São veterinários e atendem de graça os animais de rua: duas histórias argentinas que conscientizam sobre maus-tratos e abandono

São veterinários e atendem de graça os animais de rua: duas histórias argentinas que conscientizam sobre maus-tratos e abandono
Dois veterinários diferentes: Alicia e Rodolfo resgatam animais das ruas e ajudam todos que podem.

A distância os separa, mas a proteção os une. Ela é de Moreno e ele de San Juan. Dois profissionais muito queridos e reconhecidos em suas comunidades.

Ela vive em Moreno e ele em San Juan. Não se conhecem, mas a profissão e o amor pelos animais os unem. Ambos são veterinários e decidiram levar adiante uma missão solidária: resgatar aqueles animais que vivem nas ruas e colocar à disposição seus conhecimentos e tudo que for necessário para curá-los.

Preocupados com a crescente superpopulação de animais nos centros urbanos, os quais são abandonados em caixas recém-nascidos ou descartados em estado moribundo, as histórias da veterinária portenha Alicia Barreto e do veterinário sanjuanino Rodolfo Dallazuana encurtam as distâncias e caminham atrás dos objetivos comuns que deixam em segundo plano o lucro econômico da vocação.

E, assim como Alicia decidiu investir o dinheiro de uma indenização para comprar um terreno na localidade de Francisco Álvarez para montar um abrigo, Rodolfo muitas vezes tira dinheiro do seu próprio bolso para castras os animais de pessoas de baixa renda que nem conseguem pagar uma consulta.

Tudo é feito com amor e sem receber nada em troca. Sonham que algum dia os abrigos deixem de ser necessários e que as crianças possam ter consciência sobre o abandono e os maus-tratos aos animais.

É tão surpreendente o trabalho que Dallazuana realiza, que os protetores da sua cidade decidiram propor declará-lo Cidadão Ilustre, enquanto que Barreto é reconhecida por ser heroína dos animais idosos e deficientes. Cada um em seu lugar, mas ambos muito queridos e reconhecidos em suas comunidades.

A veterinária que abriu um abrigo para salvar animais das ruas

Alicia Barreto é veterinária, resgata animais desde menina e em 2006 fundou seu próprio abrigo.

Alicia Barreto se confessa amante dos animais desde pequena e, em diálogo com o site Infobae, recorda que o sonho de sua infância era cuidar deles. Como se tivesse decidido seu destino com uma regra de três simples, ela estudou veterinária com esse único objetivo.

“Comecei a resgatar cachorrinhos no bairro e cheguei a ter 5, 6, 7 cães me minha casa. Meus pais me ajudavam um pouco porque também gostavam. Mas chegava o momento em que tinha que colocá-los para adoção, e encontrar uma casa para eles era toda uma dificuldade”, recorda.

“Aos 12 anos, houve um clique perante uma situação que marcou minha vida: tinha um cachorrinho que se chamava Malik e, aparentemente, o envenenaram… Ele morreu em meus braços… Neste momento eu disse: Eu vou dedicar minha vida a eles! Foi uma espécie de promessa que duraria toda a vida, mas já tenho quase 62 anos”, revela.

O relato de Alicia é acompanhado pela lembrança deste cão que ficou em seu coração e que marcou seu caminho. “De fato, estudei veterinária e me formei, mas sempre com a ideia de ter um abrigo. Os primeiros anos foram difíceis, mas não tinha volta. Eu tinha animais resgatados em casa, não sabia como cuidar bem de mais animais”, confessou.

Aprani, o abrigo de Alicia. Assim os cães passam os verões no abrigo que Alicia fundou, em Moreno.

Ao terminar o curso universitário, trabalhou como funcionária até 2006. “Tinha que tomar uma decisão: se continuava trabalhando como veterinária em um laboratório farmacêutico ou encarava outro tipo de vida. E decidi fazer essa mudança”.

Escutando seu coração, utilizou o dinheiro da indenização e comprou um terreno em Francisco Álvarez. “Assim consegui chegar até os animais e fazer mais estruturas que não são canis, porque em Aprani, meu abrigo, eles estão livres e felizes”. Ela resgatou porcos, galinhas e coelhos. Todos convivem em harmonia e total liberdade, conforme detalhou.

Apesar de seu trabalho, a grande preocupação para Alicia são as centenas de animais que vivem nas ruas de seu bairro e nos redores, muitos em “estado deplorável”.

“A quantidade de animais nas ruas é exorbitante. Estima-se que somente em Buenos Aires haja entre seis e oito milhões de cães e gatos que vivem e morrem sem um lar. Por que você acha que isso acontece?”

“Aqui em Moreno há um Centro de Zoonoses onde castram animais, mas não é suficiente. É como se você fosse, por exemplo, em um bote que está enchendo de água e começa a tirar a água com um dedal… Ou seja, castra-se tão poucos animais e o problema em vez de diminuir cresce, porque a reprodução é tão exponencial que não se consegue resolver.

“O Colégio de Veterinários de alguma maneira política se opõe às castrações em Centros de Zoonoses ou às castrações em massa.”

“Como se soluciona a superpopulação da fauna urbana? Há mais animais que pessoas dispostas a adotá-los.”

“Por ano, deve-se castrar, no mínimo, 10% da população de animais que existem no distrito que se esteja tratando. Está calculado que em uma população como Moreno, por exemplo, de 600 mil habitantes, deveria haver 30% de animais, ou seja, 200 mil. Isto significa que teriam que ser castrados 20 mil animais ao ano. Imagine que é um número enorme: em um mês deveriam realizar duas mil castrações, ou seja, 500 por semana. Sabe quantas são feitas? Só 15! E não estamos falando somente de Moreno, mas isso ocorre em todos os distritos.”

“Sabendo que as esterilizações são uma política de saúde pública, por que se acredita que não são tratadas como tal? Onde está a falha?

“Por um lado, é uma questão econômica. Os hospitais humanos estão desabastecidos, imagine com os animais. O problema é que não entregam a anestesia necessária (cetamina), não entregam o sedante que se usa previamente, não entregam materiais de cirurgia… Então, um pouco é por falta de insumos, mas também é porque o Colégio de Veterinários de alguma maneira se opõe às castrações em Centros de Zoonoses ou às castrações em massa. O Estado não o está fazendo e tampouco deixa que os ONGs o façam. É terrível!”

Consciente das necessidades que os animais passam, a veterinária leva adiante o abrigo Aprani, em Moreno, e ali passa seus dias. Além disso, oferece serviços para animais idosos e deficientes.

“Aqui o dinheiro sempre falta. Além disso, devido à necessidade que surgiu com o tempo, tanto no abrigo como no bairro, hoje temos um cemitério de animais. Há anos chegava gente pedindo um espaço onde pudessem deixar seu animal falecido descansar, e assim surgiu a ideia do cemitério Jardines del Alma. Além disso, ofereço um serviço de geriatria, que é pequeno e faço o atendimento pessoalmente porque gosto dos velhinhos e dos aleijados. E há gente que fica sabendo que temos um cuidado especial com eles e pagam uma mensalidade para que sejam atendidos.”

Seu desejo é seguir ajudando animais, mas espera que um dia os abrigos deixem de ser necessários, já que isso significaria que não haveria mais animais nas ruas precisando deles.

O veterinário solidário de San Juan

Roberto Dallazuana foi declarado cidadão ilustre da cidade de San Juan em reconhecimento aos valores que pratica e fomenta como veterinário. (Imagem: Diário Móvil San Juan)

Há três décadas, Rodolfo Dallazuana exerce com paixão sua profissão e uma vocação que nasceu com ele, como ele mesmo diz. É tão surpreendente o trabalho que realiza que os protetores de sua cidade decidiram propor declará-lo Cidadão Ilustre, gesto que perante tanta humildade até o envergonhou.

“Minha vocação de ser veterinário vem desde muito pequeno, sempre gostei dos animais, se vê que isso sempre foi forte porque nunca mudei meu desejo de cuidar dos animais ao estudar veterinária. Quando era pequeno, cuidava de pombas, tanto que era batizado de ‘o louco das pombas’, porque passava todo o dia com elas. Depois terminei a escola muito cedo, entrei na faculdade aos 16 anos e me dediquei completamente aos animais”.

Problemas que afetaram sua saúde fizeram com que a carreira de veterinário tivesse algumas interrupções, mas com esforço e dedicação, ele se formou em La Esperanza, província de Santa Fe. “Lá há um hospital escola e se realizam muitas práticas nas quais ajudam muito os animais. Creio que ali surgiu meu desejo de proteger aos animais de rua e também de agradecer à comunidade pela minha educação pública, porque me formei nos três níveis na educação pública gratuita.”

“Como que o senhor agradece à comunidade pela educação que recebeu?”

“Me parecia que eu tinha o dever de devolver à comunidade algo que ela tinha me dado, porque através dos impostos contribuíram para que eu me formasse como profissional na educação pública. Então o faço ajudando animais de rua, cobrando pouco ou não cobrando das pessoas humildes.

“Tinha o dever de devolver à comunidade algo que me deu para que eu me formasse na educação pública. O faço ajudando animais de rua, cobrando pouco ou não cobrando as pessoas humildes”.

Em maio de 2018, o Rotary Club de San Juan destacou o veterinário Rodolfo Dallazuana pela “Excelência Profissional”.

Dallazuana está relacionado com todos os protetores da sua cidade e boa parte da província. Foram eles que propuseram para que ele fosse reconhecido como Cidadão Ilustre. “O evento se realiza anualmente no aniversário de fundação de San Juan e me deram essa honra, coisa que me deu muita vergonha porque sou discreto”, admite timidamente. “Ter este reconhecimento foi como um prêmio à alma. Também me deram um reconhecimento no Rotary Club com o prêmio pela Excelência Profissional”.

“Estes reconhecimentos me ajudam a seguir com a luta e a saber que o que está sendo feito, dar uma mão “aos sem voz”, como os chamo, de quatro patinhas, não é em vão”, justifica.

“O premiaram pelos seus valores morais, além de sua excelência profissional. O mérito é duplo?”

“Penso que há muitos profissionais excelentes em todos os lados… e que talvez tenha sido um pouco da honestidade e o dar tudo que posso aos animais que fez com que os protetores me diferenciassem.”

“Você é conhecido pela sua solidariedade, já deixaram animais abandonados na porta da sua clínica esperando que os ajudasse?”

“Sim! Toda a vida. Tantos cãezinhos abandonados, gatinhos, caixas de animais recém-nascidos, animais agonizando…”

“Na tua opinião, qual a causa desse abandono?”

“A falta de educação em relação a este tema, que é uma das coisas que tenho falado. Temos que estimular, educar a sociedade, ensinar e conscientizar sobre a reprodução. Por sorte, o governo de San Juan, através dos municípios, tem feito muitas castrações. E, além disso, há organismos, como Saúde Pública e Meio-Ambiente, que possuem clínicas móveis e fazem castrações em diferentes pontos da cidade. Mas não é suficiente. Por um lado, temos que continuar a aumentar o número de castrações e, por outro, conscientizar as crianças nas escolas para que comecem a entender a importância da vida do animal, o que é o abandono, os maus-tratos, e explicar que o animal não merece isso.

Em pleno atendimento na clínica “Mayo”. Ali atende com custo muito baixo e, em milhares de casos, gratuitamente, por seu genuíno amor aos animais.

O veterinário mais querido de San Juan sustentou que a falta de castração é um tema de saúde pública preocupante para o qual “temos que educar desde as bases para que isso seja combatido”.

“Dallazuana espera que na província de San Juan seja criado um Hospital Público Veterinário para ajudar aos animais que tanto precisam.”

“Atualmente, na Argentina há cerca de 20 milhões de cães e gatos que nascem, vivem e morrem nas ruas. Como isso pode ser revertido?”

“Justamente com educação nas bases. Conversar com as crianças desde o jardim da infância, em forma de brincadeira, e começar a conscientizá-los, porque mudar as ideias dos adultos é muito difícil. Então, teríamos que começar com as idades mais novas, conscientizá-los para no futuro ver o fruto e talvez chegar a ter um controle profissional.”

Angustiado pelo presente dos animais que tanto ama, garante: “A situação atual é muito preocupante. Já está nos alcançando. Tudo que eu fiz pelos animais saiu do meu bolso, não venho de uma família rica. Levo uma vida com o mínimo e ajudo com o que posso, mas nestes últimos tempos percebe-se cada vez mais a ocorrência de pessoas que não podem ir a outra clínica e chegam pedindo ajuda. E eu os ajudo até onde posso”.

O veterinário solidário torce para que “algum dia se chegue a criar um hospital veterinário público aqui na província”.

“Agora temos as propostas dos candidatos… espero que o hospital seja feito pelo menos para ajudar aos animais abandonados. Espero que se concretize porque é muito necessário para controlar os animais que estão nas ruas. Eu, lamentavelmente, não consigo cuidar de todos e cada vez mais por causa da situação econômica.”

“O senhor pensa diferente da maioria de seus colegas…”

“Nunca me contaram, mas suponho que devo ser muito querido! Me dói se estão bravos comigo, mas creio que, como na saúde humana, tem que haver ajuda para as pessoas que não podem pagar ou aos animais que estão abandonados. Quisera crer que eles percebem a falta que faz um hospital público para ajudar, porque o egoísmo de cada profissional que quer ganhar mais não leva em consideração que há animais doentes na rua. Inclusive, com doenças que podem passar ao homem.”

Antes de finalizar, o veterinário volta ao sonho do hospital público para animais: “Se eu não consigo, igualmente vou ficar feliz se no futuro os jovens se somem a algo tão lindo como ajudar a nossos verdadeiros companheiros da vida”.

Por Fernanda Jara / Tradução de Alice Wehrle Gomide 

Fonte: Infobae

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