Mortes de baleias-jubarte na costa brasileira bate recorde histórico com 197 encalhes

Mortes de baleias-jubarte na costa brasileira bate recorde histórico com 197 encalhes
Elas nascem no Brasil e migram até as ilhas Georgia do Sul e Sandwich do Sul — Foto: Fábio Fontes/Projeto Baleia Jubarte

O ano ainda não terminou, mas já é um dos piores da história para a vida marinha: 197 baleias jubartes foram encontradas mortas na Costa Brasileira. Isso representa quase 1% da população, estimada em 20 mil animais. Foram 59% casos a mais do que em 2017, ano que detinha o recorde de encalhes da espécie. Os dados inéditos são do último levantamento do Projeto Baleia Jubarte que atua no monitoramento das baleias no mar e dos encalhes nas praias.

VÍDEO: Mortes de jubartes bate recorde histórico; desnutrição é um dos principais motivos

Para entender o motivo de tantas perdas, é preciso conhecer o ciclo de vida das jubartes. “Elas nascem aqui no Brasil, principalmente na Bahia e no Espírito Santo. Entre outubro e novembro migram até as ilhas Georgia do Sul e Sandwich do Sul (território britânico no Oceano Atlântico Sul) onde passam o verão se alimentando. Lá elas comem o suficiente para se manter o ano todo. Em meados de abril elas voltam para o Brasil, chegando entre maio e junho. As que acasalaram no ano anterior vem para ter o filhote e as demais chegam para se acasalar. No período que passam aqui, não se alimentam e só utilizam a camada de gordura, como reserva de energia, para se manter”, explica Milton Marcondes, médico veterinário e coordenador de pesquisa do Projeto.

No entanto, a realidade tem sido outra: desnutrição é um dos principais motivos das mortes em águas brasileiras. “Nossos estudos indicam que esse ano faltou krill na área de alimentação, o que afetou principalmente os jovens. Esses indivíduos, que não estão na época reprodutiva, em vez de subirem para o banco dos Abrolhos ficaram concentrados no Sul e Sudeste do Brasil buscando sardinhas e tainhas, o que não é comum”, destaca.

“Normalmente quem mais encalha são os filhotes, que acabaram de nascer, não têm o sistema imunológico bem desenvolvido, dependem da mãe e estão mais sujeitos a ataque de predadores, mas esse ano o cenário mudou. 95% dos encalhes foram de animais jovens, que já desmamaram, mas ainda não chegaram na idade reprodutiva. Provavelmente esses indivíduos, de dois a três anos de idade, são os que mais sofrem com a falta de krill. Baleias mais velhas devem ter mais capacidade de estocar gordura e mais experiência para capturar alimento”, explica.

De acordo com o especialista, a falta de comida é resultado da soma de duas realidades: a produção de krill afetada pelas mudanças climáticas e o crescimento das populações de jubartes. Ou seja, tem mais baleias e menos alimento. “A gente tem uma população que tá crescendo, correndo atrás de comida, e ao mesmo tempo temos um planeta sofrendo impactos do aquecimento global, afetando a oferta de alimento. Tudo isso pode ter pressionado esses animais”.

Baleia Jubarte encalhou em praia de Itanhaém, SP, já em avançado estado de decomposição — Foto: Nelson Sater/Instituto Biopesca
Baleia Jubarte encalhou em praia de Itanhaém, SP, já em avançado estado de decomposição — Foto: Nelson Sater/Instituto Biopesca

Jubarte em números

O Projeto Baleia Jubarte contabilizou 197 encalhes este ano, sendo 60 em Santa Catarina, 53 em São Paulo, 30 no Rio de Janeiro, 17 no Espírito Santo, 14 no Paraná, 12 no Rio Grande do Sul, 9 na Bahia e um caso em Sergipe e no Alagoas.

Os meses mais críticos foram agosto, com 60 ocorrências, seguido de julho com 52, junho com 32, setembro com 23, outubro com 12, maio com 10, abril com cinco encalhes e fevereiro apenas um.

A quantidade de encalhes em Santa Catarina chama atenção dos pesquisadores, uma vez que o recorde para a região era de 11 indivíduos.

Filhote de baleia jubarte encalha em praia de Arraial do Cabo, no RJ — Foto: Divulgação/Prefeitura de Arraial do Cabo
Filhote de baleia-jubarte encalha em praia de Arraial do Cabo, no RJ — Foto: Divulgação/Prefeitura de Arraial do Cabo

De acordo com o levantamento dos pesquisadores do Projeto, feito no banco dos Abrolhos (litoral baiano e norte do Espírito Santo), a taxa bruta de natalidade em 11,1% (porcentagem de filhotes registrados em relação ao total de baleias avistadas) foi a segunda mais baixa da história, atrás somente do total de 2016, quando foi registrado 10,6% na região.

“Normalmente a taxa fica entre 18 e 18,6%. Além disso, a taxa de encontro em Abrolhos (que é o número de baleias avistadas por milha náutica percorrida) também foi baixa, bem parecida com a realidade de 2003, quando a população de jubartes no Brasil era bem menor. Esses dados são reflexos do fato de que muitos jovens ficaram se alimentando ao longo do litoral do Rio de Janeiro e Santa Caratina”, detalha Milton.

Além das mortes, a falta de comida pode ter causado aborto espontâneo e reabsorção de embrião em muitas fêmeas, por isso, muitas jubartes devem ter perdido os filhotes e voltaram ao Brasil para se acasalar, o que justifica a diminuição nas taxas de natalidade e o período mais curto da temporada da espécie na costa brasileira

Atropelamentos por navios, acidentes com equipamentos de pesca e ingestão de lixo são ameaças — Foto: Daniel Venturini/Projeto Baleia Jubarte
Atropelamentos por navios, acidentes com equipamentos de pesca e ingestão de lixo são ameaças — Foto: Daniel Venturini/Projeto Baleia Jubarte

Ameaças às jubartes

Na prática o encalhe é o resultado da morte de uma baleia. “De 85 a 90% das baleias já encalham mortas, o corpo é carregado pela maré até a praia. São raros os casos de jubartes que encalham com vida e sobrevivem. Nesse ano, 100% dos encalhes resultaram em mortes”, explica o médico veterinário, que destaca as principais ameaças às baleias.

“Fora os indivíduos que morrem de causas naturais como doença, velhice ou filhotes que se separam da mãe, perdemos muitas baleias em função das atividades humanas: atropeladas por navios, presas em equipamentos de pesca ou contaminadas pela ingestão de lixo. Nessas causas humanas nós podemos interferir trabalhando para reduzir os acidentes e o risco de atropelamento, assim como evitar que o lixo vá parar no mar”, diz.

O lixo e a poluição dos mares ameaçam a vida das jubartes e demais animais marinhos — Foto: Divulgação/Amigos da Jubarte
O lixo e a poluição dos mares ameaçam a vida das jubartes e demais animais marinhos — Foto: Divulgação/Amigos da Jubarte

Para evitar tantos prejuízos e conservar as jubartes, todos podem agir, mesmo quem mora distante do litoral. “Os oceanos cobrem ¾ da superfície da terra, então muito do que a gente produz em terra acaba indo para o mar, seja o lixo descartado de forma incorreta, ou mesmo as substâncias eliminadas em queimadas. Reduzir o consumo e a produção de lixo, assim como não desperdiçar água e energia, são atitudes importantes na conservação dos animais marinhos”, completa o veterinário.

Neste ano, 10% das mortalidades foi provocada por acidentes com redes de pesca

Das medidas mais simples, como ter consciência ambiental na destinação do lixo, às mais elaboradas, a tecnologia tem papel importante na proteção das baleias. É o caso de um sistema que permite a identificação de baleias próximas às embarcações durante a noite, desenvolvido por empresas que utilizam o transporte náutico. O Banco dos Abrolhos, berçário das jubartes, é também uma importante rota de navios-barcaças que levam celulose da Bahia para o Espírito Santo.

Por se alimentar no fundo e defecar na superfície, as baleias acabam adubando as águas marinhas — Foto: Tiago Rodrigues/VC no TG
Por se alimentar no fundo e defecar na superfície, as baleias acabam adubando as águas marinhas — Foto: Tiago Rodrigues/VC no TG

“Durante o dia a gente tem observadores nas embarcações monitorando a movimentação de baleias na rota, mas quando escurece fica impossível manter esse controle. Por isso estamos desenvolvendo uma estratégia de monitoramento com câmeras térmicas, que detectam as baleias durante a noite e permitem que o comandante da embarcação tome medidas que evitem a colisão com o animal. Se esse estudo funcionar a gente espera que possa ser utilizado não só no Brasil, mas em outros países”, comenta Marcondes.

De acordo com Tarciso Matos, coordenador de Meio Ambiente e Licenciamento da Veracel Celulose, uma das empresas participantes, o projeto vem para somar esforços ao plano de ação formatado pela empresa para proteger as jubartes. “A gente conseguiu entender, identificar e mapear quais seriam as áreas com menor concentração de baleias para que a gente conseguisse traçar uma rota com menor impacto e interferência possível”, diz.

“Essa câmera identifica a existência da baleia com até dois quilômetros de distância. Com isso, é possível fazer alterações de rota, segurar a embarcação e reduzir a velocidade, evitando colisões”, explica Fabiano Lorenzi, diretor de operações da Norsul, empresa parceira no projeto.

Taxa de natalidade foi menor do que em anos anteriores — Foto: Fábio Fontes/Projeto Baleia Jubarte
Taxa de natalidade foi menor do que em anos anteriores — Foto: Fábio Fontes/Projeto Baleia Jubarte

Importância das baleias

O papel das jubartes, assim como de outras espécies de baleias, vai muito além da manutenção da cadeia alimentar e do equilíbrio do ecossistema marinho: os animais atuam na diminuição do efeito estufa.

“As baleias de modo geral vivem mais de 60 anos e pesam dezenas de toneladas, então são animais que precisam de muito carbono para formar o corpo e que mantém esse carbono no corpo durante muito tempo. Isso ajuda a diminuir o CO2 da atmosfera. Além disso, como elas se alimentam no fundo e defecam na superfície, as baleias acabam adubando as águas marinhas: as fezes possuem nutrientes que servem de alimento para as algas – essas, que eliminam oxigênio e capturam gás carbônico, ajudando no equilíbrio do planeta”, destaca Marcondes, que reforça ainda a importância das jubartes para o turismo de observação de baleias, atividade que e gera renda para as comunidades locais e ajuda na conservação da espécie.

Brasileiras, jubartes têm papel fundamental na natureza — Foto: Arte TG
Brasileiras, jubartes têm papel fundamental na natureza — Foto: Arte TG

Por Giulia Bucheroni e Marcelo Ferri

Fonte: G1

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