Estudante de biologia protege ouriço-cacheiro e evita captura do animal ameaçado por ‘fake news’

Estudante de biologia protege ouriço-cacheiro e evita captura do animal ameaçado por ‘fake news’
Desinformação é a principal ameaça ao ouriço-cacheiro: vizinhos queriam capturar o animal. — Foto: Nayra Avinte Vieira/VC no TG

Um assunto sempre em pauta são as fake news, boatos frutos da desinformação que são compartilhados em massa e provocam uma série de problemas. Por vezes, essas “simples” notícias ameaçam vidas. Entre as vítimas estão espécies da fauna brasileira, como os ouriços.

Por acaso já te contaram que esses mamíferos lançam espinhos contra humanos e outros predadores? Pois bem, essa característica não condiz com a realidade do animal que, na verdade, utiliza o corpo somente como instrumento de defesa. “Os ouriços são animais totalmente inofensivos e muito lentos que, quando se sentem ameaçados, se defendem eriçando os espinhos. É nesse momento que os cães e outros predadores os mordem e são feridos. Ou seja, os ouriços não lançam espinhos”, reforça o biólogo Rafael Mana.

A espécie é inofensiva e não ‘lança’ espinhos; o corpo é usado como defesa contra predadores. — Foto: Nayra Avinte Vieira/VC no TG

Graças às informações disponíveis sobre a espécie em livros e na internet a jovem Nayra Avinte Vieira conseguiu mudar o destino de um ouriço-cacheiro (Coendou prehensilis) ameaçado pela vizinhança. A estudante de biologia flagrou o animal no alto de uma árvore, em frente à casa onde mora em Óbidos (PA), e não só garantiu registros da espécie, como também a sobrevivência do mamífero.

“Fiquei a tarde toda observando o comportamento do ouriço, que deixou pedaços de frutos no chão e ficou um bom tempo dormindo. Ao anoitecer pesquisei a respeito dele, entrei em contato com o setor de Mastozoologia da Universidade Federal de Alagoas para que eles pudessem identificar o animal e tirei várias dúvidas sobre a espécie. No dia seguinte, a primeira coisa que fiz foi conferir se ele ainda estava na árvore. Assim que o avistei, os vizinhos logo apareceram querendo capturá-lo pois, de acordo com eles, o pobre animal poderia lançar os espinhos sobre nós”, conta.

“Eu os impedi e falei que o ouriço não oferecia nenhum risco, que essa história de lançar espinhos não passava de um mito. Enfim, meus vizinhos já não temiam mais o animal, apenas o admiravam. Não os culpo, afinal, eu também sempre ouvi esse boato”, lembra.

A espécie é arborícola e de hábitos noturnos, por isso, passa o dia descansando na copa das árvores. — Foto: Nayra Avinte Vieira/VC no TG

O que Nayra não imaginava, porém, era ter que vigiar a árvore por mais tempo. “No período da tarde, uma pessoa que estava visitando minha vizinha viu o animal na árvore e quis apedrejá-lo. Eu estava sentada na varanda e pude intervir: repreendi falando que não podia fazer aquilo, que se tratava de um animal inofensivo e indefeso. Enfim, ele compreendeu e se afastou”, revela a estudante, que no dia seguinte se tranquilizou ao perceber que o mamífero havia seguido para a mata. “Fiquei feliz por ele ter retornado ao habitat com segurança. A desinformação acaba por vitimar milhares de animais todos os dias, assim como as crendices, passadas de geração em geração”, diz.

A observadora levou outro susto ao perceber que as pessoas procuravam pelos espinhos caídos para usar em rituais ou como remédios para dor de dente. Tamanho incômodo em notar o quão desconectadas as pessoas estão da natureza serviu de incentivo para apostar em uma paixão antiga. “Desde criança tive um amor enorme pelos animais e pela natureza. Hoje curso Ciências Biológicas, meu curso dos sonhos que me abriu os olhos para muita coisa”.

Todo organismo tem seu papel na natureza, todo ser tem sua importância, seja ele um fungo, um roedor, um pássaro. E é essa noção que falta nas pessoas para que possamos viver em harmonia com a natureza
— Nayra Avinte Vieira, estudante

O nome popular da espécie é inspirado no formato de “cacho” que aparenta quando está dormindo. — Foto: Nayra Avinte Vieira/VC no TG

Ouriços do Brasil

De acordo com o biólogo Rafael Mana existem oito espécies de ouriços no Brasil, sendo duas mais conhecidas e com maior distribuição geográfica: Coendou prehensilis (distribuído por todo o território brasileiro e por outros países da América do Sul) e Coendou spinosus (distribuído da Bahia até o Uruguai).

“Elas são conhecidas popularmente como ouriço-cacheiro graças à forma como ficam quando estão descansando sobre os galhos das árvores, parecendo um ‘cacho’. Quase todas as espécies brasileiras levam esse nome”, conta.

As demais espécies: C. baturitensis, C. insidiosus, C. melanurus, C. nycthemera, C. roosmalenorum e C. speratus, possuem uma distribuição bem menor pelo território nacional

C. spinosus tem uma pelagem com coloração mais voltada para o castanho escuro. — Foto: Rafael Mana/Arquivo Pessoal

De hábitos noturnos, os ouriços passam o dia todo descansando no topo das árvores. “Durante a noite, ao se deslocarem de uma árvore para outra, podem descer ao solo, momento em que são atacados pelos cães domésticos e outros predadores”, ressalta o biólogo, que destaca a facilidade de encontrar a espécie em condomínios e centros urbanos.

Com orelhas curtas e uma cauda preênsil, de comprimento quase igual ao tamanho do corpo, a espécie pesa de dois a quatro quilos e pode medir até 60 centímetros. “A pelagem do dorso pode variar de preta, cinza-amarelada ou castanho-amarelada e o ventre varia de amarelo à marrom-acinzentado. Os pelos rígidos, popularmente chamados de espinhos, são utilizados para a proteção e os pelos longos e finos escondem os espinhos”.

No cardápio dos ouriços constam folhas, flores, frutas e cascas de árvores. “Graças à dieta, são disseminadores de sementes e possuem grande importância para a regeneração e recuperação das áreas florestais degradadas”, completa Mana.

O C. prehensilis é mais esguio, com o focinho mais claro e os pelos mais pretos. — Foto: Rafael Mana e Nayra Avinte

Não confunda

O biólogo reforça as diferenças entre os dois ouriços mais comuns no Brasil, características úteis para identificar as espécies. “O C. prehensilis é bem mais escuro, com pelagem variando do preto ao cinza escuro, e seus espinhos são mais claros, com coloração mais bege ou palha. São mais esguios e compridos e a coloração do focinho é mais clara. Já o C. spinosus tem uma pelagem com coloração voltada para o castanho escuro ou marrom-acinzentado e os espinhos são amarelos com pontas pretas. É mais robusto e pesado”, explica.

Por Giulia Bucheroni

Fonte: G1

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