Moradores acusam policial do Bope de atirar em cachorro na Vila Aliança, em Bangu, no Rio

Moradores acusam policial do Bope de atirar em cachorro na Vila Aliança, em Bangu, no Rio
Segundo moradores, PM se irritou porque outro cão latia, disparou em sua direção e acertou Guilherme Foto: Bangu Ao Vivo

Um cachorro foi baleado durante uma operação na Vila Aliança, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, e moradores acusam um policial militar do Bope de ter atingido deliberadamente o animal. Testemunhas relataram que se protegiam do tiroteio em um ponto de kombis onde dois cachorros conhecidos pela comunidade, Guilherme e Orelha, costumam ficar. Ao ver o PM abordar abruptamente os rapazes, Orelha teria latido para o oficial. Muito irritado, ele efetuou o disparo e acabou atingindo Guilherme. O cão sobreviveu, mas precisou amputar uma das patas.

Assista ao VÍDEO.

O caso ocorreu por volta das 8h da manhã. Um vídeo, publicado pela página Bangu ao Vivo, mostra o bichinho ferido à espera de atendimento. O morador que o socorreu, que preferiu não se identificar, contou que por muito pouco o cão não veio a óbito. Ele é amigo do dono e passou o dia cuidando do animal.

Enquanto voltava da clínica veterinária, por volta das 19h, ele conversou com o EXTRA. Em detalhes, relatou que o socorro só foi possível por meio da mobilização da própria comunidade. Os moradores reuniram os recursos necessários e levaram o animal à Fazenda Modelo, em Guaratiba, onde tiveram assistência.

Guilherme, ferido, tentou fugir e caiu na grama Guilherme, ferido, tentou fugir e caiu na grama Foto: Arquivo pessoal / Morador da Vila Aliança
Guilherme, ferido, tentou fugir e caiu na grama Guilherme, ferido, tentou fugir e caiu na grama Foto: Arquivo pessoal / Morador da Vila Aliança

Confira o relato abaixo:

“O Guilherme é conhecido na comunidade. O pessoal que trabalha no ponto das kombis o adotou quando era pequeno. Ele fica ali e a gente dá ração, fez uma casinha pra ele, dá tudo, e ele mora ali. Eu trabalho perto, então passo ali todo dia, conheço todo mundo, estou acostumado. Na hora do fato, eu estava presente e vi tudo.

Por volta de umas 8h10 da manhã, estava acontecendo uma intensa troca de tiros entre traficantes da Vila Aliança e policiais do Bope. A essa hora, todos estão saindo para trabalhar. O pessoal que trabalha nas kombis foi se abrigar onde o cachorro estava, e recuamos para a parede. Nisso — foi tudo muito rápido — chegaram por volta de uns cinco ou seis policiais do Bope. Um deles já chegou enquadrando todo mundo, pedindo para todo mundo encostar na parede, e o outro veio atrás para fazer o apoio.

Cão Guilherme foi socorrido por moradores, que fizeram uma vaquinha e o levaram à Fazenda Modelo, em Guaratiba, onde recebeu atendimento. O bichinho teve uma pata amputada Cão Guilherme foi socorrido por moradores, que fizeram uma vaquinha e o levaram à Fazenda Modelo, em Guaratiba, onde recebeu atendimento. O bichinho teve uma pata amputada Foto: Arquivo pessoal / Morador da Vila Aliança
Cão Guilherme foi socorrido por moradores, que fizeram uma vaquinha e o levaram à Fazenda Modelo, em Guaratiba, onde recebeu atendimento. O bichinho teve uma pata amputada Foto: Arquivo pessoal / Morador da Vila Aliança

Todos os dias, há mais de 2 anos, esses dois cachorros ficam ali com a gente. Como os policiais estavam nos coagindo, um deles, o Orelha, latiu. Ele só latiu. Ele não avançou, não mordeu, não fez nada com o policial, somente latiu. Por ele latir, o policial se irritou e atirou na primeira coisa que viu na frente, que foi o outro cãozinho, o Guilherme. Deu um tiro nele e saiu andando como se nada tivesse acontecido.

O PM ainda saiu falando que o Guilherme era cachorro de rua, que não tinha dono. O outro policial que vinha atrás atrás viu o rastro de sangue e perguntou se alguém tinha sido baleado. Respondemos para ele: “Não, foi o seu companheiro que baleou um cachorro”. Esse policial colocou até a mão na cabeça e falou “pô, por que ele fez isso?”, se lamentando, né? Porque é uma vida, ele fez isso do nada. Foi quando o cachorro, baleado, correu, atravessou a rua, e caiu na grama.

Rastro de sangue deixado pelo cão: após ser atingido, o animal, assustado, correu, atravessou a rua e desabou na grama Rastro de sangue deixado pelo cão: após ser atingido, o animal, assustado, correu, atravessou a rua e desabou na grama Foto: Arquivo pessoal / Morador da Vila Aliança
Rastro de sangue deixado pelo cão: após ser atingido, o animal, assustado, correu, atravessou a rua e desabou na grama Foto: Arquivo pessoal / Morador da Vila Aliança

Nós arrastamos ele e ficou aquela comoção de transporte, tira dinheiro daqui e dali. Já havia passado 1h30 do momento em que ele foi atingido, estávamos tentando o transporte e a arrecadação de dinheiro para fazer cirurgia, porque é tudo bem caro. Foi aí que tivemos a ideia de trazer aqui para a Fazenda Modelo, em Guaratiba.

Chegamos aqui e fomos imediatamente muito bem recebidos, a equipe pegou o cachorro muito rápido e parou tudo para atendê-lo porque realmente era muito grave, um tiro de 762 num cachorro. Quando a cirurgia acabou, houve outro problema: ele precisava de uma transfusão de sangue, mas não tinha nem o sangue nem a bolsa.

Essa foi a primeira transfusão de sangue da história da Fazenda Modelo, de acordo com a equipe. Eles não fazem isso aqui, mas os profissionais são altamente qualificados. É até uma ideia para a Prefeitura, colocar um suporte para eles, que são referência no Rio de Janeiro em tratamento de animal.

A gente teve que agitar, cada um de um lado, e conseguiu fazer.A equipe toda se comoveu: um foi comprar a bolsa e outros foram procurar um cachorro saudável que pudesse doar sangue. Todos se mobilizaram e conseguimos.

Moradores posam com cadela que doou sangue para Guilherme. Na pata, o curativo.
Moradores posam com cadela que doou sangue para Guilherme. Na pata, o curativo.

Eles nos deram todo o suporte. Deram fralda, alimento, remédio, e voltaremos amanhã para pegar mais remédio Ele ficou mais algumas horas lá, recebeu a transfusão e teve alta. Está tudo bem com ele.

Eu registrei tudo que pude porque isso porque tem que ser divulgado. Isso não é uma coisa que acontece no nosso cotidiano, é muito atípico. Fiz vídeo dele na mesa de cirurgia, fotos na transfusão, relatei tudo para poder passar isso para vocês.

O que todo mundo fez foi salvar uma vida. Eu queria colocar meu rosto, falar mesmo. Mas, infelizmente, onde eu vivo, isso é impossível. Eu tenho família, vocês sabem como é. Represália existe. Mas o que todo mundo fez hoje vai ser eterno.”

Equipe e moradores comemoram a recuperação de Guilherme, já com a pata amputada, na Fazenda Modelo Foto: Arquivo pessoal / Morador da Vila Aliança
Equipe e moradores comemoram a recuperação de Guilherme, já com a pata amputada, na Fazenda Modelo Foto: Arquivo pessoal / Morador da Vila Aliança

A história gerou comoção e revolta nas redes.

“Eu ia retuitar um vídeo mas pouparei. Um cachorro foi baleado por policiais. Meu medo é esse… o meu é um fofoqueiro que fica na janela latindo pra todo mundo. Tenho muito medo de fazerem essa maldade com meu bebê”, comentou uma mulher.

“Eu não consigo sentir pena quando vejo alguém baleado, mas olha, esse vídeo do cachorro acabou comigo… Não merecemos os animais”, revoltou-se outra.

“Até cachorro sendo baleado!”, indignou-se um rapaz.

“Que absurdo, agora só falta dizer que o cachorro estava latindo para avisar que tinha polícia na favela”, ironizou uma mulher.

O que diz a PM

Em nota, a PM declarou, por volta das 15h, que policiais militares do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) estavam atuando na comunidade Vila Aliança, em Bangu, nesta quarta-feira, e que ainda não havia balanço da operação. A reportagem enviou o vídeo do cão ferido e o relato dos moradores, mas a corporação não comentou o caso.

A página Onde Tem Tiroteio (OTT-RJ) registrou disparos na comunidade às 10h30 e às 12h40. Na madrugada desta quarta, segundo a PM, dois suspeitos morreram durante uma troca de tiros com policiais militares do 14º BPM (Bangu). Foram apreendidos, na ocasião, um fuzil, uma granada e um radiotransmissor. O material foi encaminhado para a 35ª DP (Campo Grande).

Por Hellen Guimarães

Fonte: Extra

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