Mesmo proibidas, entregas de materiais de construção ainda são feitas com carroças em Nilópolis, RJ

Mesmo proibidas, entregas de materiais de construção ainda são feitas com carroças em Nilópolis, RJ
Carroças ainda são usadas para entregar materiais de construção. Foto: Via Whatsapp

É meio-dia. O sol está a pino, o mormaço sobe do asfalto de uma das ruas mais movimentadas de Nilópolis – mas ela segue caminhando, carregando quase 800 quilos de telhas nas costas, sem água nem comida há sabe-se lá quantas horas. A imagem parece cruel assim, mas quando vista nas ruas é naturalizada – já que mesmo sendo proibida por lei desde 2016, a utilização de cavalos, jumentos e burros para carregar materiais de construção continua em prática no município.

A rotina extenuante de transportar cargas de areias, tijolos, sacos de cimento, telhas e outros materiais pelas ruas de Nilópolis, geralmente das 7h às 18h, sacrifica a égua “à serviço” de uma loja localizada no bairro Nossa Senhora de Fátima. O entregador, que omitimos sua identificação para que não sofra represálias do proprietário da loja, revela que o seu patrão sabe da proibição:

“Ele sabe que é proibido fazer isso, tanto é que a gente só faz entregas aqui perto. Eu faço de tudo para cuidar dela, me preocupo em dar água, mas reconheço que o trabalho dela é pesado, se até a gente cansa, imagina um bicho, né”,  reconhecendo os maus-tratos que estão além de qualquer lei.

A falta de opção de transporte e trabalho para o tutor é o que pesa sobre o corpo de outro “guerreiro”. Usado para levar entulhos de um lado ao outro da cidade, o cavalo do Sr. José, de 52 anos,  já sente o peso de estar na “profissão” há pelo menos 16 anos:

“Perdi meu emprego e como não tenho estudo, só me restou pegar um dinheirinho e comprar a carroça e esse cavalinho. Peguei ele ainda filhotinho e confesso que tenho pena dele sim, mas eu o trato da melhor forma possível e evito fazer viagens muito longas e com muito peso, se pudesse parava hoje, mas como vou me sustentar?”, questiona ele, que se revolta quando é informado sobre a lei que proíbe o uso dos animais: “Tem que proibir aquelas lojas que tem dinheiro para comprar carro e prefere usar a carroça, eles sim maltratam os animais”, revolta-se Sr. José.

A exploração de animais para transporte de materiais, cargas ou pessoas é proibida no Estado do Rio. É o que determina a lei 7.194/16, sancionada em dia 8 de janeiro de 2016, pelo então governador do Rio, Luiz Fernando Pezão.

De autoria do deputado Dionísio Lins (PP), a norma, infelizmente, ainda é descumprida em Nilópolis. Não é raro ver carroças continuam circulando normalmente, carregando, principalmente entulhos e materiais de construção. Têm sido constantes os registros destes desrespeitos em plena luz do dia em áreas centrais do município. Seus condutores não estão dando a menor bola para as autoridades.

“É uma crueldade o que se faz aos animais, é possível ver até mesmo em ruas de grande movimento animais carregando entulhos e materiais de construção em carroças”, disse o morador Luiz Carlos.

Para o ambientalista e defensor da causa animal, já é hora das pessoas entenderem que o lucro delas não pode ser obtido se valendo do sofrimento de animais:

“Estamos nos anos 2020 e ainda há pessoas que acham que podem se valer do sofrimento dos animais para ter lucro. É importante deixar claro que estamos falando de lojas e empresas que poderiam já estar usando até pick-ups de pequeno porte para fazer o transporte, mas não querem investir e acham que podem se beneficiar com o sofrimento de cavalos, éguas e outros equinos”, explica.

Maus-tratos

O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) descreve como situações de maus-tratos as “caracterizadas por agressão física ou psicológica, abuso, negligência ou qualquer ameaça ao bem-estar de um indivíduo“. Essas ameaças podem ser nutricionais, como submissão do animal a “fome e sede prolongadas e subnutrição”; ambientais, quando não se fornece “abrigo e superfícies adequadas para caminhar e descansar, em situação climática de conforto térmico e ambiente higienizado“; de saúde, se “o animal tem dor, doenças e ferimentos“; ou, ainda, comportamentais, quando se nega ao animal o direito de “estar livre para exercer seu comportamento natural”.

A ausência de cuidados e a constante exposição dos animais a uma exploração além dos limites físicos são uma combinação fatal, como alerta o vice-presidente da ONG Deixa Viver, Marcel Girão, que trabalha pela proteção dos animais.

“Recentemente, mais de um animal morreu por abusos. Eles morrem de desidratação, fome e calor. No horário mais quente do dia, estão sendo explorados com altas cargas na carroça. Eles fazem muita força e desabam.”

Foto: Via Whatsapp

Em Nilópolis, uma das áreas onde a prática é mais comum, conforme atesta o ativista, são os bairros periféricos.

“Além de materiais de construção, os cavalos puxam entulhos, em pleno sol de meio-dia. Um animal que se desenvolveu para andar em terra precisa pisar num asfalto quente, muitos deles levando chicotadas e sendo perfurados para andar com mais velocidade”.

Lei falha

Para Marcel, a cobrança de uma fiscalização mais presente e efetiva é fundamental para mitigar o problema. “A mudança dessa cultura vai acontecer quando o Poder Público fiscalizar junto com as ONGs. Nós interceptamos trabalhadores que passam utilizando carroças e tentamos conscientizá-los, mas quando damos as costas, continuam explorando os animais”, lamenta.

Conscientização

O dono de uma loja de material de construção no bairro Santos Dumont, que não usa carroças, disse que a prática ilegal só vai acabar quando os consumidores se conscientizarem que eles acabam contribuindo para os maus-tratos:

“Infelizmente alguns comerciantes insistem em usar as carroças para fazer as entregas e alguns consumidores acabam alimentando essa prática ao aceitar que as entregas sejam feitas desse modo. Só depender do poder público não dá. Tá na hora de todo mundo se conscientizar e não comprar nessas lojas até que eles façam a coisa certa. Quem compra nessa gente é conivente com os maus-tratos e na minha opinião, também deveria ser punido”, diz o comerciante que preferiu não se identificar.

Ele acrescenta ainda que já pensou em fazer uma publicidade destacando que sua loja não trabalha com entregas usando carroças, mas ficou com medo da reação dos concorrentes:

“Já pensei em fazer um anúncio e colocar aqui na porta, mas temo pelos meus funcionários e não sei como seria a reação, já que se eles não respeitam a Lei e nem as autoridades”, concluiu.

Caso alguém identifique que um animal esteja sofrendo maus-tratos, a autoridade policial pode ser acionada através do 190. Denúncias também podem ser feitas através do Disque-Denúncia (21) 2253-1177 ou através da página do Ministério Público Estadual (www.mprj.mp.br/comunicacao/ouvidoria/formulario), nestes dois casos, o anonimato é garantido.

Por André Santos 

Fonte: Nilópolis Online 

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