Ética e reciprocidade

“Humanos são seres capazes de projetar suas ações segundo parâmetros
 éticos. Isso significa que eles podem buscar justificar o que fazem de
acordo com algum princípio considerado válido para fundamentar as
ações de qualquer agente moral. O curioso é que nem sempre conseguimos
entender de onde vem a ideia de que devemos tomar cuidado quando
agimos, porque nenhuma ação nossa é gratuita ou inocente.
Agir implica mover, desencadear, produzir algo novo.”
(Hannah Arendt, A condição humana)

Uma das explicações mais comuns para o fenômeno ético é a necessidade humana de dar e receber. Nesse sentido, a ação ética teria como motivação a expectativa de que o que fazemos ao outro um dia nos seja feito (regra de ouro). Por isso, ética e reciprocidade costumam ser tratadas de modo conexo. Somos éticos porque somos capazes de responder positivamente ao bem que nos fazem. Não somos éticos quando não somos capazes de responder ao bem com o bem e, ainda pior, quando respondemos ao bem com um malefício contra aquele que nos fez bem, ou a comunidade na qual vivemos.

O problema de julgarmos que ética é sinônimo de reciprocidade é que deixamos de fora da comunidade moral os seres incapazes de retribuir. Não me refiro apenas aos animais ou plantas, ecossistemas ou objetos naturais. Refiro-me também aos humanos incapazes de compreender que devem tratar bem não apenas os que são seus semelhantes (parentes, vizinhos, amigos), mas também qualquer outro ser vivo capaz de sofrer dano, dor e morte com seus atos.

Bebês, crianças, adolescentes, senis, sequelados por doenças degenerativas da consciência são humanos incapazes de retribuir os benefícios recebidos. Nem por isso os maltratamos, ou defendemos que sejam negligenciados, explorados, abusados. Pelo contrário: nosso senso ético nos diz que a condição de vulnerabilidade na qual se encontram é exatamente a que mais requer respeito moral.

Por sermos capazes de respeitar o bem próprio dos seres em condições vulneráveis ao dano, à dor e à morte é que evidenciamos nossa natureza moral. Eles não podem retribuir o bem que fazemos a eles. Mas podem sofrer todo tipo de mal. Nosso dever moral é protegê-los dos nossos atos e empreendimentos, quando os ameaçam, e defendê-los dos atos e empreendimentos de terceiros, quando os ameaçam de dano, dor, sofrimento e morte.

Tudo o que fazemos aos seres vulneráveis não visa obter deles nenhum ganho. Em nome do bem que é próprio deles é que os defendemos moralmente. Isso se aplica a todo e qualquer ser vivo capaz de sofrer dano, dor, sofrimento e morte em decorrência das ações de agentes morais. A racionalidade nos responsabiliza. A incapacidade deles para defenderem-se das agressões os vulnerabiliza. Ética tem a ver com altruísmo moral, não com interesses do tipo toma-lá-dá-cá.

Em vez de associarmos ética com reciprocidade, seria melhor pensá-la vinculada à vulnerabilidade. Assim podemos entender por que no fundamento da ética sempre está a ideia da igualdade. O que nos iguala aos animais e às plantas não é nosso aspecto físico, nem nossas habilidades mentais, é nossa vulnerabilidade ao dano, dor, sofrimento e morte causados por interesses egoístas de outros agentes morais.

Fonte: ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais


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Olhar Animal – www.olharanimal.org


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