Somatofobia: violência contra humanos e não-humanos; a modernidade e as vozes dissidentes contemporâneas* (parte II)
Sônia T. Felipe**
RESUMO: Neste artigo, “Somatofobia: violência contra animais humanos e não-humanos; a modernidade e as vozes dissidentes contemporâneas – Parte II”, trato da questão da somatofobia, a forma de violência dirigida contra o corpo de sujeitos vulneráveis, e das concepções críticas à dicotomia corpo-alma herdada da filosofia cartesiana. As teorias feministas (Elizabeth Spelmann, Carol Adams, Marjorie Spiegel), ao vincularem a violência contra os animais à violência contra humanos em condições vulneráveis, são vozes dissonantes na ética contemporânea. Seu projeto crítico busca reverter o especismo da ética tradicional e contribuir para a compreensão e superação da violência somatofóbica.
PALAVRAS-CHAVE: especismo, violência, paciência moral, somatofobia, vulnerabilidade, vivo-vazio, pessoa, Marjorie Spiegel,Carol Adams, Hannah Arendt, Descartes, Kant.
Introdução
No artigo anterior, “Somatofobia: violência contra animais humanos e não-humanos; as vozes dissidentes na ética antiga“, publicado no número 2, da Revista on-line, PENSATA ANIMAL , trato da história antiga da ética animalista ignorada pelos estudiosos de ética não afeitos à consideração moral de animais não-humanos; naquele artigo, introduzo a questão da vinculação da violência doméstica à mesma matriz cognitiva que enseja a moralidade hierarquizante, da qual somos herdeiros.
No presente artigo, “Somatofobia: violência contra animais humanos e não-humanos; a modernidade e as vozes dissidentes contemporâneas”, reconstituo o legado da modernidade à ética antropocêntrica contemporânea. As concepções de René Descartes e de Kant representam as mais fortes influências especistas na história da ética. Elas acabaram por legitimar experimentos dolorosos e cruéis em animais não-humanos, ainda que ambos os filósofos jamais tenham defendido a crueldade contra os animais. A exemplo da argumentação apresentada no artigo anterior, também neste trabalho com a hipótese da fundação da matriz cognitiva, que configura a interação de humanos violentos, nas dicotomias corpo-alma, forte-fraco, útil-inútil, superior-inferior, conhecido-estranho, digno de respeito-indigno de respeito. Com tais dicotomias formatamos nossa mente e orientamos nossa interação com os que aparecem como sendo de outra espécie, não da nossa. Levo em conta a crítica a essa formatação levada a efeito pelas filósofas Carol Adams, Marjorie Spiegel e Hannah Arendt.
O legado moderno: antagonismo entre razão e emoção
Descartes pode ser considerado o mais influente precursor do racionalismo moderno. Sua concepção dicotomizada da natureza viva, da qual o humano faz parte, a separação dos dois elementos dos quais o animal é constituído, corpo e alma, cristaliza todos os preconceitos contra os quais hoje temos de lutar.
Compreendidos através desse dualismo corpo-alma, seres humanos e não-humanos passam a ser classificados e hierarquizados através de outros binômios, que nada mais são do que desdobramentos daquele primeiro: superior-inferior, espiritual-corporal, celestial-terrestre, racional-sensual, forte-fraco, senhor-escravo, dominador-dominado, inteligente-retardado, masculino-feminino, e assim por diante.
Enquanto tal concepção metafísica do ser humano construi dicotomias no plano dos conceitos, estes se tornam guia para ações discriminadoras e violentas. Os conceitos assim formatados, por sua vez, representam a expressão de interações humanas passadas, forjadas nessa mesma matriz cognitiva e moral. Seguindo-se a tradição moral dicotomizadora, qualquer ser vivo animado, sujeito às interações humanas, pode tornar-se social, política e moralmente vulnerável àqueles que se posicionam sempre no pólo dos fortes e concebem os outros sempre no dos fracos.
Se não houvesse a tradição moral dando força às práticas políticas, econômicas, jurídicas e científicas que distinguem metafisicamente os indivíduos, aplicando-lhes tais dicotomias (o forte, o inteligente, o habilidoso, o superior, o racional, o homem, o rico… de um lado, e, o fraco, o estúpido, o inapto, o inferior, o animal, a mulher, o pobre… do outro), não haveria discriminação, nem violência. Conforme argumento no primeiro artigo desta trilogia, a violência decorre da discriminação, e esta resulta da formatação mental, dos conceitos que nos obrigam a adotar desde a mais tenra infância. Quando não raciocinamos por conta própria, quando não analisamos os fundamentos morais de nossas intuições mais fortes, repetimos simplesmente a tradição do pensar que nos legam os antepassados.
O fato é que, pela natureza de nossa condição biológica e das habilidades que acompanham a natureza animal, a força e a fraqueza, a habilidade e a inaptidão reunidas a todas as demais dicotomias não são qualidades de nenhum indivíduo particular. Esses termos designam apenas a peculiaridade da condição dos envolvidos numa determinada interação particular, sob circunstâncias também particulares.
O forte só se manifesta forte se as condições nas quais a interação que visa revelar sua força forem mantidas. As competições olímpicas são a prova viva de que ninguém “é” o mais forte ou o “melhor”, a não ser “naquela” competição. Ocupar este lugar e ter de ver um adversário a ocupá-lo, em outra, é a condição da trajetória de todo desportista. Variando-se as circunstâncias, a força pode desaparecer de um, e manifestar-se plenamente em outro. Do mesmo modo, a força do espírito, da inteligência, do poder de persuasão, da memória, e todas as demais habilidades refinadas pelo esforço individual, deslocam-se de um para outro sujeito, dependendo do conhecimento requerido. Cada um pode ser o melhor em uma atividade, física ou mental, ninguém é “o” melhor de todos em tudo.
A natureza não produz fortes nem fracos absolutos. As condições de força e fraqueza são relativas. Na economia e na política, tanto quanto no mundo acadêmico e científico, se os mesmos indivíduos são sempre favorecidos para repetir as mesmas interações, a dicotomia forte-fraco, bom-ruim, útil-inútil os fixará num pólo, ou no outro. Isso graças às instituições, não à sua condição natural.
A natureza permite a cada indivíduo experimentar-se ora num estado, ora noutro. A rigidez da hierarquia pode ser necessária à sobrevivência de animais que não construem interações inovadoras. Frans de Waal, um dos mais conhecidos estudiosos da linguagem e comportamento moral em primatas, descreve a ordem hierárquica dos chimpanzés, macacos prego e outros, mostrando que uns são tirânicos no exercício da função alfa (os Rhesus, por exemplo), enquanto outros exercem-na com serenidade, firmeza, ternura e até mesmo senso de humor. Assim, na natureza, ao contrário do que se costuma ver citado nos textos de filosofia tradicionais, a dominância não representa necessariamente violência e sim, supervisão.
No caso das interações humanas, experimentamos ocupar um ou outro pólo do binômio forte-fraco, dependendo do tipo de atividade a ser realizada. Dado que nossas ações são muito diversificadas e sabemos que não somos absolutamente geniais ou absolutamente estúpidos em nenhuma delas, podemos ocupar ou ceder a posição alfa dependendo da nossa capacidade e disposição para certa atividade. Entre humanos, a ocupação rígida da posição de dominância causa estresse e leva a reações de descarga emocional violentas. A violência contra os animais e contra humanos vulneráveis no âmbito doméstico tem aí sua origem.
Força e fraqueza são apenas nuances de uma mesma condição animal: a de estar vivo e a de ter de autodeterminar-se na atividade do autoprovimento.
Negando-se a concepção holista da natureza viva, adotando-se a respeito da natureza humana, por causa da capacidade racional, a dicotomia dos conceitos metafísicos construídos a partir do dualismo cartesiano, que a cortou em duas partes (corpo e alma), as relações entre humanos, regidas por essas dicotomias, passam a constituir-se na forma hierárquica sujeito-objeto, porta de entrada de todas as manifestações da violência, da física à simbólica.
Nas relações violentas há sempre um que é pleno de sentido e outro esvaziado de sentido, tornado vivo-vazio,1 suscetível à formatação existencial que lhe será imposta por esse outro pleno de sentido e de poder de expressão. O violento escreve a biografia do violentado. Assim podem ser as relações humanas e as relações dos humanos com os animais e demais naturezas vivas: os humanos, ocupando a posição de dominância tirânica; os animais e ecossistemas, sendo obrigados à vida de modo impróprio à sua espécie. Isto é violência.
A mesma concepção metafísica dualista (corpo-alma) sustenta e legitima relações de discriminação, exclusão e subordinação opressivas e violentas entre humanos, entre estes e animais não-humanos, e entre humanos e ecossistemas. Na política, as formas mais conhecidas de discriminação e violência são conhecidas por xenofobia, racismo, elitismo, machismo.
Vozes dissidentes: a perspectiva zooética
Os filósofos defensores dos animais, em especial Richard D. Ryder e Peter Singer, seguindo os argumentos de Humphry Primatt, expostos em 1776 em sua dissertação contra a crueldade brutal,2 encontram em nossas interações com os animais uma forma de preconceito que denominam especismo.3 Na discriminação especista, a dor e o sofrimento de animais não-humanos não são reconhecidos como dignos de respeito e consideração, em razão de não serem sentidos por indivíduos da espécie biológica Homo sapiens. Por dever-se à espécie, essa forma de discriminação moral dos interesses de animais sencientes não-humanos recebeu o nome de especismo, fazendo par com racismo e machismo, termos conhecidos na década de 70 do século XX, quando Richard D. Ryder o criou.4
A filosofia moral tradicional lega-nos conceitos e concepções que, muitas vezes, não traduzem nem representam a realidade da natureza de nenhum ser animado, apenas a forma como essa natureza foi e é concebida pelos filósofos que se dão ao trabalho de inventar tais dicotomias. Sendo herdeiros dessa tradição, e adotando suas práticas, preservamos os costumes e guardamos instituições construídos a partir dessa discriminação. Para livrar-se dos costumes violentos e dos conceitos sobre os quais assentam, o debate é inevitável, e fonte de desconforto moral.
Na filosofia moral não-tradicional, crítica ao antropocentrismo, aquelas dicotomias têm sido desconstruídas desde Aldo Leopold e Albert Schweitzer, que inauguram a ética ecológica. Na esteira daqueles pensadores, Kenneth E. Goodpaster, Peter Singer, Paul W. Taylor e Tom Regan são alguns dos principais expoentes animalistas e ambientalistas da ética contemporânea.5 Para todos esses autores contemporâneos, a ética precisa ser redimensionada no sentido de permitir que os pacientes morais sejam o centro da reflexão, não os agentes morais.
A crítica feminista e a contribuição de neurocientistas
Não apenas as filósofas Elizabeth Spelman e Carol Adams, além dos filósofos morais acima listados reconhecem o estrago causado à moralidade, o fato de a comunidade científica ter aceito por mais de trezentos anos a tese cartesiana do dualismo da natureza humana e do monismo reducionista da natureza animal. Um dos maiores cientistas contemporâneo, o filósofo da mente, médico português radicado nos Estados Unidos da América do Norte, António Damasio, em seu livro, O Erro de Descartes, critica a tradição cartesiana nos seguintes termos:
“É esse o erro de Descartes: a separação abissal entre o corpo e a mente, entre a substância corporal, infinitamente divisível, com volume, com dimensões e com um funcionamento mecânico, de um lado, e a substância mental, indivisível, sem volume, sem dimensões e intangível, de outro; a sugestão de que o raciocínio, o juízo moral e o sofrimento adveniente da dor física ou agitação emocional poderiam existir independentemente do corpo.”6
Elizabeth Spelman e Carol Adams responsabilizam a tradição filosófica ocidental pela estruturação cognitiva e emocional hierarquizante que acaba por revelar-se devastadora na relação hostil dos homens contra os seres concebidos por eles como fisicamente inferiores: mulheres, crianças e animais, reduzidos a objetos naturais vivos, coisas vivas, meros corpos, enfim, a vivos-vazios, termo que uso para designar coisas vivas destituídas de consciência ou mente,sem sentido próprio, sem razão de ser. Toda forma de discriminação visa alguma vantagem para o discriminador: uso, exploração, manipulação, abuso, agressão e morte. Para tanto, é preciso negar a igualdade entre quem explora, abusa e mata e quem é explorado, abusado e morto. Quando se trata dos animais tudo fica mais fácil, pois sua configuração biológica torna-se a prova, para os exploradores, de que não são iguais. É preciso que fique claro, no entanto, que a igualdade da qual fala a ética não é mesmo factual, é moral. Quando o filósofo Peter Singer trata desta questão, em Ética Prática, deixa claro: a igualdade da qual a ética fala é prescritiva, visa ordenar as interações humanas de forma justa, não é descritiva de qualquer figura, humana ou animal.7
Para Carol Adams, toda interação humana que reduz outro sujeito à condição de mero corpo, de objeto vivo destituído de sensibilidade, interesse ou preferência, o torna objeto passível de assalto, invasão, exploração e destruição. Para o violentador, ao destruir esse outro, um vivo-vazio, nada se perde, pois ali não há qualquer coisa valiosa a ser respeitada e considerada.
Através do modo como trata os seres que lhe são semelhantes, os humanos revelam a concepção que têm de si.8 Nessa perspectiva, as pessoas, os animais e as demais coisas vivas que fazem parte do mundo de um sujeito, formam o laço no qual ele se constitui como sujeito da e sujeito à própria interação. Na moralidade não há somente sujeitos morais agentes; há também os afetados por seus atos, os sujeitos morais pacientes.9
Ao interagir violentamente, o sujeito revela sua incapacidade emocional e moral de aceitar em si a vulnerabilidade constitutiva de qualquer natureza biológica, cujo destino final é perecer. Nesse sentido, escreve Marjorie Spiegel:
“Através de ações violentas contra o símbolo, o opressor tenta destruir inconscientemente em si mesmo aquelas características que julga tão ameaçadores e que deseja negar. E isto é o por que as ações, justificações, e até mesmo a linguagem da opressão são tão semelhantes mesmo quando as vítimas são de certo modo tão diferentes. Esta é uma razão pela qual a expressão configurada da opressão contra negros e animais tem sido tão similar; para o opressor todas as vítimas são semelhantes demais. Elas são parte do reflexo do próprio opressor. As vítimas não são vistas como seres autônomos.”10
O hábito de maltratar seres humanos e animais e o de destruir ecossistemas como se fossem mera matéria viva, vivos-vazios de valor, considerados inferiores por não oporem resistência ao ataque, expressa a incapacidade do homem violento de aceitar sua condição vulnerável, a condição de ser perecível… viver … é muito perigoso, diz Guimarães Rosa. Para enfrentar o perigo é preciso a virtude da coragem, completaria Sócrates, não a mera força brutal.
Quem tem o que Marjorie Spiegel denomina medo irracional da própria condição vulnerável ataca continuamente os demais.
A violência como representação da condição violentada
O ressentimento que brota no violentador no momento em que se sente a vulnerabilidade do outro o leva a recusar-se a interagir com este como igual, pois justamente a vulnerabilidade que constata existir nesse outro, quando o espanca, estupra, explora ou mata, é o que mais teme ver configurado em si mesmo. Para ele, aceitar a igualdade é em todo caso igualar-se por baixo. Pode haver formas refinadas de recusar a igualdade, mas a violência é a forma brutalizada dessa rejeição.
Sem aceitar que também é paciente moral, isto é, que também se encontra na condição de quem pode sofrer com as ações alheias, e sem poder aceitar e falar de sua própria impotência, o violento volta-se furiosamente contra quem lhe mostra a semelhança universal da fragilidade e da vulnerabilidade. Com o ato violento o sujeito quer pôr fim àquilo que para si, tanto emocional quanto moralmente aparece como abominável: a condição frágil na qual todo indivíduo vivo está à mercê do assalto e da morte intempestiva, justamente por ainda estar vivo, por sobre-viver. O violentador revolta-se contra a aparente indiferença dos frágeis ao real, ao fato de serem vulneráveis. Ao violentar, o agressor torna perceptível ao violentado, por uma via cruel, sua condição vulnerável.
A violência somatofóbica como forma de revelação de um segredo
Ao interagir somatofobicamente, o violentador relata, sem necessariamente o perceber, algo de sua biografia de sujeito vulnerável. De um certo modo, o violentador encena no presente algo que lhe sucedeu no passado. Essa experiência anterior de submissão a uma violência que não pôde ser verbalizada, a algo que não conseguiu compreender nem aceitar, que procurou empurrar para longe de sua memória, reaparece no ato ora encenado por ele na condição não mais de paciente, mas de agente. Toda cena de violência re-encena algo já vivido pelo violentador, seja na condição de vítima, seja na de espectador.
Em seu livro, Abuso sexual da criança, Tilman Furniss aborda a violência sexual praticada por adultos contra crianças como repetição da violência sofrida por esses adultos quando crianças, seja na condição de vítima, seja na de testemunhas. Ele alerta para o fato de que crianças que foram expostas no âmbito da família ou da escola a atos de abuso sexual praticados por pais ou professores, mesmo quando apenas testemunharam esse abuso, podem tornar-se abusadores no futuro, ainda que não se recordem do que viram e do que então sentiram. Tratando por quatro décadas de crianças abusadas sexualmente, o que o cientista confirmou foi que irmãos e outros parentes das vítimas do abuso sexual acabavam, quando adultos, por repetir o abuso contra outras crianças.11
Talvez possamos entender por que, nas palavras de Marjorie Spiegel, “o oprimido torna-se opressor […] condição na qual pode finalmente forçar alguém a sofrer e sentir o que lhe foi infligido pelas mãos de quem o oprime ou oprimiu”.12
O medo irracional da morte intempestiva, que acomete o indivíduo senciente em todas as situações nas quais não tem poder para se defender e em outras nas quais não há ninguém que o possa proteger, carrega-o de emoções violentas, que acabam por ser traduzidas numa espécie de convicção emocional e moral: “Aquilo que está sob [meu] controle, mesmo que esteja morto, mesmo que tenha de ser morto, é positivo, enquanto aquilo que mantém-se autônomo é ameaçador é negativo.”13 Se este poder não pode ser exercido sobre outros humanos, ainda resta a alternativa de o exercer sobre outros animais. A fobia contra um indivíduo singular, que se apresenta em todas as suas peculiaridades, que não se submete ao padrão de interações possíveis ao violentador, ao seu mando, dirige-se contra o corpo desse outro, diferente e ao mesmo tempo vulnerável. Os animais aparecem como os mais fortes candidatos a alvo da somatofobia: são os mais diferentes de nós em seu aspecto físico, e os mais vulneráveis fisicamente à violência brutal. Se agredimos um humano, escreve Primatt,14 sempre há uma lei ou um outro humano por perto para nos denunciar e exigir reparações. Mesmo havendo leis às quais podemos recorrer para proteger os animais da crueldade brutal, não há em nós força moral suficiente para seguirmos o princípio ético da igual consideração de interesses semelhantes, sugerido por Singer15 para proteção de seres sencientes.
O contrato político de não-agressão exclui os incapazes de violência
Thomas Hobbes, no Leviatã, publicado na Inglaterra em 1651, afirma que o medo da morte intempestiva, violenta, foi a condição sine qua non para que os fortes aceitassem o domínio da lei e do Estado para governar seus interesses particulares. Em outras palavras, os modernos reconheceram sua vulnerabilidade ao ataque e à agressão dos iguais em força e ardil como razão suficiente para aceitar o laço da lei. Mas esse reconhecimento não é suficiente para proteger os não violentos contra as investidas dos violentos que os atacam. Os violentos só respeitam os que têm a mesma estatura. Nessa questão, ter a mesma estatura significa ter a mesma capacidade para assaltar, violentar, ferir ou matar o outro. Os que não podem fazer nada disso não têm garantido nenhum direito.
Rousseau, em seu livro, Do Contrato Social, escrito na França em 1759 afirma que a consciência da própria fragilidade levou os humanos a construírem as instituições sociais, a política, o Estado e as leis. Os filósofos modernos tiverem, portanto, consciência da vulnerabilidade e exatamente por isso elaboram a teoria contratualista pela qual justificam a instituição do Estado, a concepção de que podemos fazer acordos recíprocos de não-violência, pois a razão nos permite compreender que aquela condição não é de um, mas de todos.
Voltando-se contra os não-iguais
A violência, no sentido aqui abordado, pode ser compreendida como forma de expressão da inconformidade emocional e moral daqueles que querem ver na natureza humana a potência absoluta, a liberdade de tudo fazer sem nenhuma limitação. Esses humanos, inconformados e revoltados contra a própria condição perecível, atacam outros seres vivos, aqueles que aparecem a eles claramente na condição de vulnerabilidade. O violentador faz o mal que não admite que lhe seja feito, num esforço para não aparecer jamais na condição vulnerável.16 Se quisermos mexer na matriz moral da violência contra os animais é preciso desmontar a matriz cognitiva e emocional sobre a qual ela se sustenta, revelando o esfacelamento moral que estrutura a psiquê violenta, do qual tratamos no primeiro artigo desta trilogia.17
Somatofobia e contra-identificação
No caso da somatofobia, o alvo da brutalidade, via de regra, é o corpo de alguém no mesmo nível de vulnerabilidade no qual o violentador sofre ou sofreu, passiva (vítima) ou ativamente (testemunha-cúmplice-por-omissão) a violência. O violento, ao destruir algo no corpo do outro, destrui o que lhe aparece como responsável pela condição perecível no outro vivo: seu corpo, ou seu bem-estar emocional. Destruindo, por exemplo, na mulher, a feminilidade, algo que julga não fazer parte da natureza de um homem, o violento afirma sua virilidade, algo que não vê presente nesse outro a quem destrui, a mulher e a criança indomáveis que abate, por exemplo.
A somatofobia, compreendida como assalto contra o corpo de seres vivos vulneráveis, denuncia a ruptura do ser humano consigo mesmo, uma patologia moral construída em nossa cultura pela desintegração metafísica do conceito de si. O modo viril de relacionar-se rigidamente com o outro impõe à relação a forma de expressão daquele vigor rijo, sua vontade prepotente.
Ser humano não é sinônimo de ser viril. Como justificar, pois, que os demais seres, os animais, os homens não-violentos, as mulheres e as crianças, devam moldar-se a uma única forma de expressão do humano? Ao impor totalitariamente seu modo de interagir, o violento viola nos demais seres com os quais interage a condição de liberdade na qual estão constituídos como sujeitos-de-uma-vida (Tom Regan).
Da dignidade de seres que são um fim em si mesmos
Kant, em seu livro, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, escrito na Prússia em 1785, estabelece uma regra prática para fundar a moralidade: considerar o outro como membro do reino dos fins (portador de um sentido, um valor), uma pessoa, e jamais empreender qualquer ação contra o fim que essa pessoa representa, pois seu valor é inestimável, sem equivalência. Uma pessoa jamais deve tratar outra como mero objeto ou meio para que seus fins egoístas sejam alcançados. Todo sujeito moral faz parte do reino dos fins. Essa participação se dá de forma universal através da razão. Existindo, o sujeito racional realiza o fim exclusivo do seu próprio ser. Assim se constitui como pessoa dotada de autonomia moral, algo que só pode ser pensado de quem possui razão e, portanto, liberdade. Qualquer ato que atente contra uma pessoa ameaça sua racionalidade, liberdade, dignidade e a humanidade, em todos nós.18
Esse reconhecimento do outro como pessoa, Kant deriva do reconhecimento de que a racionalidade não é uma qualidade pessoal, no humano, é condição universal. Tudo o que empreendemos contra o outro o fazemos, então, contra nossa própria condição humana.
Tradição moral, exclusão dos animais e violência
Na tradição racionalista ocidental professada por Descartes e Kant há uma convicção de que “animais não possuem alma”, ou, conforme o afirmam muitos filósofos contemporâneos seguidores cegos da hipótese não comprovada por Descartes, “não possuem consciência”19 nem razão, não sendo, portanto, pessoas.20 Por isso, seguir a moral tradicional não é recomendável, caso se queira fazer a defesa ética dos animais contra a violência. Essa moralidade não pôde demover os sujeitos racionais de praticarem a violência contra seres humanos tidos como não-racionais: índios, negros, mulheres; e não-humanos: animais e ecossistemas.
Quando alguém se queixa de que foi tratado como animal, (ani-mal-tratado), denuncia o fato de estar sendo tratado como coisa, “mero corpo”, como mero vivo-vazio, algo destituído de sentido de si, de dignidade.
Para a filosofia racionalista, maus-tratos são violência apenas no caso de serem infligidos a pessoas, pois as destituem de sua liberdade, da capacidade de escolher e deliberar o que é necessário a seu próprio bem. Maus-tratos contra animais foram naturalizados pela tradição moral, como se devessem servir para lembrar a todos que há dominantes e dominados, alfas e subordinados. Em outras palavras, a naturalização dos costumes violentos contra os animais tem uma função ideológica: a de nos mostrar que os homens podem impor sua expressão por via da força bruta a todos os que, intuindo sua natureza livre, não querem colocar sua vida à disposição dos dominantes. Enquanto tolerarmos a violência praticada contra os animais estaremos fomentando a mesma prática que nos subordina a essa hierarquia moral e política. Libertar os animais é libertar-nos da matriz cognitiva que nos formata para sermos escravizados por relações violentas.
Hannah Arendt, em sua obra, Origens do totalitarismo, chama a atenção para a estratégia nazista de anunciar, durante décadas, a inferioridade do judeu, a desumanidade do judeu, a perversão do judeu, a feiúra do judeu, a imundície do judeu… preparando as mentes para aceitar o que mais tarde viria a ser feito contra os judeus: seu confinamento absoluto nos campos de concentração nos quais não havia água para banhar-se, medicamentos para curar-se, liberdade para cuidar de si. Se em liberdade os judeus não eram tudo aquilo, confinados “provaram” que eram sim. Estava dada a condição para a propaganda da “limpeza total do território germânico” da presença dos “imundos judeus”. Se não tem o que anuncia, o violentador dá um jeito de produzir. Cumpre, assim, sua palavra.
Enquanto o violentador descreve sua vítima com expressões desqualificantes, ele prepara o esquema de isolamento social, político e moral que a destitui de valor e a transforma, conseqüentemente, em mero objeto descartável, em vivo-vazio (destituído de mente e de emoção) em máquina de produção, digna apenas ou de escravização, ou do extermínio. Para os poderosos do agronegócio, por exemplo, porcos e frangos, bezerros e bois são vivos-vazios descartáveis e substituíveis. Para os consumidores das mercadorias produzidas pela indústria animalesca, esses produtos são finalmente vazios de vida, conforme anunciado. Agora já podem ser comidos e usados, pois não têm mais sentido ou valor inerente algum, viraram mesmo “coisas”… mortas.
Nessa condição encontram-se as mulheres, as crianças, os homens, os animais e ecossistemas vulneráveis à atividade exploradora levada a efeito pelas megamáquinas produtivas. Hoje, todas as espécies de vida estão sendo arrastadas para a montanha do lixo descartável. Continuamos a pensar dos animais que sua vida não tem valor moral algum, apenas instrumental. Coerentemente, dado que também somos dessa mesma natureza animal, o que pensamos dos outros, o que dizemos dos outros, o que praticamos contra os outros… animais, sempre tendo-os em posição dominada, é exatamente o que outros… humanos em posição dominante pensam de nós, dizem de nós, praticam contra nós, quando envelhecemos e já não somos de nenhuma utilidade para eles, quando adoecemos e lhes custamos algo, quando vivemos de modo que não lhes serve para nada. A lógica racional instrumental é impiedosa, e ainda por cima tem efeito bumerangue.
O antropocentrismo, também denominado humanocentrismo e, por vezes, androcentrismo, hierárquico em sua origem, estabelece a distinção entre animais racionais e não-racionais, e destina aos últimos a posição de subordinação em relação aos primeiros. A parte irracional da alma deve obedecer à razão, escreve Aristóteles. Essa concepção tradicional impede o aprimoramento ético da própria natureza humana, necessário à consideração dos interesses de todos os afetados pela violência.
Excluídos da relação com o outro, quando esse o violenta, seres racionais e não-racionais perdem o estatuto de pessoas.21 Quanto menos se parecem com pessoas, assim o concebe o violentador, mais facilmente se pode avançar sobre eles com ímpeto destrutivo. Igualados aos animais, os seres da nossa própria espécie não considerados pessoas dignas… continuam a ser maltratados.
A tradição hierarquizante na qual o violentador se constitui rigidamente como forte só considera o interesse deste, pois o identifica com o que é dotado de razão.22 Seres considerados desprovidos de razão – mulheres, índios, escravos, crianças, animais e todos os que não se enquadram nesse padrão moral tradicional -, sempre estiveram à mercê da brutalidade.23 Racionalidade instrumental não pode ser dissociada de brutalidade. Essa é a matriz cognitiva da somatofobia, do ódio àquilo que só tem corpo mas não tem razão. Essa hostilidade que concebe os animais como vivos-vazios atinge os interesses de qualquer ser vivo em condições ambientais vulneráveis à atividade e aos interesses racionais.
Temos então o uso, abuso, exploração, destruição e extermínio afetando cruelmente os animais usados para fins humanos, e, pela mesma lógica, muitos humanos que se encontram nessa mesma condição, usados para a produção de bens e mercadorias. A escravização de seres vivos é uma das formas de expressão da somatofobia: obrigamos os corpos de outros indivíduos a produzirem para nós os bens que não queremos buscar com o trabalho de nossos corpos.
Autoprover-se consome imensa energia. Obtemos vida, sugando-a de outros semelhantes. Cortadores de cana, mineradores, vacas leiteiras e galinhas poedeiras são igualmente vulneráveis à somatofobia da qual todos nos beneficiamos com a mais glacial indiferença. O que acabamos de ingerir na última refeição, se não somos veganos,24 resulta da exploração do corpo de outros seres vivos, transformados pela atividade industrial em vivos-vazios de sentido e razão, em máquinas vivas produtivas às quais não é concedido o direito de viver em paz, nem de repousar. Escravização de seres vivos é uma das formas de somatofobia.
Ao fundar a constituição da pessoa na relação, a epistemologia feminista crítica não restringe o conceito de relação ao âmbito racional. A pessoa se forja na relação com outras pessoas, com seres de outras espécies e também através da forma pela qual usa as coisas e os objetos. Nossa condição de pessoa resulta de todas as nossas formas de relação com o outro.25 Se, por um lado, nem todas as nossas interações são racionais, por outro, nem todos os sujeitos afetados negativamente por nossas interações são dotados de razão.
Ao interagir, é com o nosso corpo que nos colocamos no espaço territorial ocupado já por um outro, apresentamo-nos ao outro através do nosso corpo. Com ele estabelecemos contato com o corpo do outro. Nossa cultura nos autoriza a fazer o que for necessário para garantir o provimento dele. Para muitas pessoas, isso quer dizer liberdade para avançar e atacar o corpo de outro animal, liberdade para confiná-lo, forçá-lo à reprodução ininterruptamente, matá-lo. Revelando a mais absoluta incoerência moral, não admitimos que façam ao nosso corpo o que fazemos com naturalidade ao corpo de outros. Exemplo disso são as restrições ao uso de humanos em quaisquer investigações e a não-restrição ao uso de não-humanos em investigações cruéis e violentas.
A luta pelo fim da somatofobia está diretamente vinculada ao desejo de coerência ética. Se a razão não me permite admirar nem aprovar ações alheias que contrariam meu bem-estar, privam-me da liberdade necessária ao provimento da minha pessoa de modo específico e singular e ameaçam minha vida, a mesma racionalidade me priva de poder aceitar que eu tenho liberdade de fazer quaisquer dessas coisas contra outros.
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8. FELIPE, Sônia T. (2004) Princípios éticos para uma justiça global. In: http://www.vegetarianismo.com.br
9. FELIPE, Sônia T. (2004) Implicações morais do sofrimento animal e da devastação ambiental; a desmoralização humana na produção e consumo de carne. In: http://www.vegetarianismo.com.br
10. FELIPE, Sônia T. (2005) Redefinindo a comunidade moral. In: BORGES, Maria de Lourdes; HECK, José (Orgs.) Kant: liberdade e natureza. Florianópolis: EDUFSC, 2005, p. 263-278.
11. FELIPE, Sônia T. (2005) Atribuição de direitos aos animais: Três argumentos éticos para sua fundamentação. In: DUTRA, L. H. DE A; MORTARI, C.A (Orgs.). Ética: Anais do IV Simpósio Internacional Principia – Parte 2. Florianópolis: NEL/UFSC, 2005, p. 205-227.
12. FELIPE, Sônia T. (2006) Da considerabilidade moral dos seres vivos: a bioética ambiental de Kenneth E. Goodpaster. In: ETHIC@, Florianópolis, jul. 2006, http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/et53art7Sonia.pdf
13. FELIPE, Sônia T. (2006) Valor inerente e vulnerabilidade: critérios éticos não-especistas na perspectiva de Tom Regan. In: ETHIC@, Florianópolis, jul. 2006, http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/et53art9Sonia.pdf);”>
14. FELIPE, Sônia T. (2006) Fundamentação ética dos direitos animais. O legado de Humphry Primatt. In: REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO ANIMAL. Salvador, Instituto de Abolicionismo Animal, v. 1, n. 1, jan./dez. 2006, pp. 207-229.);”>
15. FELIPE, Sônia T. (2007) Ética e experimentação animal: argumentos abolicionistas. Florianópolis: Editora da UFSC, 2007.
16. FELIPE, Sônia T. (2007) Racionalidade e vulnerabilidade. Elementos para a redefinição da sujeição moral. In: VERITAS, Porto Alegre, v. 52, n. 2, Mar. 2007, p. 184-195.
17. FELIPE, Sônia T. (2007) Somatofobia: violência contra humanos e não-humanos; as vozes dissidentes na ética antiga”. In: PENSATA ANIMAL, São Paulo, n. 2, jun. 2007,http://www.sentiens.net/top/PENSATA_capa_top.html
18. FURNISS, Tilman. Abuso sexual da criança: uma abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2002.
19. HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
20. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril, 1978.
21. LEOPOLD, Aldo. A Sand County Almanac: With Essays on Conservation from Round River. Oxford University Press, 1949.
22. MASLOW, Abraham H. The role of dominance in the social and sexual behavior of infra-human primates. I Observations at Vilas Park Zoo. Journal of Genetical Psychology, 1936, (48): 261-277.
23. MASLOW, Abraham H. Dominance-quality and social behavior in infra-human primates. In: Journal of Social Psychology (11):313-324.
24. NEGRÃO, Sílvio Luiz. O critério da vida para uma ética ambiental: concepção, filiação, conceitos, argumentos e propostas de Kenneth Goodpaster. In: ETHIC@, Florianópolis, http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/et53art8Silvio.pdf.
25. PHILIPPI, Jeanine Nicolazzi; FELIPE, Sônia T. A violência das mortes por decreto. Florianópolis: Edufsc, 1998.
26. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
27. SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
28. SPIEGEL, Marjorie. The Dreaded Comparison: Human and Animal Slavery. New York: Mirror Books, 1996.
29. WAAL, Frans de. El bien natural. Los orígenes del bien y del mal em los humanos y otros animales. Barcelona: Herder, 1997.
30. WARREN, Karen J.”The Power and the Promise of Ecological Feminism”. In: GOULD, Carol C. (Ed.) Gender: Key Concepts in Critical Theory. New York: Humanity Books, 1999.
31. WARREN, Karen J.. & CADY, Duane L..(Ed.) Bringing peace home: feminism, violence and nature. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, 1996.
Notas
* Este artigo apresenta o texto detalhado do que foi apresentado oralmente no II SIMCOBEA, Rio de Janeiro, 27 de novembro de 2006, das 19:30 às 20:30, na forma de palestra. Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no Congresso Latino-americano e Brasileiro de Educação Humanitária, organizado pelo Instituto Nina Rosa, São Paulo, Memorial da América Latina, em 5 de maio de 2006, 15h40-16h50. Agradeço ao Prof. Dr. João Telhado, da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e ao Instituto Nina Rosa, respectivamente, o convite para tratar desta temática. Com a publicação do trabalho na Pensata Animal, o público que prestigiou meu trabalho naqueles dois eventos tem finalmente a oportunidade de ler o que foi apresentado verbalmente. Este artigo constitui a primeira parte de uma trilogia que será publicada na Pensata Animal nos meses de junho, julho e agosto de 2007.
** Doutora em Teoria Política e Filosofia Moral pela Universidade de Konstanz-Alemanha. Co-fundadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Violência (UFSC). Co-Autora dos livros: O corpo violentado (EDUFSC 1998), A violência das mortes por decreto (EDUFSC 1998). Organizadora do volume: Justiça como Eqüidade (Insular 1998). Autora de, Por uma questão de princípios: alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais (Florianópolis: Boiteux, 2003). Coordenou o núcleo de formação em ética, do Centro de Direitos Humanos da Grande Florianópolis, de 1997-2001. Autora de Ética e Experimentação Animal: Argumentos Abolicionistas. Florianópolis: Edufsc, 2007.
1 Trato deste conceito no artigo publicado no volume anterior da Pensata Animal, “Somatofobia: violência contra animais humanos enão-humanos. As vozes dissidentes na ética antiga”, junho de 2007.
2 Primatt distingue duas formas de crueldade: a dirigida contra humanos, que chama de crueldade humana, e a dirigida contra animais, crueldade brutal. Para uma leitura detalhada dos argumentos do autor, ver: FELIPE, Sônia T. Fundamentação ética dos direitos animais. O legado de Humphry Primatt. In: REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO ANIMAL. Salvador, Instituto de Abolicionismo Animal, v. 1, n. 1, jan./dez. 2006, pp. 207-229.
3 Cf. FELIPE, Sônia T. Por uma questão de princípios. Alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais. Florianópolis: Boiteux, 2003, p. 20, nota 2.
4 Ver RYDER, Richard D. Speciesism. In: Victims of Science; the Use of Animals in Research. London: National Anti-vivisection Society, 1983, p. 1-14; SINGER, Peter. The Significance of Animal Suffering. In: BAIRD, Robert M; ROSENBAUM, Stuart E. (Eds.) Animal Experimentation: the Moral Issues. Amherst, NY: Prometheus Books, 1991, p. 57-66.
5 Artigos sobre as teses e argumentos desses autores podem ser lidos em: http://www.cfh.ufsc.br/ethic@, especialmente em seus volumes temáticos, Ética Prática, Ética Ambiental, Comunidade Moral. Os artigos aí publicados podem ser impressos pelo leitor virtual, sem custo algum.
6 Damasio, p. 280.
7 Cf. SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo: Martins Fontes, 1994. Cap. 2.
8 “People who dislike or are afraid of elements within themselves, such as strong emotion, sexual feelings, weakness, or violent urges, represse evem their own knowledge of these parts of themselves. Really, then, what I have termed ‘irrationa fears’ are actually a fear of the so-called ‘irrational’ part of one’s own self. People deny these elements, yet at the same time want or need to know them, so they are projected onto someone or something else: women, black people, Jews, animals, or even Nature herself. Then, because these beings have now come to represent something of which this person is afraid, or cannot understand, or wants to deny in himself, the torture or perhaps even eradication of the symbol is enacted.” SPIEGEL, Marjorie. The Dreaded Comparison: Human and Animal Slavery. New York: Mirror Books, 1996, p. 95-98.
9 Sobre estas categorias trato em outros textos. Ver, por exemplo: FELIPE, Sônia T. Redefinindo a comunidade moral. In: BORGES, Maria de Lourdes; HECK, José (Orgs.) Kant: liberdade e natureza. Florianópolis: EDUFSC, 2005, p. 263-278; FELIPE, Sônia T. Atribuição de direitos aos animais: Três argumentos éticos para sua fundamentação. In: DUTRA, L. H. DE A; MORTARI, C.A (Orgs.). Ética: Anais do IV Simpósio Internacional Principia – Parte 2. Florianópolis: NEL/UFSC, 2005, p. 205-227; FELIPE, Sônia T. Racionalidade e vulnerabilidade. Elementos para a redefinição da sujeição moral. In: VERITAS, Porto Alegre, v. 52, n. 2, Mar. 2007, p. 184-195.
10 Tradução nossa. SPIEGEL, Marjorie. The Dreaded Comparison: Human and Animal Slavery. New York: Mirror Books, 1996, p. 98.
11 O livro de Furniss foi traduzido no Brasil pela Artmed de Porto Alegre em 2002. Em inglês o livro traz o título: The Multiprofessional Handbook of Child Sexual Abuse: Integrated Management, Therapy & Legal Intervention, 1991.
12 The Dreaded Comparison, p. 98.
13 The Dreaded Comparison, p. 99.
14 Ver FELIPE, Sônia T. “A fundamentação ética dos direitos animais: o legado de Humphry Primatt”. In: Revista Brasileira de Direito Animal. Salvador: Instituto de Abolicionismo Animal, v.1, n. 1, jan./dez. 2006, p.207-229.
15 Cf. Ética Prática, Cap.2, 3, 4 e 5.
16 Nesse sentido, escreve Coral Lansbury: “Rather than being seen as an aberration of human nature, the torture and killing of animals permitted those who had no rights, no possibility of ever imposing their will upon [other humans], to demonstrate, often publicly, their strength and dominance.” Apud Marjorie Spiegel, TDC, p. 91.
17 Publicado na PENSATA ANIMAL, n. 1, de 13 de maio de 2007.
18 Nas propagandas de guerra os militares sempre fazem parecer que os milhares de seres humanos mortos são apenas um único cadáver: o do inimigo; disfarçam, assim, o fato de que exterminam a vida de milhares de sujeitos morais, de pessoas: homens, mulheres, crianças, animais. Os mortos da guerra são mostrados como objetos, corpos amontoados sem nome. Sociedades que cultivam a guerra são as que apontam maior incidência de violência contra animais e mulheres. Carol J. Adams, BPH, p. 83.
19 Ibid., p. 75.
20 Contrariamente aos racionalistas, os utilitaristas, desde Jeremy Bentham (Uma introdução aos Princípios da Moral e da Legislação,1789), e mais particularmente o utilitarismo preferencial, defendido por Peter Singer (Ética Prática, 1979), abandonam a razão, em troca de outra característica para definir o conceito de pessoa, um sujeito de interesse. Para saber se há, ou não, interesse, basta saber se o sujeito afetado pela nossa decisão e ação é, ou não, senciente, o que equivale a ser capaz de sofrer. O sofrimento (sensibilidade) passa a ser, então, desde a exigência de Bentham, aceita por Singer, o critério para a definição de deveres morais. Um princípio ético deve servir para orientar o sujeito moral a conduzir seus próprios interesses em meio a todos os seres capazes de sofrimento, sem lhes afetar negativamente. O princípio da igual consideração de interesses, proposto por Peter Singer, constitui hoje, um dos mais discutidos no plano internacional. Por ir de encontro à ética racionalista, o critério sugerido por Singer também é um dos mais criticados pelos filósofos morais tradicionais.
21 O conceito de “pessoa”, para fins de consideração ética, inspira-se na proposta de Peter Singer, que leva em conta se o ser em questão possui, ou não, um interesse a ser preservado. Para se lidar com seres dotados de sensibilidade, esclarece Singer, o que devemos considerar é se são capazes de sofrer, ou não, caso seus interesses sejam contrariados. Assim, bater, machucar, lesar, aprisionar seres que necessitam de trato específico, aterrorizar e matar, são formas de violar o interesse de um ser sensível, independentemente de pertencer, ou não, à espécie Homo sapiens. Cf. Ética Prática, Cap. 2, 3 e 4.
22 Cf. nota 7 e 8 acima.
23 Cf. Carol J. Adams, BPH, p. 77.
24 Termo que designa uma escolha moral de consumo sem uso de quaisquer produtos que sejam tirados dos animais vivos (leite e quaisquer de seus derivados, ovos e quaisquer alimentos feitos com eles, mel e seus derivados, seda, lã, plumas, penas), mortos (carne, gelatina, couro, peles, pêlos), ou que resultem de experimentos em animais (corantes, cosméticos, higiênicos, etc.). O termo vegan foi criado em novembro de 1944 por Donald Watson, Elsie Shrigley e cinco outros interessados na criação de uma nova sociedade, uma que se distinguisse da sociedade vegetariana, para a qual nem sempre os animais são o objeto de consideração e respeito nas decisões de consumo. O termo vegan aparece no Oxford Illustrated Dictionary pela primeira vez em 1962. Cf. SPEPANIAK, Joanne. The Vegan Sourcebook. 2nd Los Angeles: Lowell House, 2000, p. 2-3. No Brasil o termo vegano foi sugerido por Georg Guimarães em 2004 (Nutriveg) e desde então tem sido adotado por todos os que seguem aquele padrão de consumo acima descrito.
25 Cf. Carol J. Adams, BPH, p. 78.