Professor desenvolve projeto para que aves criadas em cativeiro possam voar na natureza

Professor desenvolve projeto para que aves criadas em cativeiro possam voar na natureza
Humberto brincando com as araras e a jandaia verdadeira durante execução do voo livre em Santa Rosa de Viterbo, SP — Foto: Werlon Cesar/G1

A admiração de Humberto Fonseca Mendes por aves surgiu ainda na infância. O sentimento, no entanto, virou coisa séria e ele resolveu estudar e virar um especialista no assunto. Hoje professor de zoologia, ele se dedica às aulas na faculdade, mas é em casa que tem uma turma muito especial.

Vídeo: Professor de zoologia cria projeto pra dar liberdade a pássaros em cativeiro.

Em uma chácara em Santa Rosa de Viterbo (SP), araras, corujas e periquitos aprendem que podem viver em harmonia com a natureza e ter a amizade e a proteção do professor. Eles voam livremente e retornam aos braços de Humberto quando sentem que é hora.

A técnica explorada consiste em desenvolver uma relação de confiança com os pássaros. Em janeiro deste ano, após participar de um curso nos EUA, o professor passou a treinar aves para estimular a função natural do voo e estreitar os laços entre tutor e animal.

O criador de pássaros é um dos poucos credenciados no interior paulista a reproduzir o treinamento.

Para ele, o importante é que as aves se sintam prontas para encarar as áreas externas. Caso queiram ficar no sítio, são muito bem-vindas e acolhidas. Do contrário, têm total liberdade para serem felizes na natureza.

“As aves devem voar. Se elas têm asas, deveríamos tentar entender e respeitar isso. É um respeito mútuo a ponto do elo ser tão forte, que ela pode ir embora e não vai, prefere ficar”, diz Mendes, enquanto a jandaia Igg tenta pegar um petisco do bolso dele.

A turma de asas é dividida em grupos: os iniciantes que ainda precisam ficar dentro de casa, os intermediários que praticam voo em grandes viveiros, e os avançados, soltos na natureza diariamente às 6h30.

O casal de araras Freya e Odun já é veterano. Aos dois anos de idade, os animais passeiam pela propriedade, desbravam o céu e brincam nas árvores mais próximas. A jandaia Igg segue o exemplo dos amigos com timidez. Prefere intercalar os voos com gestos de carinho de Humberto.

“Eles são filhos, a relação é de família. Tenho até certa dificuldade em descrever porque é uma realização muito nossa. Temos tentado quebrar esse paradigma que a ave precisa ter a asa cortada e a gaiola. Elas voltam porque querem”, explica o especialista.

As araras canindé Freya e Odum durante voo livre em Santa Rosa de Viterbo, SP — Foto: Carlos Trinca/EPTV

Os animais são legalmente identificados, passam por processos de fortalecimento das asas e vão desenvolvendo o voo com ajuda do profissional. Até chegar à diversão, é preciso muito treino e esforço, de acordo com Humberto.

A trajetória é baseada no carinho e no reforço positivo, com recompensas a cada conquista. É preciso que os animais se sintam à vontade com o tutor, com a casa e com o ambiente externo.

“O laço com o animal é justamente a base de tudo. O fato de ele querer vir até a gente é o que faz com que consigamos treiná-lo para vir e fazer todos os movimentos de voo necessários. A gaiola passa a ser apenas o dormitório seguro, que está protegido, e podem ter um sono tranquilo”, afirma.

A jandaia verdadeira Igg posa para as câmeras durante voo em Santa Rosa de Viterbo, SP — Foto: Carlos Trinca/EPTV

Os pássaros de Humberto ganharam até nomes expressivos. Ele explica que são baseados na cultura nórdica e repletos de significados que condizem com o projeto do voo livre.

“O da jandaia seria a árvore da vida, Ygg, de Yggdrasil. As araras, Freya e Odun, são os pais do Thor, que começam toda a história. Então é o primeiro casal da mitologia nórdica e que funda todos os demais”, diz.

A ideia dele é que o projeto também voe sozinho após apresentar bons frutos. Segundo o criador, assim como na mitologia, o casal de araras será o primeiro de muitos outros.

“Os filhotes deles eu pretendo doar para estratégias de conservação, mas eu vou doar de uma forma diferente: eu mesmo vou soltar. Eles devem procriar no ano seguinte e vou soltar mais e mais filhotes. Isso está em vias de legalização com o Ibama”, explica.

Amora e o pai Humberto durante treinamento de voo livre dentro da residência em Santa Rosa de Viterbo, SP — Foto: Carlos Trinca/EPTV

Outros ‘alunos’

A Amora, uma coruja da espécie suindara, tem apenas três meses de idade. Ela passou a integrar o projeto 20 dias após o nascimento. Segundo Humberto, a ave tem o voo mais silencioso do reino animal e deve continuar com o treinamento dentro de casa por mais alguns meses, até que esteja pronta para o ambiente externo.

“Ela é muito nova ainda. A gente tem uma técnica bem mais intensa de treinos diários, bastantes pesados, a cada 10, 15 minutos, depois interrompe e faz outro. Depois que esse animal consegue ficar livre mais tempo, aí é um tanto quanto mais relaxado”, diz.

Após sete anos dentro de uma gaiola, a jandaia mineira Juca reaprende a voar em Santa Rosa de Viterbo, SP — Foto: Carlos Trinca/EPTV

Outro aluno que chegou recentemente foi o Juca, a jandaia mineira que passou sete anos presa dentro de uma gaiola em um apartamento na capital paulista. Após saber do projeto desenvolvido por Humberto, os antigos donos doaram o animal.

“Desde fevereiro, estou fazendo com que o bicho não surte em ficar no ambiente externo. Estou fazendo de tudo para que ele fique confortável, que é o principal problema da gente. O passo da reabilitação é devagar”, explica, enquanto brinca com Juca e oferece um petisco a cada voo alçado dentro do viveiro.

O cuidado é para não estressar os bichos com voos de presa e predador ao mesmo tempo.

E a classe continua crescendo. Em novembro, uma cacatua branca deve chegar para iniciar os treinamentos de voo livre.

Humberto com as araras canindé durante voo livre em Santa Rosa de Viterbo, SP — Foto: Carlos Trinca/EPTV

Por Werlon Cesar

Fonte: G1

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