Morte de ativista: silenciar denunciantes em fazendas esconde maus-tratos de animais e funcionários

Morte de ativista: silenciar denunciantes em fazendas esconde maus-tratos de animais e funcionários
As empresas agropecuárias canadenses não podem competir no cenário mundial se os consumidores não confiam na segurança de seus produtos. (Piqsels)

Levará tempo para as autoridades determinarem se a morte recente de uma mulher do lado de fora de um matadouro em Burlington, Ontário (Canadá) foi um acidente ou homicídio. Não precisamos esperar pelo resultado, mas sim saber por que a manifestante de bem-estar animal morreu e o que deve mudar para prevenir futuros danos, não apenas para os ativistas, mas também para consumidores e negociantes.

Os eventos que levaram à morte de Regan Russell foram iniciados no mês passado na legislatura de Ontário, quando legisladores aprovaram uma lei abrangente de “ag-gag” que impede jornalistas e outros investigadores de entrarem nas instalações de pecuária para expor atividades ilegais como crueldade animal, funcionário que maltrata ou violações à saúde e à segurança.

Dias mais tarde, Russel protestava esta mesma lei em uma propriedade pública quando foi atropelada e morta pelo motorista de um caminhão que transportava porcos, no que parece uma cruel reviravolta do destino.

Regan Russell aparece nesta foto sem data (Animal Justice)

Canadenses preferem abertura

Os canadenses certamente têm interesse em garantir que atividades que tenham lugar nas fazendas, nos caminhões de transporte e nos matadouros adiram às nossas leis e ao nosso censo de decência. As opiniões estão surpreendentemente alinhadas sobre o assunto.

Em uma pesquisa de junho de 2020 com mais de 1.000 moradores de Ontário, 84 por cento disseram acreditarem que as condições de processamento de carne devem ser transparentes para o público. Números similares dizem que os denunciantes devem ser capazes de expor problemas nas fazendas e nas instalações de produção de alimentos relacionadas às condições de trabalho, maus-tratos a animal e segurança alimentar.

Mas quando a recém promulgada “lei da mordaça”, Projeto de Lei 156, entrar em vigor, garantirá o contrário. Assim como uma lei similar introduzida em Alberta no ano passado, a nova legislação de Ontário impedirá que empregados denunciantes colham o tipo de vídeo evidência que, no passado, permitiu a acusação e condenação de transgressores em todo o Canadá, incluindo trabalhadores da pecuária que maltratam os animais.

Esta lei interferirá nos direitos dos defensores dos direitos dos trabalhadores e jornalistas que procuram descobrir evidências de que os funcionários estão sendo maltratados, o que hoje em dia poderia impedir que as autoridades sejam conscientizadas sobre casos em que trabalhadores de matadouros, que já enfrentam um risco alto de infecção por COVID-19, possam ser forçados a trabalhar sem equipamentos de proteção individual adequados.

Um trabalhador caminha para uma fábrica de processamento de carne em Chambly, Quebec, em maio de 2020 (The Canadian Press/Graham Hughes)

Da mesma forma, esta lei poderia impedir empregados de expor informação que ajudaria as autoridades de saúde pública a identificar a origem dos patógenos que causam gripe aviária, febre suína e outras doenças infecciosas que são conhecidas por surgirem nas instalações de  confinamento animai.

Adicionalmente, esta lei impedirá pessoas como Russell de exercitarem seus direitos legais de protestar pacificamente em propriedade pública, um direito protegido pela Carta Canadense de Direitos e Liberdades. Em suas décadas de ativismo social, Russell exerceu esse direito de defender uma ampla gama de causas sociais e era especialmente vocal em sua oposição aos maus-tratos aos animais criados como alimento.

Consumidores, os empresários olham para o futuro

Como muitas pessoas compartilham as preocupações de Russell sobre o bem-estar animal, e também se preocupam com a enorme pegada ambiental e riscos à saúde associados com a ingestão de carne, a demanda por produtos à base de vegetais têm rapidamente crescido nos últimos anos. Muitas empresas de produção de alimentos estão se afastando de produtos de origem animal, diminuindo o suposto papel das leis de mordaça.

O CEO da Maple Leaf Foods, Michael McCain, projetou em 2018 que os gostos dos consumidores continuariam a se afastar da carne, e sinalizou a intenção de sua empresa de continuar a satisfazer aqueles gostos com a produção mais proteínas baseadas em vegetais. “Nós nos vemos como uma empresa de proteína”, ele declarou.

No ano seguinte, ele anunciou planos de construir uma instalação de processamento de alimentos com proteína vegetal de US$ 310 milhões.

A Maple Leaf Foods não está sozinha na evolução da pecuária. Algumas das maiores empresas de produção de carne no mundo, incluindo a colossal Tysson Foods, têm introduzido produtos baseados em vegetais em seus menus de ofertas.

Uma das novas ações mais quentes de 2019 foi a produção de alimentos veganos da empresa Beyond Meat. E a mais nova empresa de carne vegetal que se tornou pública, a Canadense The Very Good Food Company, viu seu preço de ações subir acima do valor inicial nos primeiros dias de comércio no último mês.

O governo federal permanece pronto a encorajar os negociantes a se adaptarem às preferências dos consumidores. O Primeiro Ministro Justin Trudeau anunciou recentemente cerca de US$ 100 milhões em financiamento de uma instalação em Winnipeg que “será um líder mundial em proteínas à base de vegetais, e criará bons empregos em um campo de crescimento rápido”.

Cavaleiros e seus cavalos passam por um campo de canola perto de Cremona, Alberta, em julho de 2016. O governo federal está ajudando a financiar uma nova planta de produção agrícola em Winnipeg que transforma ervilhas e canola em pós proteicos para a indústria alimentícia. A IMPRENSA CANADENSE/Jeff McIntosh

Isto se soma às Superaglomeradas Indústrias de Proteína do Canadá, um programa federal ambicioso que pretende adicionar mais de US$ 4.5 bilhões e 4.500 empregos à economia Canadense ao longo de 10 anos apoiando as culturas usadas no mercado de alimentos baseado em vegetais. É notável que uma intenção fundamental do superaglomerado de proteínas é melhorar a transparência das fazendas Canadenses, algo que o Projeto de Lei 156 de Ontário corrói diretamente.

Políticas de retrocesso não têm espaço em nosso país. Comerciantes Canadenses não podem competir no cenário mundial se consumidores não confiam na segurança de seus produtos.

Mas a opacidade consagrada nas leis da mordaça destrói a confiança dos consumidores por sua própria natureza, em detrimento de empresas Canadenses, seus empregados e seus clientes. Isto esconderá também o tratamento cruel de animais e trabalhadores, que a indústria agrícola industrial faria bem em erradicar.

Regan Russell morreu tentando espalhar essa mensagem. Eu, por exemplo, recebi. A lei da mordaça será repelida.

Por Lisa Kramer / Tradução de Fátima C G Maciel 

Fonte: The Conversation


Nota do Olhar Animal: Empresários e suas marionete políticas tentam de todas as formas manter e agravar a desconexão dos consumidores entre o bife embalado ou já preparado e os horrores de um matadouro. Nos EUA, estes têm buscado aprovar leis que impeçam o acesso de ativistas aos locais destinados ao assassinato dos animais e também que proíbam a publicação de imagens dos horrores do abate. Por outro lado, a forma repugnante como são abatidos é apenas um agravante em relação ao mal maior causado a estes animais, que é violar seu interesse mais básico: o interesse em viver.

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