Mariana (MG): atingidos dizem que animais morrem de fome porque Renova descumpre acordo

Mariana (MG): atingidos dizem que animais morrem de fome porque Renova descumpre acordo
Égua morreu por desnutrição, segundo produtor rural — Foto: Marino D'Angelo/Arquivo pessoal

Produtores rurais de Mariana, na Região Central de Minas Gerais, denunciam que animais de famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015, estão morrendo de fome. O desastre aconteceu no dia 5 de novembro e causou 19 mortes.

De acordo com a Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, que atua como assessoria técnica das pessoas atingidas pela barragem, um acordo – com regras para impedir maus-tratos por falta de alimentação, qualidade e quantidade suficientes aos animais – foi firmado em audiência judicial no último dia 24 de setembro, mas não está sendo cumprido pela Fundação Renova.

Segundo a Cáritas, “a situação chegou ao ponto de adoecimento, desnutrição e morte de animais. Isso porque a Fundação Renova, representante das mineradoras Samarco, Vale e BHP, tem cortado o fornecimento do alimento sem justificativa plausível, além de entregar alimentação animal em quantidade insuficiente e qualidade inadequada”.

VÍDEO: Produtores rurais de Mariana dizem que Renova não está fornecendo alimentação aos animais

A entidade tinha ouvido as comunidades ao longo dos últimos meses e fez uma denúncia com relatos de diversas situações de maus-tratos.

O documento foi enviado ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), ao Grupo Especial de Defesa da Fauna do MPMG, à Comissão de Direitos Humanos e à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, ambas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), e isso resultou no acordo, que foi firmado no fim de setembro.

Ainda segundo a instituição, se fosse cumprido o que foi estabelecido, a Fundação Renova “evitaria que as famílias atingidas vivessem a situação de profunda angústia por acompanhar a agonia e a morte de seus animais por fome”.

‘Estamos condenados a ver nossos animais morrer de fome’

“Já perdi em torno de uns 35 animais, entre bois e cavalos. A alimentação nunca foi suficiente e nunca teve qualidade. Nós tivemos uma decisão judicial no dia 24 de setembro e homologada pela juíza. Foi decidido que é obrigação da Fundação Renova fornecer alimentação em quantidade e qualidade suficientes e ela não cumpre. Há anos faço reclamações sobre isso e eles não fazem nada. O atingido é que continua sendo penalizado”, desabafa o produtor rural Marino D’Angelo, de 52 anos, do distrito de Paracatu de Cima.

Produtor rural reclama que falta alimentação para os bichos — Foto: Marino D'Angelo/Arquivo pessoal
Produtor rural reclama que falta alimentação para os bichos — Foto: Marino D’Angelo/Arquivo pessoal

D’Angelo disse que atualmente tem 60 galinhas, 24 bovinos, 16 cães, 24 caprinos, 44 equinos e 25 suínos, mas que recebe somente 1,6 mil quilos de feno por mês, o que dá para os caprinos e equinos comerem durante quatro ou cinco dias – além de não receber alimentação para as outras espécies. Ainda de acordo com ele, nos últimos dois meses, já perdeu sete equinos e um bezerro por desnutrição.

“No dia 24 de setembro houve uma audiência de conciliação e as empresas não cumpriram com o que foi homologado pela juíza. Estamos condenados a ver nossos animais morrer de fome”, fala indignado.

VÍDEO: Fundação Renova não está fornecendo alimentação para animais, dizem moradores de Mariana

‘Seis anos passaram e tá tudo do mesmo jeito’

Em situação semelhante está o também produtor rural José da Conceição de Assis, o Zé Russo, de 49 anos. Ele e a mulher são analfabetos e se sentiram enganados pela Renova quando assinaram um documento para adesão ao Plano de Adequação Socioeconômica e Ambiental (Pasea) para a propriedade, sem saber do que se tratava.

A Cáritas informou que a adesão ao Pasea fez com que a família fosse excluída do programa de reassentamento coletivo. Eles moravam às margens do Rio Gualaxo do Norte, em Paracatu de Cima.

Propriedade fica às margens do Rio Gualaxo do Norte, em Paracatu de Cima — Foto: José da Conceição de Assis/Arquivo pessoal
Propriedade fica às margens do Rio Gualaxo do Norte, em Paracatu de Cima — Foto: José da Conceição de Assis/Arquivo pessoal

Em abril deste ano, eles receberam uma notificação extrajudicial informando que o auxílio emergencial para alimentação animal estaria cortado porque a Renova considera que já estavam recuperados para reiniciar as atividades.

Contudo, segundo Zé Russo, a atividade principal antes do rompimento da barragem era a produção de carvão e criação de gado leiteiro e, depois do desastre, eles não conseguiram retomar porque os fornos foram desativados.

Os atingidos alegam ainda que não tiveram subsídio para recuperar pastagens para alimentar os animais. Assim, para eles não morrerem de fome, o produtor rural precisou comprar cana-de-açúcar do próprio bolso.

“A gente tem comprado caminhão de cana por um preço ‘carão’. Um preço que não vale, mas a gente precisa e compra. Eles pararam de entregar a silagem em abril, na calada. Eles poderiam ter pelo menos avisado a gente para tomarmos uma providência. E ficamos na mão. Estamos passando aperto com a alimentação. Eles queriam tirar a silagem e nos entregar um cartão para a gente mesmo comprar, nós não aceitamos”, fala Zé Russo.

E completa:

A gente queria silagem mesmo, porque ia chegar um momento que a silagem ia ficar muito cara. O dinheiro do cartão não ia cobrir os sacos de ração que a gente precisava, por isso preferimos a silagem, eles foram lá e cortaram. Até hoje, seis anos passaram e tá tudo do mesmo jeito. Não fez cerca, não fez plantio. Qualquer um pode chegar lá e ver”.

Animal criado pelo produtor rural José da Conceição de Assis — Foto: José da Conceição de Assis/Arquivo pessoal
Animal criado pelo produtor rural José da Conceição de Assis — Foto: José da Conceição de Assis/Arquivo pessoal

O que determina o acordo, segundo a Cáritas

  1. As empresas rés (Samarco, Vale e BHP) têm o dever de manter, com regularidade, qualidade e quantidade suficientes, o fornecimento de alimentação para os animais das pessoas atingidas, inclusive para os descendentes que nasceram depois do crime-desastre, até o reassentamento e/ou retomada produtiva das famílias atingidas;
    As empresas rés têm o dever de garantir aos atingidos a livre escolha pela prestação da alimentação dos animais em alimento ou em dinheiro;
  2. Os atingidos que assinarem o termo de adesão de alimentação dos animais têm o prazo de 90 dias para optarem pela modalidade que desejarem (seja em alimento ou em dinheiro);
  3. Se o atingido decidir alterar a modalidade do fornecimento da alimentação para os animais, as empresas rés terão o prazo de 60 dias corridos para iniciar o fornecimento, mas devem, nesse período, continuar fornecendo a alimentação no formato definido anteriormente;
  4. As empresas rés se comprometem a identificar e afastar os funcionários da Fundação Renova que estão abordando os atingidos para informar que a entrega de alimentação aos animais seria obrigatoriamente substituída por dinheiro;
  5. As empresas rés têm 15 dias para estabelecer um fluxo e melhorar os canais de atendimento aos atingidos;
  6. As empresas rés têm 30 dias corridos para justificar, na Justiça, a interrupção ou suspensão do fornecimento de alimentação para os animais dos atingidos.

O que diz a Fundação Renova

“A Fundação Renova informa que, desde novembro de 2015, vem sendo fornecida alimentação animal para os produtores impactados diretamente pelo rejeito decorrente do rompimento da barragem de Fundão. Até o momento, já foram entregues mais de 51 mil toneladas de alimentos.

A Fundação tem como compromisso manter esse atendimento até que a retomada das atividades produtivas seja realizada e os reassentamentos sejam entregues, conforme cláusula 125 do Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC). A Fundação esclarece que, para esse fornecimento, existem critérios para o cálculo das quantidades que levam em consideração a área de origem impactada da família, seja ela proveniente de propriedades rurais ou de propriedades urbanizadas.

Após cada família ter o seu critério definido, a quantidade de alimentação animal a ser fornecida é avaliada por profissionais especializados. O manejo dessa alimentação após o fornecimento, bem como o controle do quantitativo de alimentação fornecida diariamente para cada animal, é de responsabilidade de cada família.

Além disso, os animais também são assistidos pelo Programa de Assistência aos Animais. Eles recebem atendimento de veterinários, conforme a necessidade demonstrada pelas famílias. A Fundação ressalta que os animais adquiridos após o rompimento não são abarcados pelo fornecimento de alimentação animal, porém podem receber assistência veterinária básica (consultas clínicas, curativos ambulatoriais, receituário e orientações para casos não emergenciais e atendimento de emergência em caso de risco de vida).

A Fundação reitera que, nos termos do acordo firmado perante o juízo da 2ª Vara da Comarca de Mariana no dia 24/09/2021, no âmbito da Ação Civil Pública nº 5001730-53.2021.8.13.0400, mantém regularmente o fornecimento de alimentação para os animais dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, inclusive aqueles que são descendentes dos animais atingidos e nasceram após o evento, bem como dos substituídos a partir da data da assinatura do acordo.

A Fundação esclarece, ainda, que há famílias que têm se mostrado insatisfeitas com o fornecimento da alimentação sob o argumento de não concordarem com o critério de fornecimento. Tal fato será demonstrado ao Ministério Público para investigação e esclarecimentos. A Fundação Renova reitera que todos os produtores têm canal aberto através dos canais de atendimento com as equipes da Renova para demais esclarecimentos que se fizerem necessários em relação às quantidades de insumos que estão recebendo e aos critérios estabelecidos, sempre guardando a isonomia do processo.

Adesão ao Pasea e reassentamento

A Fundação Renova esclarece também que não há processo de exclusão de famílias no universo dos reassentamentos. As famílias que são elegíveis ao Programa de Reassentamento, considerando-se os critérios estabelecidos na Ação Civil Pública proposta na Comarca de Mariana, serão atendidas nas modalidades de reparação de moradia disponíveis, até que se conclua o processo de restituição de direito à moradia.

O PASEA é um Plano de Adequação Socioeconômico e Ambiental, oferecido aos produtores rurais impactados pelo rejeito. É de acesso voluntário, não havendo pressão sobre os atingidos para o aceite ao programa. O PASEA é apresentado ao produtor e seus familiares, por meio de reuniões e visitas, nas quais são indicadas as possibilidades de melhoria e de implantação do plano na propriedade.

O reassentamento coletivo é um programa em que os atingidos que moravam nos distritos afetados pelo rompimento da barragem de Fundão são realocados para as novas áreas de moradia, que estão sendo construídas, uma vez que nas áreas de origem, dos distritos de origem, não se pode retomar as construções.

Logo, as propriedades que se localizam dentro dos distritos não podem ser inseridas no PASEA. Sendo assim, não há conflitos entre os programas PASEA e reassentamento coletivo, já que o primeiro está vinculado à realização de atividades no local de origem.”

Por Alex Araújo

Fonte: G1

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