Malefícios do leite bovino para a saúde humana – Parte 2

Curso de Extensão

Implicações éticas, ambientais e nutricionais do consumo de leite bovino – uma abordagem crítica

[Auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas – UFSC – 14/06/13]

Sinopse da Quinta Sessão – Malefícios do leite bovino para a saúde humana – Parte 1

Vimos, na sessão anterior, as principais mazelas e doenças associadas à ingestão do leite bovino por humano, por conta de seus componentes. Tratamos do mito do cálcio em relação à prevenção da osteoporose, da lactose e da ausência ou deficiência de lactase, dos males da indigestão do leite e laticínios em crianças e adultos, da dieta racialista e da herança genética caucasiana, da alergia e da intolerância ao leite e aos laticínios, das proteínas e do opiáceo betacasomorfina e das reações emocionais e alguns distúrbios mentais (autismo, esquizofrenia e hiperatividade), e do diabetes, males resultantes da ingestão do leite bovino.

Malefícios do leite bovino para a saúde humana – Parte 2

Sexta Sessão – 14/06/13 – Auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas – UFSC

Dr. phil. Sônia T. Felipe

Osteoporose

A influência da propaganda massiva para difundir o consumo humano de leite bovino, especialmente como alimento para prevenir a osteoporose, tem levado muitas pessoas, especialmente as mulheres ocidentais, a aumentarem a ingestão de leite sem que os resultados confirmem sua expectativa. Ao contrário do que se costuma crer, quanto mais leite uma mulher ingere para evitar a perda de cálcio nos ossos na menopausa, mais intensa será essa perda.

As pesquisas mostram que o cálcio na dieta não tem um papel tão amplo na determinação da densidade óssea quanto a indústria de laticínios o faz crer. Robert Cohen, no livro, Leite: alimento ou veneno?, declara: “[…] produtos laticínios quase com certeza são responsáveis pela osteoporose. [O]s países com os índices mais altos de osteoporose são os escandinavos, consumidores de leite.”[Cf. Felipe, Galactolatria , p. 177]. Justamente os países com os índices mais elevados de pessoas tolerantes à lactose. Isso indica que ser tolerante à lactose não é sinônimo de poder entregar-se com inocência ao consumo de leite ou de laticínios.

T. Colin Campbell, o cientista mais reconhecido no mundo por pesquisar a vinculação entre consumo de caseína e câncer, em seu livro The China Study (O Estudo da China ), analisa a questão da ingestão de leite como forma de evitar a osteoporose. Em suas palavras:

Americanos consomem mais leite de vaca e laticínios per capita do que a maioria da população mundial. Logo, americanos deveriam ter ossos maravilhosos, não? Infelizmente, não. Um estudo recente mostrou que as mulheres americanas com cinquenta anos ou mais têm um dos índices mais altos de fratura da bacia do mundo. Os únicos países com índices mais elevados são os da Europa e do Pacífico Sul (Austrália e Nova Zelândia) onde se consome ainda mais leite do que nos Estados Unidos. [Apud Felipe, Galactolatria , p. 177].

O fundador do Comitê dos Médicos por uma Medicina Responsável, Dr. Neal Barnard, escreve num dos Boletins sobre a sensação ilusória de segurança formada nas consumidoras de leite com relação à manutenção da massa óssea.

Em mulheres na menopausa, a maioria dos estudos constata um efeito pequeno da ingestão do cálcio sobre a densidade dos ossos e da coluna. Também há pequeno ou nenhum efeito nos ossos da bacia, onde podem ocorrer fraturas sérias. Alguns estudos mostram um efeito da ingestão do cálcio na densidade dos ossos do antebraço.[ Apud Felipe, Galactolatria , p. 177].

A Revista Americana de Nutrição Clínica divulgou a boa notícia de que o cálcio da couve e das folhas verdes em geral tem uma disponibilidade de absorção maior do que o cálcio do leite bovino. Além das folhas verdes e da couve, segundo a American Journal of Clinical Nutrition, “feijões também são ricos em cálcio. Sucos de laranja fortificados suplementam uma grande quantidade de cálcio de modo palatável.” Por outro lado, alerta Barnard, o cálcio “é apenas um, entre muitos fatores que afetam os ossos. Outros fatores incluem hormônios, fósforo, boro, falta de exercício, cigarro, álcool e drogas.”[Cf. Felipe, Galactolatria, p. 178].

Conforme visto na Quarta Sessão (Galactopoese), não adianta ingerir uma grande quantidade de cálcio sem uma quantidade proporcional de magnésio, requerido para sua absorção e fixação nos ossos. Entre as fontes vegetais ricas em magnésio estão os feijões, as folhas verdes, couves, repolhos, cereais integrais e suco de laranja fortificado. Fontes vegetais de cálcio incluem as folhas verdes, algas, amêndoas, aspargos, brócolis, couves, repolhos, aveia, feijões, sementes de gergelim, queijo tofu e salsa [Cf. Felipe, Galactolatria , p. 178]. Por fim, alerta Barnard, de nada adianta “ingerir grandes quantidades de cálcio e ao mesmo tempo manter uma dieta rica em proteínas, especialmente as de origem animal, pois elas reforçam a perda de cálcio.” [Cf. Felipe, Galactolatria , p. 178].

Joseph Keon explica o processo de perda de cálcio pelos ossos, na presença de acidez derivada do excesso de proteína, nos seguintes termos:

Num esforço para restaurar o estado alcalino o corpo mobiliza cálcio, desafiando as células osteoclastos a desmancharem os ossos para liberar o cálcio. Se isso ocorre uma vez, ou outra, não deve preocupar. O problema é que muitos de nós estamos consumindo regularmente uma dieta altamente produtora de acidez, de modo que nosso corpo está literalmente sofrendo continuamente uma perda fluente de cálcio. Devido a essa resposta compensatória por um período prolongado, o conteúdo mineral dos ossos e a massa óssea começam a diminuir. Com a idade, a habilidade de nosso corpo de excretar ácido diminui, devido ao declínio da função renal. [Apud Felipe, Galactolatria , p. 178].

A insistência dos pesquisadores que realizam estudos sobre os malefícios da proteína de origem animal em condenarem também o leite bovino, mais uma vez é explicada por Keon. A proteína em excesso, mesmo que não seja de origem animal, é produtora de acidez e leva à perda de cálcio na proporção vista acima de 1 g de proteína para 1.5 mg de cálcio. Mas a proteína de origem animal é mais devastadora, por conter um “nível mais elevado de aminoácidos sulfatados, cuja metabolização resulta em ácido sulfatado.”[Cf. Felipe, Galactolatria , p. 179].

Por criar “um ambiente ácido”, o processo de extorsão do cálcio dos ossos pelos osteoclastos é maior. Na condição oposta, “alimentos vegetais contêm um bom suprimento de minerais que efetivamente neutralizam a acidez da proteína animal.”[Cf. Felipe, Galactolatria , p. 179]. Mesmo assim, contabilizando-se o total de proteínas ingeridas, segundo o Calcified Tissue International , ”dietas onívoras podem induzir a um desequilíbrio do cálcio mais do que as dietas vegetarianas, menos acidogênicas.”[Cf. Felipe, Galactolatria , p. 179].

A superioridade das dietas veganas (baseadas em alimentos integrais de origem estritamente vegetal) sobre as dietas baseadas em alimentos de origem animal tem sido reconhecida pela Organização Mundial da Saúde nos últimos anos. Em uma de suas declarações, podemos ler: “dados acumulados indicam que o efeito adverso da proteína, em particular da animal (mas não da proteína vegetal) pode ultrapassar o efeito positivo da ingestão de cálcio no balanço final.”[Cf. Felipe, Galactolatria , p. 179].

Em abril de 2012 o Conselho Regional de Nutrição da 3ª. Região (São Paulo e Goiás) divulgou nota reconhecendo as dietas baseadas exclusivamente em alimentos de origem vegetal (veganas) como saudáveis, desde que sejam respeitadas as necessidades dos variados nutrientes. Um passo que segue a recomendação da OMS.

Exercícios, por sua vez, “podem ser mais importantes para manter a força dos ossos do que o aumento da ingestão de cálcio”, afirma Keon [Cf. Felipe, Galactolatria , p. 179]. A inclusão de alimentos que produzem reação alcalina, tais quais frutas frescas acrescidas aos cereais matinai, ou legumes variados, preparados com molho de tomate acrescentados às massas, afirma Keon, “garantem a base necessária para bloquear o potencial ácido daqueles alimentos, fazendo com que auxiliem a saúde dos ossos.”[Cf. Felipe, Galactolatria , p. 179].

Nos países onde o consumo de leite é baixo, as doenças creditadas no ocidente à deficiência na ingestão de leite e laticínios, tais quais a osteoporose, são raras. Nesse sentido, afirma Woodford, “é difícil argumentar que o leite seja essencial para os adultos [ sic ]. Ele é fonte certa de muitos nutrientes valiosos, mas há alternativas.” [Cf. Felipe, Galactolatria , p. 179]. O autor recomenda aos leitores consultarem o sítio www.hsph.harvard.edu, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Harvard, se quiserem ter uma surpresa sobre o que os pesquisadores pensam a respeito do leite bovino na dieta humana.

Woodford chama a atenção para o fato de haver enorme resistência na comunidade médica a qualquer descoberta que derrube as hipóteses sobre as quais os tratamentos são fundados. Um exemplo disso foi a descoberta dos australianos, Dr. Robin Warren e do Professor Barry Marshall, de que quase 80% das úlceras duodenais eram causadas pela Helicobacter pilori . Embora os cientistas houvessem realizado essa descoberta em 1979, seu feito só foi reconhecido em 2005, quando lhes foi concedido o Prêmio Nobel [Cf. Felipe, Galactolatria , nota 468]. Quem nos garante que o mesmo não esteja ocorrendo com as doenças hoje associadas à ingestão do leite bovino por pessoas resistentes à lactose ou alérgicas às proteínas dele?

Diabetes – peptídeos e reação autoimune do pâncreas

Conforme visto, a digestão mal feita da caseína, a proteína mais abundante do leite, forma peptídeos que entram no sangue e chegam a passar a barreira sanguínea do cérebro, ligando-se aos receptores de opioides naturais dele. Também vimos que o leite bovino contém a proteína A1 ou A2. A primeira é de difícil digestão. Dessa má digestão resulta a betacasomorfina-7, BCM7.

As moléculas da betacasomorfina-7 são similares às moléculas produtoras de insulina do pâncreas. Nos diabéticos, ocorre inicialmente uma defesa do organismo contra a betacasomorfina-7. Mas, de algum modo, o organismo passa a confundir as moléculas estranhas BCM7 com as células produtoras da insulina. A partir desse ponto, ele dispara ataques contra suas próprias células, causando falência da função e originando o diabetes [Cf. Felipe, Galactolatria , p. 180]. Campbell explica o diabetes nos seguintes termos:

No diabetes Tipo 1 o pâncreas não pode produzir insulina adequadamente, porque as células que a produzem foram destruídas. Esse é o resultado do corpo atacando a si mesmo, tornando o diabetes Tipo 1 uma doença autoimune. […] No diabetes Tipo 2, o pâncreas produz insulina, mas ela não exerce sua função. Isso é chamado de resistência à insulina, quer dizer, assim que a insulina começa a ‘dar ordens’ para despachar o açúcar no sangue, o corpo não lhe dá atenção. A insulina resulta ineficaz, e o açúcar no sangue não é metabolizado corretamente. [Apud Felipe, Galactolatria , p. 180].

A BCM7 é hidrofóbica, quer dizer, repele a água. Ela tem uma configuração tão pegajosa que chega a grudar-se em superfícies de plástico e vidro [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 180]. Suas moléculas são grandes, o que deveria impedir sua passagem da mucosa intestinal para a corrente sanguínea, pelo menos em adultos saudáveis. Mas, admite Woodford, parece que há muitas exceções e essas dependem da idade, saúde e herança genética particular de cada indivíduo. “Algumas pessoas sofrem da síndrome do trato digestório frouxo, que permite a passagem fácil da BCM7 e de outros peptídeos para a corrente sanguínea. Um termo mais formal seria ‘permeabilidade do trato digestório’, embora o termo anterior pareça ser usado mais amplamente. O termo trato digestório é sem dúvida mais acurado, pois inclui tanto o estômago, quanto os intestinos.”[Cf. Felipe, Galactolatria, p. 180].

O intestino delgado, com estrutura vilosa e microvilosa em suas paredes, produz enzimas que ajudam a desmanchar os alimentos. Se ele sofre algum dano, explica Woodford, “o processo digestório sofre interferência”, tanto pelo fato de que “há diminuição de enzimas”, quanto “porque a área de absorção fica reduzida”. Além disso, prossegue o autor, “a área danificada pode não ficar insensível aos peptídeos do glúten, do leite, ou de outras fontes proteicas. Muito provavelmente, celíacos têm um trato digestório permeável.”[Cf. Felipe, Galactolatria, p. 180]. Passando do trato intestinal diretamente para o sangue, “com mais facilidade até do que os peptídeos do glúten, a betacasomorfina-7 se liga a 45 partes diferentes do cérebro”, conforme estudos realizados por Dr. Sun e colegas da Universidade da Flórida [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 181].

Autismo e esquizofrenia

As pesquisas clínicas têm permitido intervir na dieta para aliviar os sintomas de doenças neurológicas e mentais. Uma dúvida ainda precisa ser elucidada com relação à associação da ligação de peptídeos BCM7 e do glúten com receptores de opioides naturais do cérebro. Boa parte dos pacientes com esquizofrenia e autismo parece conseguir alívio dos sintomas quando são retirados de sua dieta alimentos que contêm leite, laticínios e derivados processados da caseína e da lactose. O que ainda não se sabe claramente, esclarece Woodford, é se a betacaseína e o glúten “causam as síndromes do autismo e da esquizofrenia, ou se apenas exacerbam seus sintomas.”[Cf. Felipe, Galactolatria, p. 181]. Keon esclarece: os sintomas clássicos do autismo incluem “introversão, ou recusa de comunicação com outros; autoabsorção; jogos repetitivos; e uma compulsão para movimentos rítmicos tais quais os rodopios. Crianças autistas, com frequência, têm dificuldade de interpretar expressões faciais e manifestações emocionais, e também podem exibir comportamentos furiosos e automutilantes. Muitas crianças autistas não fazem contato visual com seus parentes e cuidadores e algumas podem parar de se comunicar verbalmente. Uma em cada três crianças autistas também sofre ataques de epilepsia.”[Apud Felipe, Galactolatria, nota 475].

A betacasomorfina-7 (da caseína) e a gliadina (do glúten) têm estruturas similares. Segundo Woodford, ambas têm “sete aminoácidos; ambas têm a tirosina seguida da prolina; ambas têm mais duas moléculas de prolina nas posições 4 e 6.”[Cf. Felipe, Galactolatria, p. 181]. Os cientistas referem-se a elas como homólogas, no sentido de que as reconhecem como similares. Tal similaridade parece persistir também no que diz respeito às reações que causam no organismo humano, especialmente certos sintomas vinculados ao autismo, à esquizofrenia e às doenças autoimunes [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 181]. Os médicos recomendam que o paciente se abstenha, tanto da ingestão de leite e laticínios, quanto de cereais que contêm glúten [Cf. Felipe, Galactolatria, p.181]. Terapia abolicionista.

Segundo pesquisas levadas a termo por Reichelt, Shattock, Cade e seus colaboradores Zhongjie Sun e Ann-Mari Knivsberg, “muitos sintomas de doenças neurológicas, quer dizer, de saúde mental pobre, estão relacionados com o que comemos e com o modo pelo qual metabolizamos a comida.”[Cf. Felipe, Galactolatria, p. 182]. Os pesquisadores encontraram similaridade entre os “sintomas do autismo e da esquizofrenia e os conhecidos sintomas causados por opioides que podem formar-se na digestão de certos alimentos, em especial daqueles que contém glúten ou caseína.”[Cf. Felipe, Galactolatria, p. 182].

Talvez não se deva apenas à similaridade estrutural dessas duas moléculas, o fato de elas estarem implicadas nos sintomas daquelas doenças neurológicas, mas ao fato de terem uma atuação conjunta. Segundo Woodford, mais de 85% dos sofredores de autismo e esquizofrenia têm aumento de anticorpos para o glúten e a caseína. Dado que a casomorfina e a gliadina “lutam ombro a ombro”, a reação do corpo é a de tentar livrar-se de ambas, “combatendo algo relacionado a esses peptídeos”.[Apud Felipe, Galactolatria, p. 182]. Por isso, faz sentido, escreve Woodford, que celíacos não tratados também sejam intolerantes ao leite. O tecido viloso de seu trato digestório, impedido de se restaurar na presença do glúten agressor, também fica impedido de produzir a lactase, a enzima que digere a lactose [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 182].

Exames endoscópicos e biópsias de tecidos retirados da mucosa intestinal de crianças sofrendo de autismo revelaram que elas sofrem de hiperplasia nodular do íleo, ou intestino permeável. Os distúrbios digestivos relacionados a esse mal costumam “aparecer ao mesmo tempo que os sintomas do autismo”.[Cf. Felipe, Galactolatria, p. 182].

Por outro lado, mesmo com uma bagagem genética favorável ao surgimento de tais síndromes, analogamente ao que ocorre no quadro do diabetes, das doenças vasculares e do câncer, sabe-se que as doenças não se instalam a não ser quando o gatilho ambiental é acionado, nesse caso, o consumo de determinado alimento em doses elevadas ou em doses menores e contínuas. De qualquer modo, afirma Woodford, referindo-se ao autismo e à esquizofrenia,

[A] síndrome e as condições subjacentes podem bem ser de origem genética, com apenas certos genótipos humanos sendo suscetíveis. No entanto, os sintomas somente aparecem ou são exacerbados quando a BCM7 absorvida nos intestinos passa para a corrente sanguínea, conseguindo, assim, alcançar o cérebro. Desse modo, embora os opioides possam não ser um problema fundamental, eles causam danos irreversíveis em pessoas suscetíveis. [ Apud Felipe, Galactolatria , p.182].

Exames de sangue e urina em pacientes autistas, afirma Keon, revelam um índice muito alto de peptídeos opiáceos. As evidências indicam que os peptídeos que atravessam a parede intestinal e entram na corrente sanguínea provêm do leite de vaca e, em alguns casos, de certos grãos. Assim como a proteína mal digerida do leite (caseína) resulta em peptídeos opiáceos chamados casomorfinas, a proteína do glúten, encontrada no trigo, cevada, centeio e aveia também produz peptídeos quando mal digerida, chamados gliadinas. Segundo Keon, o primeiro cientista a vincular o autismo aos compostos opiáceos foi J. A. Panksepp, em 1979.

Segundo Woodford, o trabalho de J. A. Panksepp foi publicado no Trends in Neuroscience [Tendências na Neurociência], em 1979. “Então, em 1981, Kalle Reichelt e colegas sugeriram que esses opioides surgiriam da quebra incompleta de certos alimentos, em particular dos que continham glúten e caseína. Na sequência, pouco a pouco se acumularam evidências de que muitas pessoas autistas, de fato, têm grandes quantidades de opioides em seu sangue e urina. Também é evidente que uma grande parte das crianças com autismo sofre de um aumento na permeabilidade das paredes do trato digestivo, e essa é a chave para explicar o que está acontecendo.”[Apud Felipe, Galactolatria, nota 486].

As propriedades da casomorfina e da gliadina são as mesmas das drogas opiáceas: sedativas, analgésicas e alucinógenas. Quando entram na corrente sanguínea, atingem o cérebro e conectam-se aos receptores de opioides. Esses receptores são os mesmos afetados pelo uso da heroína ou mesmo da morfina administrada a pacientes hospitalizados. Os efeitos também são os mesmos produzidos por aqueles compostos: alterações na percepção e cognição, nas emoções, no humor e na função dos neurotransmissores [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 183].

Segundo Keon, um estudo realizado pelo Dr. Cade revelou que “80% das crianças autistas e esquizofrênicas avaliadas tinham níveis bem altos de anticorpos anticaseína e antiglúten, indicando que o sistema imunológico estava altamente estimulado, tentando defender o corpo de algum elemento presente nesses compostos.” [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 183]. A responsabilidade do leite bovino por esses transtornos fica evidente quando os médicos suspendem todos os alimentos processados ou preparados com leite e quaisquer de seus derivados. Ao final de três meses, de cada 100 crianças avaliadas, 80 haviam melhorado de forma notável no contato visual, vocalização, hiperatividade, ataques de pânico e automutilação.[Cf. Felipe, Galactolatria, p. 183]. Mais uma vez, terapia abolicionista.

Um sistema digestório vulnerável, com as paredes permeáveis, agredido por constantes inflamações, tais quais as causadas pela doença celíaca, a doença de Crohn, a colite ulcerativa, é mais propício a deixar que os fragmentos mal digeridos da proteína do leite ou peptídeos, tais quais a casomorfina, passem por suas paredes e entrem na corrente sanguínea. Segundo Woodford, os que sofrem dessas lesões têm risco mais elevado de sofrer também de “desordens mentais” [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 183].

Com relação ao autismo e à esquizofrenia, afirma Woodford, “aparentemente a explicação está relacionada aos efeitos opiáceos da betacasomorfina-7. É altamente provável que a betacasomorfina-7 não apenas cause efeitos comportamentais imediatos, mas também afete o modo pelo qual o próprio cérebro se desenvolve.”[Cf. Felipe, Galactolatria, p. 184]. Um estudo realizado na Dinamarca constatou que os “pacientes que sofrem de colite ulcerativa e da doença de Crohn têm um risco maior de sofrer de esquizofrenia.”[ Cf. Felipe, Galactolatria, p. 184]. De acordo com Hulse, 1 milhão de pessoas nos Estados Unidos sofrem da doença de Crohn e de 20 a 25 mil novos casos são diagnosticados a cada ano [Hulse, MCMG, p. 248].

Sob a coordenação do Dr. Alberto Ascherio, da Faculdade de Saúde Pública de Harvard, foi realizada uma pesquisa sobre os fatores associados ao Mal de Parkinson. Segundo aquela equipe de pesquisadores, “o único tipo de alimento que parece ser um fator de risco claramente associado com o Parkinson é o leite”. [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 184]. Um estudo semelhante foi levado a efeito, comparando-se homens norte-americanos e japoneses em Honolulu [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 184]. A conclusão foi a mesma da pesquisa realizada em Harvard: os alimentos de risco associados ao mal de Parkinson são o leite e seus derivados.

Em 1992, a Revista Neuroepidemiology publicou artigo de um grupo de cientistas franceses, liderados por D. Malosse, que relatam uma pesquisa epidemiológica sobre a esclerose múltipla. O consumo de leite foi associado a essa doença por aqueles cientistas [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 184]. Corroborando o resultado do estudo realizado na França, Woodford declara que sua própria investigação baseada na literatura médica e científica o levou a concluir que a esclerose múltipla, o diabetes Tipo 1 e as doenças cardíacas estão presentes em países com uma alta ingestão de leite [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 184].

Crianças são especialmente vulneráveis aos malefícios causados pela impossibilidade de digerir a lactose e a caseína. Quanto mais cedo uma criança for exposta à proteína do leite, tanto mais cedo ocorrerá a resposta autoimune. O diabetes parece contar entre os males decorrentes dessa exposição. Entre crianças alimentadas com fórmulas preparadas à base do leite bovino, o risco de desenvolver o diabetes é 52% maior do que entre bebês não alimentados com elas, conforme estudos realizados na Austrália [Cf. Felipe, Galactolatria, p. 184].

Opiáceos no leite

Mesmo alimentos considerados com maior potencial para causar adicção, açúcar e chocolate, por exemplo, não conseguem ultrapassar o poder dos laticínios. Nos Estados Unidos, os consumidores dispendem uma quantia próxima aos US$ 40 bilhões por ano, somente com o consumo de queijo nacional [Felipe, Galactolatria, p. 185]. O leite de vaca contém narcóticos opiáceos idênticos à morfina. Estudos da morfina encontrada no leite, afirma Keon, “confirmam que ela possui propriedades químicas e biológicas idênticas às da morfina usada como analgésico.”[Felipe, Galactolatria, p. 185]. Essa secreção de opiáceos através das glândulas mamárias tem sido explicada pela necessidade que os pequenos mamíferos têm de retornar para a sucção do leite, a fim de obterem os nutrientes essenciais ao seu desenvolvimento saudável, hipótese acalentada por Keon [Felipe, Galactolatria, p. 185].

A caseína, proteína do leite, é outra fonte de produção de opiáceos chamados exorfinas. Por conta de uma deficiência das enzimas requeridas para a digestão correta da caseína e desintegração das moléculas de gordura do leite, causada pela homogeneização, que as torna tão minúsculas a ponto de poderem passar ilesas pelos ácidos digestivos, os fragmentos não digeridos da caseína formam peptídeos. “Alguns desses peptídeos”, afirma Keon, “têm qualidades opiáceas”. Desde 1988, segundo Woodford, sabe-se que a Síndrome da Morte Súbita em bebês está relacionada com a reação opiácea causada no cérebro pela casomorfina, que produz um efeito depressor da função respiratória [Felipe, Galactolatria, p. 185].

Quanto mais concentrada for a matéria sólida do produto derivado do leite, tanto maior a concentração de caseína e maior a probabilidade de que toda essa matéria não consiga ser desmanchada na digestão. Segundo Keon, “a caseína é mais abundante no queijo do que em um copo de leite. Isso pode explicar de certo modo a compulsão que muitos de nós sentimos pela ingestão de queijos.” [Felipe, Galactolatria, p. 185]. Isso também pode explicar por que bebês amamentados apenas do leite materno podem estar recebendo uma alta dose de casomorfina. As mães que ingerem laticínios na esperança de enriquecerem seu leite podem estar na verdade aumentando a carga de opioides em sua corrente sanguínea, de onde passam para seus tecidos glandulares mamários e acabam por fixar-se nas moléculas de gordura do leite sugado pelo bebê.

O processamento das moléculas de gordura do leite, conhecido como homogeneização, reduz em até dez vezes o tamanho delas, tornando-as resistentes à digestão. O cardiologista Dr. Kurt Oster, Diretor de Cardiologia do Park City Hospital, em Bridgeport, Connecticut [Felipe, Galactolatria, p. 185], examinou dados da Organização Mundial de Saúde relativamente a 15 países. O resultado final aponta que os países onde o consumo de leite homogeneizado é maior são os que apresentam maior incidência de doenças cardíacas degenerativas [Felipe, Galactolatria, p. 186]. A compulsão por opioides exórfinos pode ser fatal para crianças com predisposição ao autismo [Felipe, Galactolatria, p. 186].

Aterosclerose e gordura homogeneizada

O fenômeno da isquemia tem sido explicado de diferentes modos. Segundo Woodford, essa desordem vascular é “causada pela formação de depósitos de gordura nas paredes das artérias”, que podem soltar-se, acabando por bloquear a passagem do sangue, impedindo que o músculo do coração seja alimentado. O dano causado ao músculo leva ao que se conhece por “ataque cardíaco” [Felipe, Galactolatria, p. 186].

As células que formam o tecido das paredes das artérias contêm plasmalogeno. Cohen define o plasmalogeno como:

“Uma substância fosfolipídica, semelhante ao colesterol, envolvendo cada célula que forma o coração e as fibras das paredes arteriais. Essa membrana, segundo Oster e Ross, é responsável por um número de diferentes funções, inclusive pelo transporte de oxigênio, cálcio e íons de potássio e outras enzimas e nutrientes para o interior das células. Trinta por cento das membranas fosfolipídicas nas células do músculo cardíaco humano é composto de plasmalogeno.” [Cohen, apud Felipe, Galactolatria, p. 186].

A perda de plasmalogeno fragiliza os tecidos, que sofrem lesões. Nessas lesões formam-se depósitos de partículas de gordura, pequenos coágulos sanguíneos, resíduos de proteínas e de gorduras e minerais mal digeridos que conseguem entrar na corrente sanguínea. Os depósitos desses materiais “estranhos” no interior das artérias são, então, combatidos pelos leucócitos. Na luta inglória para eliminar o que não deveria circular na corrente sanguínea, eles morrem, agregando mais matéria morta à deposição dos entulhos que eles tentaram dissolver, sem sucesso. Ao final da luta, restam placas no interior das artérias, formadas por “fibrina, colesterol e cálcio”, explica Schmid. Essas placas “crescem, causando derrames e tromboses”. [Felipe, Galactolatria, p. 186].

O médico e químico alemão, Dr. Kurt Oster, fugiu dos nazistas no final da década de 30, do século XX, para os Estados Unidos. Lá, trabalhou por mais de vinte anos na pesquisa médica, incluindo a produção da penicilina, além de ter sido pesquisador da Escola de Cirurgiões na Universidade de Columbia, Chefe da Cardiologia e Diretor do Departamento de Medicina do Park City Hospital, em Bridgeport. [Felipe, Galactolatria, p. 186]. Devido ao fato de ter sofrido dois ataques cardíacos, mesmo seguindo a dieta onívora de baixos teores de gordura prescrita pela comunidade médica desde a década de 50, resolveu pesquisar a aterosclerose com o mesmo rigor aplicado às demais pesquisas ao longo de sua carreira. Oster descobriu que os tecidos do coração e das artérias de pacientes que morrem por doenças cardíacas e circulatórias tinham a plasmalema destruída [Felipe, Galactolatria, p. 186].

A plasmalema é destruída pela xantina oxidase que recobre as minúsculas partículas de gordura formadas pela pressão sobre o leite, no processo de homogeneização. O Departamento de Ciência e Tecnologia do Leite da Universidade de Guelph descreve o processo de homogeneização do leite nos seguintes termos:

‘”Considere uma válvula de homogeneização convencional. Quando o leite entra na válvula, sua velocidade é aumentada para 120 metros por segundo. O fenômeno da homogeneização já está completo antes que o líquido deixe a área entre a válvula e o assento. O processo inteiro acontece entre duas peças de aço, em um conjunto de válvulas. […] A energia dissipada no líquido, passando pela válvula homogeneizadora, gera redemoinhos turbulentos intensos. Essas correntes de redemoinhos separam os glóbulos. Num segundo estágio, o produto passa por uma válvula semelhante à do primeiro. A maior parte da redução dos glóbulos de gordura ocorre no primeiro estágio; entretanto, há uma tendência de as moléculas de gordura reduzidas se aglomerarem ou agruparem em cachos. O segundo estágio permite a separação desses cachos em glóbulos de gordura individuais. Além do mais, a pasteurização por calor quebra o complexo de crioglobulina que, não fosse isso, tenderia a juntar os glóbulos graxos fazendo-os crescerem.”[ Apud Schmid, in Felipe, Galactolatria , nota 511].

Segundo o Dicionário Novo Aurélio da Língua Portuguesa: Século XXI, a crioglobulina é uma “imunoglobulina, de que há vários tipos, que se precipita a baixa temperatura e que se torna a dissolver a 37ºC; alguns tipos estão presentes em doenças, como as de origem neoplásica e as infecciosas etc.”[Cf. Felipe, Galactolatria, nota 511]. Essas partículas de gordura não são digeridas pelo trato digestório humano. Ao entrarem na corrente sanguínea, elas seguem até os capilares. Nos capilares, as membranas lipoproteicas sofrem finalmente a digestão pela lipoproteína lipase. Desse modo, a xantina oxidase é liberada para absorção no corpo, “incluindo o coração e os tecidos arteriais, onde pode interagir com a plasmalema e destrui-la.” [Felipe, Galactolatria, p. 187].

Segundo os estudos de Oster, os níveis de anticorpos contra a xantina oxidase encontrados nos consumidores de leite indicam que ela “pode ser absorvida e entrar na circulação”. Seus estudos também mostram que “indivíduos com sinais de aterosclerose têm níveis mais altos de anticorpos contra as proteínas do leite do que os demais, e esses níveis de anticorpos são proporcionais ao volume de leite homogeneizado consumido.” [Felipe, Galactolatria, p. 187].

Na esteira dos estudos realizados por Oster, J. C. Annand [Felipe, Galactolatria, p. 187] realizou pesquisas sobre os malefícios da ingestão do leite pasteurizado em alta temperatura (UHT) e descobriu, a exemplo de Oster, que ele acarreta o risco de formação de placas ateroscleróticas. Além de anticorpos contra a imunoglobulina bovina, presentes no organismo de humanos consumidores de leite, Annand encontrou uma variedade de anticorpos associados às diversas proteínas do leite bovino. Segundo Annand, a pasteurização em alta temperatura aumenta em até cem vezes a alergenicidade das proteínas do leite [Felipe, Galactolatria, p. 187].

O leite de vaca não é o único alimento com potencial alergênico. Entre outros, o milho, o amendoim, o cacau, a soja, frutas cítricas, trigo, coco, banana, para citar também alguns de origem vegetal, podem provocar reações alérgicas. Mas, apesar de haver um grande número de pessoas com alergias alimentares, a maior parte delas não as sofre por causa dos alimentos de origem vegetal. A maioria sofre de alergia com a ingestão do leite bovino [Felipe, Galactolatria, p. 187]. Um estudo realizado por D. Altintas e colaboradores, “A prospective study of cow’s milk allergy in turkish infants”, publicado na Acta Paediatric, revela que, de trinta crianças turcas, suspeitas de alergia ao leite, com sintomas conhecidos, tais como, nariz escorrendo, espirros, tosse, eczema, cólica e diarreia, em vinte e uma delas o quadro sintomático desapareceu completamente assim que o leite e derivados foram tirados de sua dieta [Felipe, Galactolatria, p. 188]. Se o alimento é a causa, sua abolição da dieta é a solução. Solução abolicionista. Simples. Sem anti-histamínicos.

Obesidade

Mesmo ingerindo apenas leite e laticínios desnatados, crianças e adultos não estão protegidos contra a obesidade. Dietas baseadas na ingestão de leite magro tampouco ajudam as pessoas a emagrecerem, quando o quadro da obesidade já se instalou. Segundo estudos realizados com mais de 12 mil crianças com idade entre 9 e 12 anos, de todos os Estados norte-americanos, “quanto mais leite tomavam, mais gordas se tornavam, mesmo as que seguiam a recomendação federal de ingerir três porções diárias do leite.” [Felipe, Galactolatria, p. 188]. A explicação, dada para o fato de que até o leite magro faz com que elas engordem, não está na gordura, mas nos hormônios que o leite bovino contém [Felipe, Galactolatria, p. 188].

O problema da ingestão de hormônios do leite bovino não afeta apenas crianças e adultos obesos. A relação entre o consumo de leite bovino e o câncer, afirma Keon, não é novidade. O consumo de leite de vaca aumenta o consumo de calorias, gorduras saturadas e proteínas, expondo “o indivíduo a uma variedade de hormônios, tanto naturais quanto sintetizados, e a fatores de crescimento que, de outro modo, não seriam ingeridos.” [Felipe, Galactolatria, p. 188].

O aumento na quantidade de gordura ingerida pelas mulheres leva ao aumento na produção de estrogênio. Muitos cânceres de mama, embora não todos, esclarece Keon, são “hormônio-dependentes”, estimulados pelo estrogênio. O hormônio pode não ser a causa direta do surgimento desses cânceres, mas sem dúvida ele é seu “fertilizador” [Felipe, Galactolatria, p. 188]. As pesquisas da última década mostram uma forte vinculação entre câncer e gorduras. Essa é uma questão tão séria, que o Conselho Nacional de Pesquisas, norte-americano, em seu relatório Diet, Nutrition and Cancer [Dieta, Nutrição e Câncer], afirma: ”De todos os componentes alimentares estudados, a combinação de evidências epidemiológicas e experimentais mais sugestiva é a da relação entre a ingestão de gordura e a ocorrência de câncer.” [Felipe, Galactolatria, p. 188]. Colin Campbell & Campbell II, se perguntam: “então, o que a gordura ingerida tem a ver com o câncer?” Uma das respostas obtidas, em mais de quarenta anos de pesquisas sobre a vinculação do câncer à dieta baseada em alimentos de origem animal, foi: “consumir alimentos de origem animal aumenta os níveis sanguíneos do hormônio de crescimento IGF-I.” [Felipe, Galactolatria, p. 188].

Mesmo não tendo sido observadas evidências de que o rBST cause, diretamente, câncer, mas, sabendo-se que ele se liga aos mesmos receptores do mais poderoso fator de crescimento, o IGF-I, presente no corpo humano, e sabendo-se também que o câncer é um “crescimento peculiar dos tecidos” [Felipe, Galactolatria, p. 187], pode-se inferir que essa acumulação de fator de crescimento no organismo pode levar à multiplicação desordenada das células, pois o IGF-I não as discrimina. Ele circula livremente por todas as células para desempenhar sua função.

O fator de crescimento insulínico IGF-I, um hormônio proteico, é “idêntico em humanos e vacas”. Em ambas as espécies, ele contêm 70 aminoácidos na mesma sequência. Cohen se pergunta: “Se o IGF-I nos tecidos mamários das vacas permite o funcionamento do hormônio de crescimento, ao permitir que ele se ligue ao receptor IGF-I, não podemos concluir que o mesmo receptor em humanos também se ligue ao hormônio de crescimento bovino?” [Felipe, Galactolatria, p. 189]. A semelhança na fisiologia do fator de crescimento insulínico bovino com o humano, para o autor, pode ser constatada até mesmo no desenho do corpo das pessoas que ingerem quantidades significativas de leite e laticínios. De modo nada sutil, Cohen conclui: “Talvez seja por isso que o corpo de mulheres e homens norte-americanos, bebendo tanto leite contendo tantos hormônios de crescimento, ganhe peso enorme e acabe parecendo-se com o das vacas.” [Felipe, Galactolatria, p. 189]. Os hormônios recombinantes dados às vacas estão presentes no leite e em todos os produtos processados a partir dele [Felipe, Galactolatria, p. 189].

Cohen acusa o Food and Drug Administration – FDA, o departamento norte-americano de Administração de Alimentos e Drogas, de esconder do público os resultados das pesquisas com o rBST em animais de laboratório. Esse hormônio, além de causar câncer em 100% da amostra, causou aumento de 46% no baço dos animais [Felipe, Galactolatria, p. 189].

Mas não são apenas as mulheres e crianças ameaçadas pelo consumo de leite bovino carregado de hormônios e fatores de crescimento. Também o câncer de próstata está na lista dos males associados ao leite bovino. Níveis elevados do fator de crescimento insulínico-1, analogamente ao que ocorre nos casos de câncer de mama [Felipe, Galactolatria, p. 190], têm sido encontrados em pacientes com câncer de próstata. Quando os níveis desse fator de crescimento estão acima dos considerados normais, os homens passam a ter quatro vezes mais chance de desenvolver câncer de próstata [Felipe, Galactolatria, p. 187]. Campbell & Campbell II, em seu livro, The China Study (O Estudo da China), escrevem: “Surpreendentemente, uma das associações mais consistentes e vinculação específica entre dieta e câncer de próstata, tem sido o consumo de laticínios.” Os autores citam uma pesquisa realizada em Harvard, em 2001, que não deixa sombra de dúvida: ”doze de quatorze estudos de caso controlados e sete de nove estudos de grupos observaram uma vinculação positiva entre certas quantidades de laticínios e câncer de próstata, sendo essa uma das previsões dietéticas mais consistentes para o câncer de próstata na literatura publicada [ênfase nossa]. Nesses estudos, homens com os índices mais elevados de ingestão de laticínios tinham aproximadamente o dobro do risco de câncer total da próstata, chegando a quatro vezes mais risco de metástase ou de câncer fatal de próstata, quando comparados com homens pouco consumidores de laticínios.” Os autores não indicam a quantidade de laticínios ingerida por esses homens pesquisados [Campbell & Campbell, Apud Felipe, Galactolatria, nota 531].

Embora ainda não se saiba se são “os fatores de crescimento insulínicos, o cálcio, a gordura, ou mesmo a combinação dos três”, que causa o câncer de próstata, o professor de nutrição e epidemiologista da Universidade de Harvard, Dr. Edward Giovannucci, sugere que “o excesso de cálcio pode ser um fator contribuinte, porque, quando abundante, ele consome o estoque de vitamina D, que protege contra o câncer.” [Felipe, Galactolatria , p. 190].

Keon, por sua vez, num tom que não deixa dúvidas sobre os malefícios da ingestão do leite bovino por humanos, por sua associação com as doenças mais comuns e que mais matam, declara: “se é a proteína, a gordura animal, ou se são os hormônios naturais, os hormônios bioengenhados de crescimento bovino (rBST), ou a sinergia desses fatores, as evidências mais uma vez sugerem que a coisa mais prudente a se fazer é evitar o leite de vaca em todas as suas formas.” [Felipe, Galactolatria , p. 190].

Em diversas passagens de seu livro The China Study , Campbell & Campbell II também não deixam dúvidas quanto à escolha alimentar mais saudável para enfrentar os desafios postos por todas as doenças acima investigadas: uma dieta baseada completa e exclusivamente em alimentos de origem vegetal, ou a dieta vegana [Felipe, Galactolatria , p. 190].

Patógenos no leite

Príons

Conforme visto no debate da segunda sessão, os ruminantes brasileiros não podem ser alimentados com restos de outros animais, ao contrário do que ocorre livremente nos Estados Unidos, onde é liberada a ração com carnes e excrementos para as vacas usadas na extração de leite. Entretanto, consumidores brasileiros também correm risco quando ingerem medicamentos ou fazem uso de produtos de higiene e beleza fabricados com componentes de origem animal obtidos de animais do rebanho estadunidense: colágeno, galactose ou qualquer outro derivado obtido dos tecidos das vacas ou do seu leite. Quem importa suplementos de lá, pode estar ingerindo príons responsáveis pela doença da vaca louca, que em humanos se apresenta com os sintomas conhecidos do Mal de Alzheimer. Príons são proteínas capazes de causarem mutação nos genes, alterando sua fisiologia e as respostas das células nervosas centrais, causando atrofias neurológicas irreversíveis e a morte.

Ao contrário do que se pensa, a pasteurização e a esterilização não garantem o extermínio do que está no leite e não favorece a saúde humana. De acordo com o Dr. Virgil Hulse, epidemiologista em saúde pública e médico preventivo em seu livro Mad Cows and Milk Gate , os príons, por exemplo, podem permanecer aptos a se reativarem, mesmo após terem sido conservados em formalina e em seguida embebidos em parafina por mais de oito anos [Hulse, p. 22], ou de terem sido cozinhados “por uma hora a uma temperatura de 360 ºC, ou submetidos a autoclave por 30 minutos a 134 ºC, resistindo inclusive à ionização, algo raro na biologia”, afirma Hulse [Cf. Hulse, p. 17]. Segundo esse médico, que fiscalizou a qualidade do leite bovino vendido no varejo nos Estados Unidos por 15 anos, tendo pedido demissão por não ter suas normas de higiene obedecidas pelos produtores e processadores, escreve:

“É relativamente fácil manter fora da cadeia alimentar o leite e as carnes das vacas afetadas pela BSE. No entanto, por não existir um teste antemortem para detectar os animais infectados quando ainda estão no período de incubação, nossa habilidade para evitar que os produtos do gado incubado com a doença entrem na cadeia alimentar é muito pobre.”[Hulse, p. 15]

Hulse faz uma lista de ingredientes comuns a muitos produtos ingeridos, inalados ou absorvidos pela pele por humanos, que podem carrear príons: alantoína, aminoácidos, colesterol, colágeno, elastina, cortisona, ácidos graxos, ácido glutâmico, queratina, lipídios, ácido nucleico, polissorbatos, ácido esteárico e sebo. Esses são ingredientes comuns a muitos produtos usados diariamente, tais quais, balas, marshmallow contendo gelatina, cremes faciais e cosméticos [Hulse, MCMG, p. 24].

Embora não tenham sido arrebanhadas evidências de que os príons da vaca louca possam ser passados para o corpo humano através de componentes animalizados usados pelos humanos, o Dr. Brown, um dos maiores pesquisadores da doença de Creutzfeldt-Jakob, reconhece que não foi comprovado que isso não é possível. Teoricamente, dado que o príon se mantém ativo mesmo depois de passar por processos duros de esterilização e conservação, é possível que ao passar um creme facial contendo colágeno, usar um shampoo ou passar a cera no piso, os príons de uma vaca que tenha sido afetada pela doença de Creutzfeldt-Jakob sejam introduzidos no organismo humano através da pele [Hulse, p. 28]. Tecidos bovinos que podem estar contaminados com o príon, altamente nocivo e letal para os olhos, o cérebro e o sistema nervoso central humanos, são usados em cosméticos sem que a Comunidade Europeia tenha baixado a proibição. O que se fez foi exigir que os fabricantes indiquem nos rótulos a existência de derivados de animal no produto [Hulse, p. 89].

Uma vez no organismo humano, a doença de Creutzfeldt-Jakob pode se revelar na demência, que, segundo Hulse, afeta 9.000 pessoas a cada ano. Entretanto, a estatística de morte pela doença da vaca louca aponta apenas 30 casos por ano. Segundo o médico Dr. F. G. Roberts, “pacientes tratados por doenças mentais [tais quais o Alzheimer, a esclerose múltipla ou infecções virais graves [Hulse, p. 114], podem de fato estar sofrendo da doença da vaca louca”[ Apud Virgil, p. 33].

O Lancet , respeitado jornal da comunidade médica inglesa, revela que os 30 a 40 casos de morte por doença da vaca louca podem na verdade ser 4.500, pois as doenças humanas causadas por príons ainda não têm sido corretamente diagnosticadas [Cf. Hulse, p. 34]. Embora essa doença apareça em duas espécies mamíferas diferentes, a bovina e a humana, os sintomas são os mesmos e em ambas leva à morte [Hulse, p. 37]. Em humanos, os sintomas podem ir de dores de cabeça lancinantes, perda de memória, incapacidade de andar, degeneração muscular geral, descoordenação total, estupor psicótico letal, cegueira, à morte [Hulse, p. 39]. O contágio pode ficar latente de 10 a 30 anos. Mas quando os sintomas se instalam a morte ocorre em um ano em 100% das pessoas [Hulse, p. 45].

Segundo Hulse, mais de um milhão de norteamericanos diagnosticados hoje com o Mal de Alzheimer podem de fato estar sofrendo de outras doenças degenerativas, especialmente da Creutzfeldt-Jakob, por conta da ingestão de carnes, leite e laticínios [Hulse, p. 49]. De acordo com o Dr. Richard Marsh, muitas vacas infectadas com o príon que causa a encefalopatia espongiforme bovina nos Estados Unidos, ao contrário do que ocorre na Europa, não apresentam os sintomas clássicos da doença da vaca louca. Elas simplesmente caem mortas. São mandadas para o abatedouro e transformadas em comida para humanos, ou trituradas para a ração animal norteamericana [Hulse, p. 59].

Aí está o risco potencial para os consumidores de carnes, leite, gelatina, hormônios, sabonetes, cosméticos, biscoitos, petiscos salgados, batons, shampoo, balas, sobremesas, sorvetes [Hulse, p. 92], remédios [Hulse, p. 96] ou outros produtos derivados do gado, alerta o médico [Hulse, p. 65]. Hormônios de crescimento extraídos da pituitária de vacas infectadas ou do cérebro de humanos mortos, contaminados com a CJD, e dados às crianças para forçar o crescimento mataram 17 crianças que os haviam recebido de um único laboratório [Hulse, p. 101; 105;113].

Segundo o Dr. Stephen Dealler, no surto da vaca louca, ocorrido na Inglaterra na metade da década de 90, podem ter sido infectados mais de um milhão de humanos, cuja incubação ainda não completou os 30 anos que podem levar até a manifestação dos primeiros sintomas [Apud Hulse, p. 81]. De fato, não é o príon que causa a degeneração diretamente, mas a mutação que desencadeia faz com que as células nervosas percam suas proteínas normais [Hulse, p. 97]. “Quando essas proteínas se infiltram no cérebro, seus príons envolvem as proteínas similares e se ligam a elas para lhes imprimir sua desfiguração e desconfiguração funcional”[Hulse, p. 111]. A contaminação pode ser transmitida tanto por contato direto com os tecidos animais, quanto pela respiração, ingestão [Hulse, p. 109] e transfusão de sangue de pessoas contaminadas [Hulse, p. 110].

Para citar:

FELIPE, Sônia T. Malefícios do leite bovino para a saúde humana – Parte 2. Palestra apresentada no Curso de Extensão Implicações éticas, ambientais e nutricionais do consumo de leite bovino – uma abordagem crítica. Florianópolis: UFSC, Auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 14 junho 2013, das 18:45 às 21:30.

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