Liberdade de expressão: ONG leva ao Supremo debate sobre campanha contra crueldade com animais

Liberdade de expressão: ONG leva ao Supremo debate sobre campanha contra crueldade com animais
Foto: REUTERS / Rodolfo Buhrer

Uma ONG de proteção de direitos dos animais levou ao Supremo Tribunal Federal a discussão sobre os limites da liberdade de expressão nas campanhas que denunciam crueldade e maus-tratos contra animais.

Sob relatoria da ministra Rosa Weber, o Recurso Extraordinário com Agravo 1.408.649 foi apresentado pela organização Mercy For Animals contra uma decisão da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que a proibiu de fazer uma campanha em que mencionava a marca Sodiê Doces pelo uso de ovos de granja com sistema de confinamento, um método que, segundo especialistas, impõe sofrimento às galinhas.

A MFA foi condenada ao pagamento de R$ 50 mil por dano moral à empresa. Na prática, representantes da organização temem que, caso seja mantida a decisão, abra-se um precedente de censura à liberdade de expressão nas campanhas das organizações de causa.

A disputa entre a organização e a confeitaria começou em 2018, quando a Mercy For Animals publicou uma campanha (com site e vídeos) contra a prática da empresa. O texto principal da ação era: “Você consome ovos de galinha que passam quase a vida inteira confinada em gaiolas minúsculas? Se você frequenta a Sodiê é provável que a resposta seja sim. Enquanto outras líderes de mercado como Amor aos Pedaços, Ofner, Brunella, Starbucks e diversas outras empresas já se comprometeram publicamente a eliminar as gaiolas de suas cadeias de suprimentos, a Sodiê ainda não o fez. Essa prática é uma das piores causas de sofrimento animal e algo que nenhuma empresa deveria permitir.”

Em maio de 2021, a 4ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP entendeu que houve lesão à reputação da confeitaria. “O fato é que o vídeo vinculava a marca da autora com a prática de confinamento de aves, maus tratos e negligência, confundindo o público, o que maculou sua imagem comercial perante seus consumidores, e por outro lado beneficia comercialmente concorrentes, que segundo veicula a requerida, assumiram o compromisso na linha de sua visão institucional”, disse o então relator do caso, desembargador Alcides Leopoldo.

A defesa da Mercy For Animals, feita pelo escritório Furriela Advogados, acionou então o Supremo. Entre os argumentos, sustentaram que a decisão fere as garantias de liberdade de associação e manifestação de pensamento, além da proteção ao consumidor e ao meio ambiente.

A ministra Rosa Weber recebeu o recurso e, em novembro de 2022, o negou. Na ocasião, seguiu o que está firmado na Súmula 279 do STF, ela compreendeu que “para ultrapassar o entendimento do Tribunal de origem, seria necessário reexaminar os fatos e as provas dos autos, o que não é cabível em sede de recurso extraordinário”. A MFA recorreu novamente com agravo de instrumento. Não há previsão para o julgamento da ação, que segue com a presidente do Supremo.

Afronta à Constituição

A organização destaca um parecer do jurista e professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Daniel Sarmento. À revista eletrônica Consultor Jurídico, ele defendeu que o julgamento do recurso deve ser iminente. “É uma questão de princípio, proteger a liberdade de expressão, inclusive para criticar práticas comerciais. Além disso, o tema da crueldade com animais tem grande importância ética, e merece apreciação pelo Supremo.”

Para Sarmento, o exercício da liberdade de expressão quando voltado a fazer campanha contra o sofrimento animal não pode ser considerado abusivo. “A liberdade de expressão engloba o direito de fazer críticas contundentes relacionadas a temas de interesse social, ainda que elas abalem a reputação ou causem prejuízo a quem for criticado. Não há dúvida de que o sofrimento animal é tema de grande interesse público, inclusive porque sua proibição foi expressamente determinada pela Constituição de 88, no artigo 225, inciso VII.”

Segundo ele, a decisão do TJ-SP impôs censura judicial à Mercy For Animals. “O acórdão objeto do recurso extraordinário ofendeu clara e gravemente a Constituição Federal.”

Sarmento diz que o acórdão violou a liberdade de expressão e o direito à informação, que é especialmente protegido quando envolve consumidores. “A decisão busca impedir o acesso do consumidor à informação relevante, referente ao fato de os alimentos da Sodiê terem sido produzidos a partir de ovos obtidos com grande sofrimento animal”, concluiu.

Leia o acórdão do TJ-SP

Leia a decisão da ministra Rosa Weber

Por Renan Xavier

Fonte: Jornal do Brasil


Nota do Olhar Animal: Sobre a tentativa de calar as vozes que se levantam contra o sofrimento imposto aos animais, claro que somos totalmente contrários a este tipo de censura, que quer esconder as atrocidades cometidas contra estes seres vulneráveis. Já sobre o que a ONG Mercy for Animals quer divulgar, entendemos que a forma como os animais são tratados é terrível e inaceitável, mas é apenas um AGRAVANTE em relação ao dano maior, naturalizado pela indústria “da morte” e aceito por muitas pessoas, que é o ABATE. O sofrimento imposto cotidianamente aos animais no transporte ou nas “linhas de produção” de carne, ovos, etc. não é menos repulsivo e imoral do que a violação do principal interesse dos animais, que é o interesse em viver. A produção não tem que dar melhores condições aos animais à espera da morte. Ela deve, sim, ser banida. O paladar dos humanos não é mais importante que a vida dos animais.

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