Santuário resgata e oferece vida digna a elefantes na Chapada dos Guimarães

Santuário resgata e oferece vida digna a elefantes na Chapada dos Guimarães
O santuário abriga animais que viviam em circos ou zoológicos. Foto: Victor Ostetti/MidiaNews

Maia, Rana, Mara, Bambi e Guilhermina são de origem asiática e não se conheciam, mas viviam vidas parecidas: privação, sofrimento e medo. Quase sempre acorrentadas e desnutridas, eram submetidas a vários tipos de violência e nunca tiveram a sensação de experimentar aquilo que o instinto natural lhes reservou. Nunca foram livres e plenas.

Hoje, respectivamente aos 50, 65, 58, 60 e 25 anos, as elefantas vivem uma realidade completamente distinta, em meio a uma natureza exuberante, com liberdade, alimentação adequada, cuidados médicos e o amor incondicional da equipe que faz do Santuário de Elefantes Brasil uma realidade, em plena Chapada dos Guimarães, no Centro Geodésico da América do Sul.

Fruto do sonho e do trabalho do norte-americano Scott Blais, o santuário, único na América Latina, é referência mundial e modelo de acolhimento e tratamento de elefantes que foram explorados principalmente em circos e zoológicos. A missão principal é garantir acolhimento, conforto e qualidade nos últimos anos de vida.

O MidiaNews teve acesso ao santuário e conversou diretamente com Blais, que comanda uma equipe de 14 pessoas, que abdicaram do conforto e da comodidade da vida urbana para se dedicar integralmente à causa, em uma fazenda de 1.000 hectares próxima à comunidade da Casca.

Com mais de 35 anos de experiência no cuidado de elefantes, ele teve seu primeiro contato com os animais aos 15 anos, durante um trabalho voluntário nas férias, no Canadá.

Depois da experiência, decidiu que esse seria o objetivo de sua vida. Em 2011, expandiu seus esforços para outros continentes, incluindo o Brasil, após perceber a demanda por ajuda a elefantes em diferentes regiões.

Brilho nos olhos

Quando fala sobre o assunto, Blais revela pelos olhos tudo o que habita sua alma. Eles brilham e, por vezes, ficam marejados ao relatar passagens sobre as experiências dos animais.

Um exemplo é a história tocante de Pocha e Guilhermina, mãe e filha resgatadas em Mendoza, na Argentina. Elas viviam em um buraco de concreto de 400 metros, onde não conseguiam ver o meio externo, apenas o céu. Guilhermina acabou nascendo ali e, antes de chegar a Chapada, não sabia o que era vegetação e terra.

Maia e Bambi, que vivem no santuário. Foto: Divulgação
Maia e Bambi, que vivem no santuário. Foto: Divulgação

“Foi incrível ver a mãe e a filha finalmente vivendo uma vida melhor após anos de sofrimento… Imagina a tristeza de não poder fazer nada para melhorar a vida de sua filha. Quando elas chegaram aqui, desde o primeiro instante, a gratidão e a felicidade delas foram palpáveis. Essas experiências são o verdadeiro presente do nosso trabalho”, afirma Scott.

Sem fins lucrativos, o Santuário de Elefantes Brasil é mantido por uma rede global de apoiadores. Cerca de 85% dos recursos vêm de doações do exterior, principalmente dos Estados Unidos, por meio da Ong Global Sanctuary for Elephants, outras entidades e muitas pessoas físicas.

E os custos não são baixos. Para se ter uma ideia, cada elefante custa ao santuário US$ 4.500 mensais (algo próximo a R$ 25 mil).

Blais menciona que, embora a cultura de doação no Brasil esteja crescendo, ainda há uma falta de confiança generalizada em Ongs, dificultando a arrecadação de fundos.

“Precisamos trabalhar para mostrar nossa causa e ganhar a confiança das pessoas. A maioria que ajuda é de fora do Brasil. Sinto falta do apoio do governo e dos políticos na causa”, afirma.

O início

A recuperação deles é complexa e leva tempo. Um elefante pode passar anos sofrendo e, mesmo depois de chegar aqui, a adaptação e recuperação continuam

Desde 2014, o projeto, iniciado com a busca de uma propriedade adequada, passou por desafios significativos antes de se estabelecer em Chapada.

A ideia inicial era implantar o santuário em Guarantã do Norte, mas a falta de viabilidade fez com que a equipe voltasse suas atenções para a Chapada dos Guimarães. Blais compreendeu a importância de encontrar uma região com clima adequado e condições ideais para o bem-estar dos animais.

A decisão por Chapada se baseou em um estudo minucioso das condições climáticas e ambientais da região, que se mostraram ideais em comparação com outras áreas do Brasil. No Cerrado, o clima e a rica vegetação são adequados e muito parecidos com o que os elefantes estão acostumados.

As elefantas Guida e Maia
As elefantas Guida e Maia

Para viabilizar o projeto, ele encontrou dificuldades financeiras e burocráticas, tendo que lidar com a falta de recursos e a complexidade dos processos de licenciamento ambiental.

A falta de uma categoria específica para santuários no sistema de regulamentação brasileiro complicou ainda mais a situação. “Desde o começo, havia elefantes esperando para entrar.”

Para ganhar a confiança das autoridades, Blais e sua equipe apresentaram extensos documentos e informações ao Sema (Secretaria de Meio Ambiente) sobre a experiência da ONG com elefantes.

“Mostramos a nossa experiência anterior com elefantes e como estávamos comprometidos com a causa.”

Com o apoio de um proprietário local, que ofereceu a compra de propriedades adjacentes, Blais conseguiu adquirir uma área de 1.000 hectares, fundamental para o sucesso do projeto.

Correntes e adaptação

O processo de chegada e adaptação dos animais é meticuloso. “Começamos a aprender sobre a vida deles antes da chegada, analisando vídeos, fotos e relatórios veterinários. Quando chegam aqui, a introdução depende do comportamento deles e da necessidade de tratamento físico e emocional.”

As duas primeiras elefantas chegaram ao santuário em outubro de 2016, vindo de um circo em Minas Gerais.

“Elas estavam acorrentadas havia seis anos, vivendo em condições extremas e com a saúde debilitada. Muitas vezes, não encontraram outro elefante por 40 anos. Imagine uma pessoa não encontrar outra pessoa por 40 ou 50 anos. Elas não tiveram contato com outros elefantes durante praticamente toda a sua vida; isso é injusto.”

Blais destacou a satisfação e a responsabilidade que sentiram ao receber o primeiro elefante, explicando que a recuperação é um processo longo e complexo, envolvendo cuidados físicos e emocionais significativos.

“A sensação de ver esses gigantes da natureza pela primeira vez em seu novo lar era ao mesmo tempo gratificante e desafiadora.”

“Elas mudam no momento em que chegam aqui; imediatamente, quando saem do transporte, você nota a diferença. Como? Não sei explicar, mas começa imediatamente. A expressão, o brilho no olhar fica diferente. O primeiro contato com a natureza é muito emocionante”, conta.

A associação já recebeu nove elefantes, dos quais quatro faleceram. Blais sublinha a complexidade do processo:

“Infelizmente, alguns morreram porque suas condições de saúde eram precárias. A recuperação deles é complexa e leva tempo. Um elefante pode passar anos sofrendo e, mesmo depois de chegar aqui, a adaptação e recuperação continuam.”

A chegada dos primeiros trouxe a necessidade de criar piquetes adequados e de garantir que a infraestrutura suportasse a nova rotina dos animais. O processo de recuperação e adaptação foi longo e complexo, exigindo paciência e cuidado contínuo.

“Durante esses 50 meses de pesquisas, vimos muitos animais da América do Sul com idades avançadas, e, nesse momento, quase todos sofriam com problemas de saúde. Eu só queria um santuário próximo onde os elefantes pudessem permanecer o resto da vida bem cuidados como merecem.”

O tratamento vai além das questões físicas. A recuperação emocional é um aspecto crucial do trabalho. Muitos que chegaram ao santuário haviam passado a maior parte de suas vidas em condições adversas e precisaram de tempo para se adaptar e recuperar a confiança.

Scott Blais explica que o tratamento psicológico é tão essencial quanto o físico. A complexidade das experiências traumáticas vividas pelos elefantes demanda um cuidado especializado para ajudá-los a recuperar seu comportamento natural e social.

O especialista em manejo descreve a complexidade da alimentação e dos cuidados. Durante a estação chuvosa, os animais consomem 80% de alimentos naturais, como capim, folhas e raízes, suplementados com aveia, frutos e outros suplementos conforme as necessidades individuais.

“Cada elefante recebe uma dieta ajustada às suas necessidades específicas e ao seu sistema digestivo”, explica Scott.

Na estação seca, a dieta é adaptada com mais frutas, legumes e feno. Scott destaca que o feno é adquirido de fornecedores fora de Mato Grosso devido às dificuldades climáticas locais que afetam a qualidade. “O feno é essencial para a dieta durante a seca e é comprado de produtores no Paraná. O consumo mensal é de cerca de 12 fardos de 23 quilos cada”, detalha.

Burocracia e financiamentos

O santuário enfrenta uma série de desafios que dificultam a obtenção de ajuda e apoiadores para manter e expandir suas atividades. Scott destaca que a burocracia é uma das principais barreiras. A complexidade dos processos de importação e as frequentes mudanças nas equipes de órgãos reguladores, como o Ibama, prolongam os períodos de espera e aumentam as dificuldades para trazer novos elefantes ao santuário.

O financiamento é outra área crítica. A estrutura necessária para garantir a segurança e o bem-estar dos elefantes é extremamente cara. Por exemplo, a construção de cercas para delimitar os recintos exige um investimento elevado, chegando a custar cerca de R$ 250 mil por carga de tubos, comprados como sucata da Petrobras, o que cobre apenas 300 metros de cerca.

O santuário atualmente tem com capacidade para abrigar até 14 elefantes, mas o objetivo é expandir para receber até 50. Os critérios de seleção para resgates são rigorosos, priorizando elefantes em condições mais críticas e adaptando a infraestrutura para suas necessidades específicas. A equipe trabalha constantemente para preparar novas áreas para receber elefantes asiáticos e africanos, um esforço que demanda tempo e recursos consideráveis.

Embora o santuário esteja em uma situação financeira relativamente estável no momento, com recursos suficientes para alimentação e pagamento da equipe, a busca por financiamento é uma luta constante. A necessidade de apoio para projetos de expansão e melhorias na infraestrutura é urgente, e o santuário está sempre em busca de novos colaboradores e doadores.

Com a visão de criar um refúgio seguro e amoroso, o Santuário de Elefantes Brasil continua a lutar contra as adversidades, buscando proporcionar uma vida digna e feliz para cada animal resgatado.

“Estamos aqui para ajudá-los da melhor maneira que conseguirmos; é impossível colocar em palavras essa experiência”, conclui Blais.

Ajude

É possível apadrinhar os animais e fazer doações para ajudar a instituição pelo site no link abaixo, na barra de ferramenta escrito “ajude”, terá todas as informações necessárias.

Para ajudar e conhecer melhor o Santuário de Elefantes Brasil e as elefantas residentes, clique AQUI. Para acessar o Instagram clique AQUI.

Por Pietra Nóbrega

Fonte: MidiaNews

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