Histórico clínico mostra que chimpanzé Black comeu fezes em possível solidão no zoo e já foi medicado por estresse

Histórico clínico mostra que chimpanzé Black comeu fezes em possível solidão no zoo e já foi medicado por estresse
Black e Dolores interagem em santuário de Sorocaba — Foto: GAP/Divulgação

O histórico clínico do chimpanzé que foi transferido do Parque Zoológico Municipal “Quinzinho de Barros” para o Santuário de Grandes Primatas, em Sorocaba (SP), em maio de 2019, mostra que o primata precisou ser medicado por causa de estresse, em 2012, e chegou a comer as próprias fezes, em 2013, durante período em que esteve no zoo. O G1 teve acesso ao registro do tratamento animal no zoológico desde 1981.

O histórico revela que o primeiro exame realizado no animal foi de fezes em 1981. Nos anos seguintes, em abril de 1985, o registro mostra que o animal estava “um pouco triste” e “com o nariz escorrendo”. Já nos dias seguintes do mesmo mês estão as anotações “animado”, “esperto” e “comendo”.

Do ano 1988 o documento parte para 28 de fevereiro de 2001. Na ocasião, o macaco estava com diarreia e recebeu tratamento. Já em 2006, o histórico mostra que o animal estava apático e com secreção nasal. Os sintomas foram tratados, assim outra diarreia em maio daquele ano.

Em 2009, o documento cita a ex-companheira Rita com sintomas também de diarreia e o Black sem alteração clínica.

Documento descreve que chimpanzé Black ingeriu fezes durante uma semana de abril de 2013, no zoo de Sorocaba, por possível solidão. — Foto: Reprodução

No ano seguinte, em 15 de junho de 2010, o Brasil enfrentou a Coreia do Norte pela Copa do Mundo, na África do Sul, e venceu a partida por dois gols a 1. O histórico mostra que devido à partida e aos fogos de artifício foi administrada uma dose de diazepam, remédio usado para diminuir a ansiedade.

A prefeitura explicou que não é comum o procedimento e que, na ocasião, houve grande número de fogos de artifício.

“Visando o bem estar do Black, foi dado um comprimido por via oral. A prática também é realizada em cães domésticos que se assustam com os rojões”, escreveu.

Ainda em 2010, o animal foi contido para avaliação odontológica. O chimpanzé permaneceu estável durante todo o procedimento, ainda segundo o documento.

Na sequência, em 2012, o tratador relatou espirros e tosse pela manhã do dia 5 de setembro. A provável causa descrita foi “alergia”, que também foi tratada. Em dezembro, o chimpanzé não apresentava mais tosse e cansaço: “Está ativo, sem incômodos, últimos dias de amoxicilina”, registrou.

Jogo da seleção brasileira teria estressado o animal em 2010. — Foto: Reprodução

Ingerindo fezes

Contudo, em abril de 2013 o animal ingeriu fezes durante a semana, conforme mostra o documento. Segundo a ficha clínica, “possível problema de comportamento (solidão, estresse)”. Foi realizada a vermifugação. Quatro depois o problema continuou.

“Em 2013 foi relatado episódio de coprofagia. Foi realizado exame de fezes e nada foi constatado. Mesmo assim, a vermifugação foi realizada e o quadro não ocorreu mais”, explicou em nota.

Em 16 de novembro do mesmo ano, o tratador relatou a presença de sangue nas fezes do chimpanzé. Mesmo assim, ele estava com o comportamento ativo. As fezes foram coletadas para exames.

No outro dia não havia mais sangue e até 2015 teriam sido tratadas secreções nasais. Entre 2016 e 2017 foi tratada uma possível lesão na face.

Recinto do chimpanzé Black no zoológico em Sorocaba. — Foto: Anderson Cerejo/TV TEM

Tratamento em 2019

O primeiro exame realizado em 2019 foi em 19 de fevereiro. O registro clínico não apontou problemas graves e afirmou que foram feitos cuidados com as unhas do animal.

Em março, foi feita a avaliação física e coletada a urina, que foi encaminhada para exame em laboratório.

No dia 2 de abril o documento mostra que houve o aumento da oferta de líquidos. Um parecer veterinário do zoológico do dia 3 de abril afirmou que os últimos exames tinham apontado uma nefropatia glomerular – doença crônica e degenerativa que pode levar o animal ao óbito.

“Com isso exposto, deve-se ponderar se os riscos inerentes à transferência de um chimpanzé idoso justificam o propósito de realocação”, afirmou o veterinário no documento.

O mesmo exame foi feito pelo Santuário, sendo cinco no mesmo laboratório, mas nenhum apontou o problema.

A Clínica Safari, que fez o exame e apontou alterações, disse que ” interpretação dos resultados depende não apenas do resultado dos exames laboratoriais”, assim como jejum alimentar ou hídrico, estresse e tipo de alimentação podem influenciar.

Ainda segundo o laboratório, o resultado elevado não implicava necessariamente em nefropatia, podendo ser um pico pontual.

“O correto, nestes casos, é acompanhar com exames posteriores, a fim de se detectar se esse anormalidade se mantém.”

A última anotação do ano foi em 6 de maio, quando o animal foi transferido por ordem judicial.

Chimpanzé transferido de zoo tem companheira em santuário em Sorocaba. — Foto: GAP/Divulgação

Nova companheira

O chimpanzé Black não vive mais sozinho e divide o recinto do Santuário, desde setembro, com uma companheira: a fêmea Dolores, de 23 anos.

Segundo o santuário, Black, de aproximadamente 50 anos, chegou ao local obeso e com alguns dentes quebrados, mas atualmente se encontra adaptado à rotina, está ativo e não apresenta nenhum problema de saúde. Em julho, ele começou a ter contato com outras fêmeas.

Vídeo: Chimpanzé transferido de zoo tem companheira em santuário em Sorocaba.

Dolores vive no santuário desde 2005 e foi resgatada de circo. Ainda conforme o santuário, a fêmea tem um temperamento mais agitado provavelmente por conta dos traumas vividos nos picadeiros, mas está acostumada a viver com outros chimpanzés e tem paciência com Black.

“A interação vem sendo bastante positiva e saudável para os dois e Black demonstra estar muito contente com a nova companheira”, comunicou o Santuário em nota, anteriormente.

Resgatado de circo

Santuário dos macacos fica na zona rural de Sorocaba. — Foto: Arquivo pessoal

Black chegou ao zoo de Sorocaba quando foi resgatado de um circo. A última fêmea com quem o chimpanzé teve contato foi a Rita, que morreu em 2010. Desde então, ele vivia sozinho no recinto do zoológico de Sorocaba.

O local onde Black está é uma propriedade particular, mantida por uma família fundadora, e é afiliado ao Great Ape Project/Projeto dos Grandes Primatas (GAP).

Atualmente, ele vive em uma área com grama, uma estrutura de três andares e com um cesto panorâmico. O animal é considerado idoso e realiza exames regularmente para acompanhamento da saúde.

A falta de convívio com a espécie foi um dos argumentos do pedido de transferência, feito pela Agência de Notícias de Direitos Animais (Anda) e pela Associação Sempre Pelos Animais, de São Roque (SP).

Transferência

Chimpanzé Black no zoo de Sorocaba. — Foto: Anderson Cerejo/TV TEM

A transferência de Black era discutida na Justiça há mais de um ano. Em primeira instância, a mudança foi negada, mas a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo foi favorável.

Na terça-feira (29), a prefeita de Sorocaba se reuniu com o grupo de ONGs e ativistas. Segundo a prefeitura, o objetivo não era a busca de um acordo, e sim uma apresentação do caso a Jaqueline Coutinho (PDT), que assumiu como chefe do Executivo com a cassação de José Crespo.

A prefeitura afirmou ainda que aguardará o laudo conclusivo da perícia, que indicará qual deverá ser a melhor decisão visando o bem estar do Black. O perito ainda será nomeado pela Justiça.

Na época da transferência do chimpanzé, cerca de 12 manifestantes chegaram a fazer uma manifestação no zoológico para tentar impedir a entrada do caminhão que faria o transporte.

Por Carlos Dias 

Fonte: G1

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