O que se ensina nas escolas de veterinária e biologia

Por Leonardo Maciel

A espécie humana é realmente distinta e capaz de coisas inacreditáveis, tanto coisas fabulosas quanto desastrosas. Nossa evolução tecnológica desenfreada, se direcionada de outra forma, poderia trazer benefícios inacreditáveis para o planeta e todas as consciências que nele estão. Mas todos sabemos que não é assim. Não conseguimos sair de nosso autocentrismo autodestrutivo.

Por mais que saibamos sobre a interdependência das espécies, não conseguimos parar de olhar para nosso umbigo e nos colocarmos acima de tudo o que há a nossa volta.

Em se tratando de biologia e preservação do nosso planeta, andamos de ré. O que se ensina nas escolas de veterinária e biologia ? Recebo diariamente muitos estagiários de ambas as profissões e testemunho a quase imutabilidade dos conceitos.

Nas faculdades de biologia e veterinária, andando na contra mão, ainda se ensina que apenas a vida humana é um valor a ser considerado, e que as outras estão aqui para nos servir, para fazermos uso dela em nosso benefício.

Ensina-se que a ciência é uma autoridade que não deve ser questionada, e que o progresso da ciência está acima de tudo. Não há argumentos que sustentem essa afirmação, mas mesmo sem argumentos tenta-se validá-la.

Ensina-se que a vida não é um valor em si, que os indivíduos não tem valor intrínseco e que o coletivo é uma justificativa. Isto apenas se justifica sob uma ótica muito simplista, rasa e carente de valores éticos mais amplos.

Afinal, é justificado coletar animais na natureza para estudos, museus, classificações, dimensionamento evolutivo, estudos de impacto ambiental. Coleta-se animais para museus como se fossem minerais ou objetos. Afinal não é um progresso para a ciência? Para progresso da ciência devemos justificar então a coleta de indivíduos pelo regime nazista para experimentos em medicina? Quanto se progrediu na medicina com as experiências nos campos de concentração? A primeira máscara que cai é que a ciência não é uma autoridade acima de qualquer suspeita. Então algumas espécies podem ser coletadas e outras não? Qual o parâmetro a ser usado para escolher? Simples : o do preconceito especista.

Que não devemos ter preconceitos é um consenso. Há algumas décadas atrás, dezenas de homens, mulheres e crianças negras, com diagnóstico de sífilis foram tratadas com placebo durante anos para se estudar a evolução da doença. Estas pessoas não sabiam que estavam tomando placebo e morriam. A ciência progrediu. Afinal a ciência não é uma autoridade ?

Se isto foi horrível para com as pessoas, por quê não é horrível com os animais? Por causa do preconceito especista. Por quê “nos achamos os tais”. Por que os animais não fazem passeatas e nem greves, porque não postam seus problemas nas redes sociais, porque se calam. . . . aliás não se calam, nós é que estamos surdos aos seus lamentos.

Ensina-se nas escolas de biologia e veterinária que a vida é escalonada em valor, que uns valem mais que outros , que uns podem pagar com a vida para o bem dos outros, que uma vaca pode ter uma existência miserável para que usufruamos de suas secreções e de seus filhos, que podemos injetar o que quisermos em ratos como se isso fosse explicar o que aconteceria se fosse em humanos.

Ensina-se que é válido sacrificar um ‘espécime’ e colocá-lo como uma caricatura mórbida em um museu para que possamos entender de onde viemos. Afinal . . . é a ciência. . . e o progresso!

Ensina-se a melhor maneira de engordar um boi para que o matemos e o comamos para nos tornar-mos também gordos e com as artérias entupidas, e para que possamos usufruir dos medicamentos para aterosclerose que testamos nos ratos.

Ensina-se que devemos ter ética na utilização de animais em pesquisas e formas humanitárias de abate, como se um lenço para enxugar o suor aplacasse a injustiça do trabalho de um escravo. Ética para quem ? Para aplacar a nossa consciência? A nossa ética não tem servido em nada para os outros seres .

Ensina-se que é justificado matar um cão de rua aprendendo técnicas cirúrgicas para que possamos aprender a cuidar de outros cães. Afinal, para as escolas de veterinária e biologia existem vidas . . . e vidas. Existe a vida humana e as outras vidas que são menos importantes.

O que se tenta ensinar nas escolas sobre igualdade, respeito, não- preconceito, consideração igual de interesses não tem funcionado. Não é estranho que tenhamos que ter leis para forçar as pessoas a terem atitudes respeitosas? Talvez seja porque o respeito não é realmente ensinado. O respeito é uma atitude total e vem de dentro. Não se pode ser mais ou menos respeitoso, não se pode respeitar uma coisa sim e outra não. Não se pode respeitar um ser e outro não. Ou se tem respeito ou não se tem. Enquanto formos seres parciais. . . especistas, caminharemos para um abismo. O abismo que criamos entre nós e os outros seres sencientes é o abismo onde nós mesmos cairemos.

Os próprios termos “especismo” e “senciência”ainda são mal conhecidos nas escolas de veterinária e biologia, e ignorada a relação entre não ter água na torneira e plantar um pasto.

Enquanto não abolirmos a escravidão animal ainda seremos escravos de nós mesmos. 

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