Permanência de casinhas para gatos gera impasse no Campo de Santana, no Rio de Janeiro

Permanência de casinhas para gatos gera impasse no Campo de Santana, no Rio de Janeiro
Gato em abrigo instalado no Campo de Santana, no Centro do Rio. — Foto: Divulgação/ OAB-RJ

A colocação de casinhas para gatos abandonados no Campo de Santana, no Centro do Rio, se tornou um imbróglio que envolve os governos federal, estadual, municipal, a Ordem dos Advogados do Brasil na capital fluminense e protetores de animais.

No começo do mês, foram retiradas pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pela manutenção das características do local, que é tombado, quatro casinhas para o abrigo de gatos abandonados colocadas por uma protetora, que por conta de sua situação de saúde, não poderia ir diariamente ao local. Alguns dias depois, as casinhas foram recolocadas com o apoio da Prefeitura do Rio, que cuida da manutenção do espaço.

Segundo a Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da OAB-RJ, o local abriga cerca de 400 gatos que precisam de ajuda.

“Os costumes estão mudando, o Direito está mudando e a sociedade tem que se adaptar aos novos tempos. Acima do patrimônio está a preservação das vidas”, destacou Reynaldo Veloso, presidente da comissão da OAB-RJ.

Casinha instalada no meio da vegetação no Campo de Santana, no Centro do Rio — Foto: Cristina Boeckel/ G1

Reunião

Na última quarta-feira (16), aconteceu uma reunião que contou com representantes do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), da Prefeitura do Rio, da comissão da OAB-RJ e protetores de animais. Segundo Veloso, todos acordaram sobre a possibilidade de instalar casinhas em outro formato, mais ecológicas, no local.

Questionado pelo G1, Cláudio Prado de Mello, diretor-geral do Inepac, destacou por meio de nota que o caso precisa de uma avaliação complexa. Ele ressaltou que ainda serão necessários muitos debates para que seja definido se será possível instalar de modo permanente os abrigos para os animais.

“De um lado temos o Parque Histórico público, tombado em várias esferas e o seu uso demanda a autorização de órgãos distintos. Em geral, a opinião mais restritiva é a que sempre é aplicada e dessa forma, a permanência dos gatos no Campo de Santana dependerá do comum acordo entre as partes. De outro lado, temos um parque situado em uma cidade viva, com uma população que age e interage com esse ambiente. Não podemos desassociar o quadro de vida da sociedade das questões de usos desses espaços”, explicou Mello.

O diretor-geral do Inepac afirmou ainda que a discussão sobre os gatos que povoam o Campo de Santana remonta a décadas e, como o espaço é tombado por órgãos federal e estadual, a discussão precisa ser aprofundada.

De acordo com a proposta apresentada pela OAB-RJ e pelos protetores, as casinhas ficariam escondidas pela vegetação e seriam de um material lavável.

Gato circula pelo Campo de Santana, no Rio de Janeiro. OAB-RJ estima que local abrigue 400 outros animais da espécie. — Foto: Cristina Boeckel/ G1

Governo federal

O G1 também procurou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pela manutenção das características do Campo de Santana. O órgão afirmou que não recebeu nenhum pedido oficial de análise da situação em conjunto. Por meio de nota, afirmou que, a princípio, as casinhas saem de lá.

“O Campo de Santana é tombado e o projeto dos jardins históricos, elaborado pelo célebre paisagista Glaziou, não prevê a instalação de abrigos para animais. Com isso em vista, o Iphan mantém-se contrário a intervenções que possam descaracterizar o monumento e reafirma a defesa da preservação dos bens tombados de modo a garantir a manutenção de suas características originais para as gerações futuras”, diz o Iphan, por meio de nota.

A comissão da OAB-RJ tenta um encontro com representantes do Iphan, para discutir o assunto.

Qualquer mudança nas características do local deve contar com a aprovação do governo estadual e federal. Já os serviços de manutenção são feitos pela Prefeitura do Rio. A Comlurb tem 12 funcionários que trabalham no local e a Fundação Parques e Jardins cuida das plantas.

Casinha instalada para o abrigo de gatos no Campo de Santana, no Centro do Rio — Foto: Cristina Boeckel/ G1

Em vídeo publicado em suas redes sociais no dia 12 de outubro, o prefeito Marcelo Crivella se manifestou a favor da permanência das casinhas.

“A prefeitura advogou junto ao Iphan para que elas pudessem continuar lá”, destacou o prefeito, que prometeu instalar abrigos semelhantes em outras praças.

A advogada e protetora Daniela Franco, que esteve na reunião e trabalha com os animais do Campo de Santana há 15 anos, destacou que o objetivo é chegar a uma solução comum. Ela ressalta que os gatos não causam nenhum dano ao ambiente e a permanência das casinhas não caracterizaria alteração do patrimônio público.

“Não é possível que se negue o direito ao bem-estar, à proteção, já que existem leis municipais e estadual que tratam do animal comunitário. Eles são impedidos de ter um cuidado básico”, explicou a protetora.

O médico veterinário Orli Carvalho da Silva, presidente da Comissão Estadual de Políticas e Controle Populacional Animal e Zoonoses do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro (CRMV-RJ), destaca que as casinhas são uma saída, mas também são uma medida paliativa para amenizar o sofrimento dos animais abandonados.

Ele destacou a necessidade de tratamento de saúde e castração destes animais, principalmente das fêmeas, para evitar a reprodução descontrolada. Mas, acima de tudo, defende conscientizar a população para que os gatos sejam cuidados de maneira responsável, e que não sejam abandonados ali.

“O controle desses animais passa muito mais pela cultura e educação da população do que por outra coisa”, ressaltou Orli.

O veterinário destaca também o risco de proliferação de doenças causadas pela falta de cuidado, como, por exemplo, a esporiotricose.

O Campo de Santana recebeu esse nome no século XVII por causa da proximidade om a Igreja de Santana, no Centro. Atualmente abriga 60 mil espécies de plantas e recebe, mensalmente, 100 mil pessoas. O parque conta com 155 metros quadrados, segundo dados do Iphan.

Em 1873, data que aparece nos portais do parque, adquiriu a aparência de jardim romântico a partir do projeto do paisagista francês Glaziou. O local foi tombado pelo poder estadual em 1968 e foi tombado pelo governo federal em 2015.

Portal com ano do projeto assinado pelo paisagista Glaziou no Campo de Santana, no Rio de Janeiro — Foto: Cristina Boeckel/ G1

Por Cristina Boeckel

Fonte: G1

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