O cavalo no sinal de trânsito e o veganismo na prática

Por Leonardo Maciel 

Todos presenciamos, todos os dias, atos de falta de consideração para com os interesses dos animais não humanos. Nas redes sociais não faltam notícias de atos de crueldade e de punições, ainda que incipientes.

Paro no sinal de trânsito e ao meu lado para um cavalo atrelado a uma carroça pesadíssima. Ele pinga suor e arfa sob o sol do meio dia. Quando abre o sinal o chicote estala na pele dele e na minha cabeça. Aperto as mãos no volante com muita força e tenho vontade de sair partindo para uma agressão verbal e física. O sentimento de injustiça me cega. Consigo baixar o vidro e dizer apenas um: bate não moço que ele sofre como nós… Engulo seco e os olhos ardem. Resolveu para o cavalo? Teria eu plantado uma semente no coração do carroceiro ou plantado uma semente no asfalto fadada a não germinar?

Uma vez que consideramos o sofrimento dos nossos companheiros, passamos a sofrer com eles e muitas vezes esta solidariedade afeta nosso dia a dia. Vejo muitos veganos e ativistas se exasperarem com um sentimento de impotência e não raras vezes revolta, frente à aparente imutabilidade das coisas.

O que fazer na prática? Como tornar nossas convicções produtivas? Qual posicionamento nos traria o sentimento de estarmos progredindo e colaborando para uma mudança ?

Esta resposta não é fácil e terá muitas nuances de acordo com o tipo de vida e o entorno de cada um dos que acreditam na abolição da escravidão dos outros animais.

O primeiro passo acredito ser o exemplarismo. Sermos coerentes, verdadeiros, perseverantes, cuidarmos de nossa saúde física, sermos pacifistas e mantermos o equilíbrio. Sejamos a mudança que queremos ver no mundo, como já foi dito.

Para sermos coerentes, precisamos de informação de qualidade para rebatermos com assertividade os questionamentos que virão por parte dos defensores ou questionadores da escravidão animal.Precisamos ler e estudar sobre nutrição vegetariana, sobre a senciência dos animais, desequilíbrios ambientais causados pela produção e industrialização de produtos de origem animal. Estas questões tem se tornado tão óbvias que não precisamos ser especialistas para termos um argumento sólido e embasado. Argumentos com embasamento puramente emocional e apelando para uma ética sem fronteiras geralmente têm pouco resultado prático, porque os conceitos de ética dos que consomem animais é bem distorcido.

Uma outra atitude é indicar sites sobre o tema para as pessoas que conhecemos. A informação é um poderoso instrumento, porém indiquemos sites de qualidade, com artigos de pensadores e formadores de opinião que realmente façam a diferença.

Não nos afastemos do convívio com os onívoros. Passar a viver em guetos veganos não trará benefícios aos animais explorados. Em reuniões e confraternizações, não se exclua e fique sem comer, pelo contrário, leve opções veganas de salgados, sorvetes, bolos e churrascos, pois a maioria das pessoas não sabem da existência e benefícios destes produtos e compartilhar-los alegremente surte muito efeito.

Cultive o hábito de presentear livros sobre o abolicionismo animal sempre e fora de datas específicas. Um presente oferecido com amor e sinceridade, de surpresa, tem um impacto enorme. Temos ricas opções de autores nacionais e estrangeiros como Sônia Felipe e Tom Regan para começar. Coloque uma dedicatória e peça ao presenteado para passar adiante com outra dedicatória, como uma corrente. A informação fluirá amorosamente.

Existem muitos e bons projetos de lei parados nas câmaras de vereadores e no congresso nacional. Estes órgãos podem ser acessados e aceitam pedidos para que estes projetos caminhem. Compartilhe estas informações com os amigos. Se os políticos o fizerem por puro interesse, não fará diferença para os que sofrem. Afinal eles não querem saber que quebrou as correntes, querem apenas a liberdade.

Sermos pacifistas não significa sermos complacentes frente às injustiças. Denuncie maus tratos às delegacias de polícia de proteção animal ou à polícia convencional. Não há resultados? Sim, há. As penalidades são fracas? Sim. Mas é um começo.Quanto mais pessoas denunciam, mais cria-se uma demanda e muda-se um paradigma. Uma punição, por menor que seja, não deixa de ser uma exemplificação, principalmente para as crianças.

Não sou a favor da violência, e muito menos ser conivente com a violência. Nossa atitude pacifista frente a um animal em sofrimento extremo estará muito próxima da omissão e da covardia. Como veterinário, mais de uma vez, comuniquei ao “tutor”que não devolveria o animal, e que se este quisesse reavê-lo teria que procurar um advogado. Ninguém nunca tentou reaver, pelo contrário, acho que se contentaram em ficar livres do “problema”.

Acho que como reconhecedor dos direitos animais, todas as opções pacíficas de resolver uma situação de sofrimento de casos específicos devem ser tentadas. O animal em sofrimento extremo e risco de vida iminente não poderá, entretanto, esperar mudanças de paradigmas e de uma legislação manca, ineficiente e antropocêntrica. Sim, sou a favor da invasão da propriedade alheia, pular muros, arrombar grades e tornar pública a situação de maus tratos. Isto é bem diferente de atos de vandalismo contra a propriedade alheia, mas como os animais não são propriedade alheia…

Muita gente tomou conhecimento das ações do Sea Sheperd em defesa das baleias apenas quando foram presos e a situação se tornou internacionalmente visível. Os rumos da libertação animal ainda não foram traçados ou sistematizados, e com certeza vai levar muito tempo para reconhecermos que a libertação animal será a libertação de nós mesmos da condição de tiranos. Por enquanto resta-nos sermos fiéis a nós mesmos, acima de tudo, e não desistirmos, mesmo se aparentemente lutarmos contra moinhos de vento. Não são.


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