“Através do Jukani, ensinamos para as pessoas (visitantes) que é errado acariciar animais selvagens e as orientamos a NÃO apoiar locais que permitam acariciar filhotes de animais selvagens, carregá-los no colo, posar com eles para fotografias etc. Nosso santuário de 17 hectares de floresta é também o refúgio, o lar para sempre de 74 felinos, de 17 espécies, que foram confiscados pelas autoridades da África do Sul e do exterior”, ela ainda afirma que enquanto houver espaço para ajudar os animais – eles continuarão fazendo esse trabalho.

O Monkeyland foi o primeiro santuário com a proposta de não acariciar/tocar os animais, e atualmente conta com mais de 550 primatas de 10 espécies diferentes. Nenhum outro santuário de macacos cuidou de várias espécies vivendo juntas e livremente em uma floresta, com visitantes caminhando pelo local, observando estes animais soltos na natureza. “Fomos o primeiro no mundo a criar este modelo de santuário aliando preservação com a conscientização das pessoas (visitantes). Portanto, tivemos muita burocracia na época, quando idealizamos essa iniciativa” aponta a sul africana.

Os santuários se baseiam nos princípios de uma pesquisa chamada de “Síndrome do Éden”, que ‘reorganiza’ os animais de volta a um estado em que podem ser liberados em santuários semi-selvagens, com várias espécies vivendo livremente; não sendo permitido nenhuma atividade que coloque eles sob estresse, havendo um esforço de toda a equipe envolvida para educar turistas e operadores turísticos sobre os motivos.

Além disso, somente um trecho da imensa floresta é reservado para os tours de observação, a outra parte que é enorme é somente para os animais.

‘As pessoas só devem apoiar o turismo responsável. Eu tenho tolerância zero para locais que fingem se importar com os animais e permitem que visitantes os acariciem. Isso NÃO deve ser permitido. Animais selvagens não são objetos de fotografia, entretenimento ou brinquedos para usarmos e abusarmos em troca de dinheiro’ proclama a ativista.

Sem apoio nenhum e auto-financiamento

Infelizmente os santuários não recebem nenhum tipo de apoio do Governo sul africano.

“Criamos os santuários para os animais que sofreram abusos e maus-tratos, então o apoio que recebemos vem dos habitantes da nossa região (The Crags) através da visitação deles, que trazem outras pessoas para os nos visitar. Aqui, eles somente observam os animais em seu habitat natural”. Há poucos anos, o ator colombiano John Leguizamo esteve no Monkeyland para conhecer o trabalho do santuário.

“Somos desde sempre 100% auto-financiados”. As visitas são guiadas e os visitantes caminham pelo(s) santuário(s) observando os animais livres (é estritamente proibido interagir com eles). O tour gera uma renda que é revertida para a alimentação dos animais, bem-estar, manutenção dos santuários, impostos, salários dos funcionários, alojamento deles etc. “O que conseguimos economizar, usamos para criar novos santuários (como fizemos) para que possamos cuidar de mais animais” afirma ela. 

Dessa forma, eles usam o turismo para ajudar a financiar esses esforços na conservação, mas enfatizam a importância do turismo responsável a esse respeito. Um dos principais objetivos é mostrar aos visitantes que fazer carinho e interagir com animais selvagens, como se fossem domesticados, é irresponsável, abusivo e antiético. Lara ainda ressalta “nós tentamos ensinar aos visitantes a praticar o turismo responsável, porque educar é a chave para aprender sobre vida selvagem”.

Lara aponta que ela se concentra principalmente nos direitos dos animais no Turismo, porque este é o campo em que ela atua – o turismo responsável.

Transparente, a fundadora revela sem rodeios as dificuldades e os custos de se manter 4 santuários, “Infelizmente nenhuma ONG, nenhum órgão do Governo levantaram um dedo para nos ajudar com qualquer doação em dinheiro. A nossa despesa com a alimentação dos animais para os 4 santuários é de cerca de 4 milhões de rands por ano (aprox. R$1.180.000 reais).

Tráfico, pet ilegal, zoos e até laboratórios

Todos os nossos animais dos santuários foram resgatados de ambientes e situações diversas. Em relação aos primatas, cerca de 30% deles vieram de zoos (excedentes e indesejados), 20% de pet ilegal, 20% de resgates e os outros 30% nasceram no Monkeyland no The Crags em Plettenberg Bay.

A maioria das aves do santuário de pássaros veio de criadores ilegais, tráfico, muitos de zoos que fecharam e alguns foram enviados para eles por meio de centros de resgate. Já no santuário de felinos (Jukani) tem espécies do mundo inteiro – cada um com uma história triste. “O passado triste NÃO importa para nós, o que importa é que agora eles terão uma história FELIZ, isso é o mais importante. Animais não são mercadorias e, uma vez conosco, nós cuidamos deles por toda a vida”. 

Em abril deste ano, eles estavam para acolher 1 leão, 2 tigres e um puma da Stichting AAP em Almere Holanda que acabou sendo adiado em função da pandemia. “Trabalhamos com essa organização de resgate há muitos anos. Os felinos são de circos que foram fechados na Europa” ela explica.

Luisa Mell visita os santuários

Em janeiro deste ano, os santuários receberam uma visita ilustre, a ativista Luisa Mell esteve na África do Sul para conhecer pessoalmente os 3 santuários a convite de Lara Mostert.

Acervo pessoal Luisa Mell.

“Eu adoraria trabalhar com a Luisa Mell. Ela é um ser humano maravilhoso. Se ela precisar da nossa colaboração no santuário que ela irá criar, vamos adorar contribuir. Nossas portas estão abertas e gostamos de ajudar quando e onde pudermos. Luisa é muito conhecida no Brasil, ela tem um público imenso que admira o trabalho que ela faz” derrete-se em elogios a fundadora.

https://youtu.be/vywCeBWlIo4

Lara inclusive reforça sobre a importância de existir mais pessoas em solo brasileiro que possam realizar o mesmo trabalho que a Luisa Mell há anos tem feito.

https://youtu.be/3AxidTshkZs

“Eu desejo que mais pessoas ilustres no Brasil façam mais pelos animais. E quando digo isso, quero dizer que eles devem fazer as coisas corretamente. NÃO devem apoiar a interação (toque/afago) com a vida selvagem ou promovê-la participando. Graças a pessoas como Luisa Mell, há muitas vozes que defendem os direitos dos animais – mas precisamos de mais” afirma Lara.

O desabafo da ativista é uma crítica as celebridades internacionais a turismo na África, que insistem em posar para fotos carregando filhotes de leões, tigres; o casal global Grazi Massafera e Caio Castro se viram no centro dessa polêmica quando viajaram juntos para a África do Sul visitando locais que exploram felinos para entretenimento, visando somente lucro.

“Esses famosos podem ajudar doando dinheiro para comprar florestas e hectares de terra onde os animais possam viver livres; se não doarem pessoalmente, podem arrecadar fundos como Luísa faz. Se mais celebridades defenderem os animais, mais animais terão uma vida melhor. Roubamos suas terras, quando roubamos suas casas (árvores, florestas, pântanos), não devolvemos. Está na hora de os devolvermos à natureza, é um dever nosso.”

Ameaças de morte e processos judiciais

Às vezes Lara Mostert é convidada para dar palestras em que aborda temas delicados como o turismo irresponsável envolvendo vida selvagem e constantemente recebe ameaças dizendo pra ela calar a boca ou os santuários sofrerão as consequências disso. As ameaças vêm de vários locais da região que permitem acariciar/tocar animais selvagens, ela também já foi ameaçada com ações judiciais em diversas ocasiões – no entanto, ela acredita na liberdade de expressão: “Muitas pessoas tentam me intimidar, para me impedir de defender os animais. Eu os ignoro e continuo a minha luta”.

‘Se eu mantivesse algumas pessoas em uma jaula na minha casa para que eu pudesse acariciá-los e brincar com eles quando quisesse, certamente eu iria para a prisão, tendo humanos enjaulados como ‘animais de estimação’ (pet). Então por que está ‘Ok’ tratar os animais dessa forma? A resposta é – isso NÃO está correto’.

Governo sul africano – apoio somente para pessoas, não para animais

A ativista conta que certa vez uma loja da região resolveu ajudar, doando alimentos para os santuários semanalmente, após três meses tiveram que cessar as doações. Uma comunidade local carente reclamou alegando que os alimentos tinha que ser doados para eles e não para “instituições de caridade animal”. Lara pondera sobre a questão da população mais pobre gerar muitos filhos sem ter um controle de natalidade, até mesmo em função da precariedade financeira dessas famílias; e geralmente são os mais pobres (entre os pobres) que têm mais filhos:

“todas as doações de alimentos (ou a maioria) vão para as pessoas na África do Sul. Os animais têm um tratamento injusto no nosso país, até as ONG´s para animais domésticos sofrem com isso, mesmo a NSPCA (sigla em inglês para Conselho Nacional de Sociedades para a Prevenção da Crueldade contra Animais) está terrivelmente subfinanciada” desabafa.

A ausência de assistência do Governo é compensada em contrapartida com o programa de voluntariado que ajuda bastante em diversas áreas, inclusive treinando voluntários estrangeiros para guiar os visitantes de forma que possam aproveitar melhor o tour na língua materna.

“Dinheiro ou melhor, financiamento é sempre um problema e o outro obstáculo é garantir a presença de muitos visitantes, para que possamos gerar renda suficiente para cuidar de todos os nossos animais e funcionários e economizar dinheiro para futuros projetos”. 

Passado triste, final feliz

Questionada sobre quais seriam seus sonhos, Lara lista uma série de tópicos que seriam a concretização dos seus desejos, dentre eles: 

Lara Mostert.

“sonho que milhões de hectares de terra sejam doados aos animais, que metade de todos os impostos que pagamos aos nossos governos corruptos seja usado para o bem-estar animal, que criminosos ambientais e políticos corruptos vão para a prisão (onde pertencem) e que eu viva por muitos anos para que eu possa continuar lutando pelos direitos dos animais, que o nosso trabalho árduo possa tocar o coração de um amante dos animais, que nos ajudarão a continuar ‘Criando finais felizes para histórias tristes’ nosso slogan”.

Lara Mostert – 48 anos (ativista sul africana)
Para voluntariado nos santuários: [email protected]

Por André Araújo

Fonte: Razões para Acreditar

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