O drama dos elefantes na Birmânia

O drama dos elefantes na Birmânia
O cadáver de um elefante na selva. Os caçadores que queriam sua pele para vender lançaram um dardo anestésico e, sob os efeitos do sedativo, cortaram os tendões de suas patas traseiras para que caísse de joelhos antes de tirar-lhe a pele, que é vendida no mercado chinês por 52 euros o quilo. (Imagem: Ko Myo)

Os caçadores ilegais converteram Birmânia, até então um paraíso para os elefantes, em um lugar aterrorizador para os paquidermes, e ainda pior para os filhotes que perdem suas mães. Esta é a história de Mi Chaw, “a menina bonita”, uma pequena elefanta, e do povoado que fez de tudo para tentar salvá-la.

Os trabalhadores cortavam bambu sob o calor agonizante da selva birmânica. A vegetação cercava os diaristas, impedindo-os de ver além de alguns metros. De vez em quando, algum animal gritava e os homens ficavam quietos. Tem que estar alerta. As selvas da Birmânia escondem predadores temíveis.

“A proibição de exportar madeiras deixou 5500 elefantes adestrados “desempregados”, que tinham até direitos trabalhistas”.

Um grunhido terrível alertou ao grupo. Perto deles, um elefante rompia a vegetação e emitia sons inquietantes. Os homens temiam que o animal estivesse em estado de musth, um episódio de frenesi hormonal que torna um elefante o animal mais perigoso da selva. Todos começaram a golpear seus machados contra os troncos na intenção de afastar o animal. Pouco depois, o silêncio retornou à selva. O truque parecia ter dado resultado. Mas, quando os trabalhadores foram até o local onde imaginavam que o macho perigoso estava, somente encontraram uma pequena cria de elefante. O que tinham acreditado ser um macho em estado de musth era uma fêmea em trabalho de parto. A mãe, assustada pelo ruído, tinha fugido deixando sua cria recém-nascida na selva. O pânico da elefanta não era injustificado. Nos últimos anos, os caçadores têm matado e tirado a pele dos elefantes às dezenas.

Os direitos dos elefantes

A Birmânia tem a maior população de elefantes asiáticos; muitos deles estão cativos porque há centenas de anos são utilizados para a extração de madeiras preciosas do interior da selva. Ali onde nenhum veículo consegue chegar, os elefantes entram e arrastam os troncos até a periferia da selva. Ou entravam. Perante o crescente desmatamento do país, o governo proibiu a exportação destas madeiras há seis anos, deixando “desempregados” 5.500 elefantes adestrados na extração madeireira. O governo da Birmânia abordou a questão como se estivesse falando de humanos. Não era nada estranho. O país, na realidade, conta com um código de ética com grau de lei para seus elefantes domésticos, no qual se estabelecem cuidados veterinários, férias de verão, licença maternidade, aposentadoria aos 55 anos e horário de trabalho racional.

“Como somente 30 por cento desses elefantes possuem presas, os caçadores arrancam suas trombas, a pele e os genitais; tudo vale na medicina chinesa”.

O estado se responsabilizou por esses elefantes “desempregados” e os distribuiu em campos onde eram utilizados para trabalhos alternativos. A situação parecia controlada até apenas cinco anos atrás. A medicina tradicional chinesa então voltou seus olhos para os paquidermes da Birmânia e, como resultado, o país se converteu em um “ponto quente” para os caçadores. No último levantamento, mais de 115 elefantes morreram nas mãos dos caçadores ilegais. Como somente 30 por centro desses paquidermes possuem presas, os caçadores arrancam a pele, a tromba, os genitais e quantas partes conseguem transportar e vender para a medicina chinesa, que lhes atribui diversos poderes curativos, desde impotência até acne.

Operação de Emergência

Com estes antecedentes, os lenhadores temeram pela vida do recém-nascido e avisaram a equipe da Elephant Emergency Response Unit, uma unidade centrada na luta contra os caçadores. O filhote corria sério perigo.

As crianças que moram no Campo de Elefantes de Thayatsan sabem muito bem a importância do carinho para um filhote de elefante. Por isso acariciam a pequena Mi Chaw, de apenas vinte dias de vida. Os elefantes têm um vínculo maternal muito forte e, durante os primeiros anos de vida, a relação com sua mãe e suas tias é, literalmente, de vital importância. (Imagem: Ko Myo)

A pequena foi trasladada para o Acampamento de Elefantes de Thayatsan, onde os mahouts (cuidadores e adestradores de elefantes desde tempos imemoriais) cuidaram dela dia e noite. Ali a batizaram de Mi Chaw, que quer dizer “menina bonita”. Todo o acampamento se voltou para a elefantinha; sabiam que os dias seguintes seriam críticos e que sem o cuidado materno suas possibilidades de sobreviver eram muito escassas.

O leite enriquecido dado pelo veterinário somente serviu para causar diarreias sérias que a deixaram desidratada.

Três semanas depois de ter sido encontrada na selva, a filhota recusou o cuidado de outras mães elefantas que lhe ofereceram. O símbolo dos seres humanos concretizou-se antes do de pouco a pouco, Mi Chaw foi perdendo peso e vitalidade, até que uma manhã não conseguiu se levantar.

Para os habitantes do povoado, aquela trágica morte simbolizava a realidade de um país onde sua própria espécie. Mas nenhum humano poderia alimentar a cria como uma elefanta. E, os elefantes selvagens desaparecem. Ali onde eram uma insígnia nacional, onde se contava o maior número de exemplares em liberdade dessa espécie, seu futuro parece se desvanecer. Segundo os últimos estudos, a Birmânia tem somente dez anos até ficar completamente sem elefantes.

Por Fernando G. Sitges / Tradução de Alice Wehrle Gomide

Fonte: XL Semanal 

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